- O Globo
Frio, pragmático, Castelinho sabia lidar com as autoridades de Brasília sem perder de vista sua condição de repórter
Esta semana comemora-se o centenário de nascimento de Carlos Castello Branco, o maior jornalista político de sua geração, que marcou com suas colunas a história recente da política brasileira, especialmente nos momentos mais difíceis da ditadura militar, quando foi preso e censurado devido a seu trabalho em favor da redemocratização, no que escrevia e também na ação nos bastidores.
Eleito para a Academia Brasileira de Letras, foi recebido por outro acadêmico, o ex-presidente José Sarney, seu amigo da vida inteira, que classificou Castelinho, como era carinhosamente chamado, como um político que usou o jornalismo como sua tribuna.
Conheci Castelinho quando morei em Brasília, a partir de 1974, e tive com ele um convívio agradável e, sobretudo, proveitoso, pois gostava de contar histórias dos bastidores políticos, atuais e antigas, de quando a Capital era no Rio de Janeiro.
A Academia Brasileira de Letras está publicando em seu site depoimentos de vários acadêmicos sobre sua vida e obra. Eu leio texto que redigi sobre ele para o livro “Brasileiros”, da Nova Fronteira, recém lançado nesses tempos de pandemia para celebrar brasileiros que se destacaram em suas atividades, e nos dão motivos de orgulho. Seguem trechos:
(...) Ler as colunas de Castelinho, nos livros que publicou e no blog que a família mantém com absolutamente todos seus escritos, é compreender a história política recente do Brasil até sua morte, em 1993.
(...) Participou de um dos primeiros livros no país a tratar da história imediata em tom jornalístico. “Os idos de março – e a queda em abril”, reportagens de oito dos mais prestigiados jornalistas da época que relatavam os acontecimentos políticos desde o comício da Central, a 13 de março, até quinze dias depois do golpe.
(...) Inicialmente favorável, Castelinho passou a contestar a ação dos militares, “que tendo pretendido ser uma intervenção saneadora, para assegurar o funcionamento dos poderes da República, terminou por implantar um longo regime militar, orientado por um sistema, ou um aparelho, que preservou das instituições civis apenas o arcabouço sem alma”.
(...) Frio, pragmático, Castelinho sabia lidar com as autoridades de Brasília sem perder de vista sua condição de repórter. Tinha uma memória notável, e não foram poucas as ocasiões em que o interlocutor se surpreendeu com a reprodução perfeita da conversa sem que tivesse tomado uma nota sequer da conversa.
(...) Com texto direto e capacidade analítica, mas sabendo ser sarcástico quando necessário, Carlos Castello Branco teve que se adaptar às dificuldades da censura no regime militar, e enviava mensagens cifradas nas suas colunas a favor de manobras políticas, não apenas da oposição ao regime, mas também de setores militares que atuavam nos bastidores para a abertura democrática que acabaria chegando.
(...) A “Coluna do Castello", publicada diariamente no “Jornal do Brasil” por 31 anos até sua morte, em 1993, teve provavelmente o mais influente papel que o jornalismo pode exercer na política brasileira, e não apenas metaforicamente.
No período mais negro da ditadura militar, “o Congresso só existiu na minha coluna", disse certa vez.
(...) Castelinho tinha a noção exata de que fazia parte da História, e era desse ponto de vista que analisava os fatos políticos cotidianos. (...) Com a posse de Geisel e o projeto de abertura política, Castelinho ganhou mais liberdade para escrever, mas, em conseqüência, atraiu a fúria da linha dura que se opunha à democratização. Foi nesse período que passou a receber cartas anônimas com ameaças de morte.
(...) Já durante o período de distensão, querendo continuar o processo de abertura política “lenta, gradual e segura”, mesmo depois de ter fechado o Congresso e ter baixado o “Pacote de abril”, o presidente Ernesto Geisel não sabia como convencer a opinião pública de que continuava com a intenção inalterada. O ministro da Justiça, Petrônio Portela, um dos artífices civis da abertura política, aconselhou-o: “Só há um homem no Brasil que fará com que se acredite que o senhor quer mesmo fazer a abertura política, o jornalista Carlos Castello Branco”.
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