- Valor Econômico
Novas despesas estão sendo contratadas, o que fortalece o pessimismo sobre os rumos da reforma tributária
A condição básica para viabilizar uma reforma tributária é a percepção de que ela não resultará em aumento da carga de impostos. Do contrário, ela não avançará. Infelizmente, há sinais concretos no horizonte de que o peso dos tributos sobre os ombros dos contribuintes brasileiros poderá ficar ainda maior.
O que fortalece o pessimismo sobre os rumos da reforma tributária é que novas despesas estão sendo contratadas, no âmbito da União, dos Estados e dos municípios. A Câmara dos Deputados acaba de aprovar o novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).
Nos próximos dias, o Senado também deverá aprovar. Com as novas regras do Fundeb, a participação da União no financiamento da educação infantil e nos ensinos fundamental e médio crescerá de 10% para 23% até 2026. Já em 2021, ela aumentará de 10% para 12%.
Para a União, a despesa deverá passar dos atuais R$ 15 bilhões por ano para R$ 34,5 bilhões por ano, ao final de um período de seis anos, de acordo com estimativa do economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade do Senado. Ou seja, a despesa anual vai mais do que dobrar. É um gasto obrigatório adicional, que está sendo programado sem o corte de nenhum outro.
Haverá aumento de despesa também para os Estados e municípios, como observaram os economistas Marcos Lisboa e Marcos Mendes, em recente artigo para a “Folha de S. Paulo”. A lei 11.738/2008 define que o piso salarial dos professores será reajustado pelo mesmo índice de variação de gasto por aluno do Fundeb.
Como o número de alunos está caindo, resultado da transição demográfica, e a receita de impostos estaduais e municipais vinculados ao Fundeb cresce, os percentuais de reajuste do piso foram expressivos nos últimos anos. Em 2020, o reajuste do piso foi de 12,84%. Ele indexa, segundo os economistas, toda a escala de remunerações, “dando aumentos até para quem está no topo da carreira”. O piso também se aplica a inativos e pensionistas.
Uma das regras do novo Fundeb estabelece que pelo menos 70% dos seus recursos serão destinados ao pagamento dos profissionais da educação básica em efetivo exercício. É fácil perceber o impacto do Fundeb aprovado pela Câmara nas finanças estaduais e municipais, que já estavam fortemente abaladas antes mesmo da pandemia da covid-19.
Outro indício preocupante são as manifestações de setores do governo favoráveis ao imposto sobre pagamentos, idealizado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para substituir a atual tributação sobre a folha de salários. Na semana passada, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, disse que o imposto de Guedes, que para muitos é uma CPMF disfarçada, poderia ser utilizado “para reforçar o programa de renda mínima, que vem sendo montado pelo governo”.
Se além de substituir os tributos sobre a folha, a nova CPMF vai também custear parte do programa de renda mínima, obviamente ela representará um aumento da carga tributária. O “reforço” do programa de renda mínima do governo, chamado de Renda Brasil, representará elevação das despesas, se não for compensado pelo corte de outros gastos.
Se o governo federal procurar elevar a sua receita tributária para custear novas despesas será inevitável que governadores e prefeitos façam o mesmo. Quando essa disputa por mais recursos começar a acontecer, é difícil acreditar que a reforma tributária continuará avançando.
Nesta semana, o governo apresentou, finalmente, a primeira etapa de sua proposta de reforma tributária, com a criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), em substituição ao PIS/Pasep e à Cofins. A alíquota da CBS será de 12%, contra os 9,25% atuais do PIS/Cofins pagos pelas empresas que declaram pelo lucro real. Já há especulações de que a alíquota da nova contribuição embutiria um aumento da carga, o que o governo federal nega.
A realidade das contas públicas pós-pandemia mostra a necessidade de um controle rigoroso sobre os gastos. As últimas estimativas do Ministério da Economia indicam um déficit primário superior a R$ 800 bilhões neste ano e uma dívida pública bruta em torno de 95% do Produto Interno Bruto (PIB).
Com a continuidade de déficits primários nas contas públicas nos próximos anos, a tendência será de que a dívida cresça ainda mais. O que poderá amenizar a trajetória é o juro muito baixo que o Tesouro Nacional está pagando em seus papéis. Para os juros permanecerem em nível historicamente muito baixo, no entanto, o governo não poderá fazer sinalizações erradas, que indiquem descontrole dos seus gastos.
Os economistas ensinam que só há uma forma de controlar o crescimento da dívida pública no médio e longo prazo: fazer superávit primário nas contas. Isso pode ser conseguido pela redução das despesas ou pelo aumento da carga tributária. Desde a posse do ex-presidente Michel Temer, o governo tentou seguir uma estratégia de reduzir os gastos em proporção do PIB, evitando, dessa forma, a elevação do peso dos impostos. É preciso saber se essa estratégia continuará sendo seguida no pós-pandemia.
Uma alternativa à elevação da carga seria uma significativa redução dos benefícios tributários, que hoje atingem 4,2% do PIB. Recente nota técnica da Receita Federal informou que a ampliação das desonerações tributárias concedidas após a crise de 2008/2009 alcançou a totalidade do sistema tributário, de modo que todo tributo possui atualmente alguma forma de tratamento diferenciado.
Na sua proposta de criação da CBS, o governo elimina mais de 100 tratamentos diferenciados e favorecidos que existem na legislação do PIS/Pasep e da Cofins. São subsídios que estão sendo suprimidos e, em tese, deverão, se aprovados, elevar a receita disponível. O fim ou redução significativa dos benefícios tributários será outro obstáculo considerável para a reforma tributária.
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