Crescimento é o caminho para as receitas aumentarem e fazerem frente ao desequilíbrio fiscal
A paralisação abrupta dos sistemas produtivos no mundo, causada pela necessidade de bloqueios de cidades e do isolamento social forçados pelo vírus da Covid-19, está sendo enfrentada por toda parte com o aumento de despesas públicas. O retorno à normalidade depende de cada país. Há os mais bem estruturados, com finanças públicas que estavam organizadas, e que reúnem também outras condições estruturais que lhes permitem um retorno mais rápido e com menos distorções ao crescimento. E entre tantos outros há o Brasil, apanhado pela tempestade quando ainda tentava sair das dificuldades da falência do método heterodoxo adotado por Lula II e Dilma. O crescimento continuava baixo, havia conseguido realizar uma reforma da Previdência sempre tentada sem êxito, até que o país foi obrigado a esquecer a austeridade nas finanças diante da debacle sanitária e social. Não havia escolha.
Antes de a crise passar e deixar os escombros, é preciso rearrumar a agenda das reformas, que continuam cada vez mais necessárias.
E as circunstâncias aconselham que se dê prioridade à tributária, por sua capacidade de ajudar na retomada do crescimento, por meio do aumento da produtividade na economia, entre outras razões. Mesmo que haja mudanças que entrem em vigor aos poucos, ao longo dos anos, a reforma tem a capacidade de, ao sinalizar melhorias, oxigenar o ambiente de negócios desde já.
Todos os países sairão da epidemia com as contas públicas bastante deficitárias. O Brasil, que teria neste ano um resultado primário — sem considerar os juros da dívida — negativo na faixa de R$ 120 bilhões, acumulará algo oito ou nove vezes maior, elevando a dívida pública em relação ao PIB de cerca de 75% a quase 100%.
Ganha, então, ainda mais relevância a reforma tributária neste momento em que as receitas do Estado precisam crescer para fazer frente ao grande desequilíbrio fiscal que se encontra em gestação. E também para atender aos clamores justos de um aumento das despesas sociais dirigidas aos de fato mais pobres, problema que ficou mais visível na epidemia.
Em vez de mais impostos, que já empanturram o contribuinte e atravancam a economia, deve-se modernizá-los, aproveitando para acabar de vez com distorções consensuadas. Por exemplo, haver 27 conjuntos de normas para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um para cada estado e o Distrito Federal. Isso significa mais burocracia, sinônimo de custo para as empresas e de produtividade baixa. As pesquisas “Doing Business”, do Banco Mundial, que monitoram os ambientes de negócio, mostram a baixa competitividade do Brasil em vários quesitos essenciais às empresas.
Há duas propostas de reforma no Congresso, uma na Câmara, outra no Senado. Haverá uma terceira, em elaboração pelo governo. A linha geral das mudanças visa a reduzir o grande número de tributos, com a fusão de alguns para simplificar o sistema e dar uma lógica a ele. Segundo o jornal “Valor”, estudo do projeto que se encontra na Câmara, feito pelo economista Bráulio Borges, da LCA Consultores, a pedido do Centro de Cidadania Fiscal, calcula que as mudanças podem gerar, em um período de 15 anos, um aumento da arrecadação anual de R$ 753 bilhões, só pelo efeito do maior crescimento da economia decorrente da rearrumação dos impostos.
Este projeto unificaria cinco impostos: três federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS). O que se encontra no Senado vai pelo mesmo caminho. As reformas em discussão, ao unificarem impostos, eliminarem diferenças entre as alíquotas de ICMS e fazê-las incidir no destino e não na origem da produção de bens e serviços, acabam com a guerra fiscal entre os estados, causa de ineficiências no sistema produtivo. Melhoram-se impostos que arrecadam mais da metade da carga tributária, algo como 20% do PIB.
Um conceito-chave é que a forma saudável de se aumentar a arrecadação tributária é pelo crescimento da economia, impulsionado por um volume crescente dos negócios — investimentos, produção, consumo. E não pela criação de novos gravames, como fizeram os governos na redemocratização (Sarney, Collor, FH, Lula/Dilma). As demandas por despesas sociais, investimentos e gastos públicos foram atendidas pelo aumento da carga tributária em cerca de dez pontos percentuais, de 25% para cerca de 35% do PIB, entre os anos 1980 e 2010. Em vez de uma racionalização nos gastos, criaram-se mais impostos, alguns batizados de contribuições para apenas a União arrecadar. Aumentou a barafunda tributária.
A crise econômica do coronavírus pressiona para a retomada da agenda das reformas, com destaque às mudanças tributárias, para que seja aumentado o chamado “PIB potencial”. Ele poderia crescer em até 33%, pelo estudo de Bráulio Borges. Se nada for feito, o Brasil retornará à semiestagnação do pós-recessão de Dilma (2015-16), com crescimentos não muito distantes de 1%. Se é que se pode chamar isso de crescimento. As mudanças tributárias que estão sendo propostas objetivam dar elasticidade e fôlego à economia, para ela subir de patamar na capacidade de produzir sem gerar distorções como inflação.
Mudar o eixo tributário brasileiro vai além dessas propostas. É necessário também rever incentivos e isenções a pessoas jurídicas e também físicas, um dos mecanismos silenciosos de concentração de renda, ao lado de distorções nas aposentadorias e nas políticas de pessoal do funcionalismo público. Não surgiu do nada a característica de o Brasil ser um dos países mais iníquos do planeta. Esta é uma obra construída em gerações. Mudança nos tributos é uma das ações que também podem ajudar no enfrentamento de injustiças. Além de tudo.
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