Reforma tributária enviada ao Congresso pelo Executivo arrisca ser outra oportunidade perdida
Faz mais de ano o Executivo anuncia que divulgaria em questão de dias sua proposta de reforma tributária. Foram tantas as idas e vindas, tantas as promessas e recuos, que o ministro da Economia, Paulo Guedes, recebeu em Brasília a alcunha jocosa de “ministro semana que vem”. Pois enfim a semana que vem chegou. Os presidentes da Câmara e do Senado receberam anteontem a proposta inicial do governo para transformar a convoluta estrutura de impostos que vigora no Brasil.
Além de tardia, foi uma proposta tímida. Na “primeira etapa” — outras três estão previstas —, propõe apenas a unificação de PIS e Cofins num só imposto, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). É pouco. Duas propostas que tramitam na Câmara e no Senado preveem simplificação maior, reunindo entre cinco e sete tributos num só. Numa costura política improvável até pouco tempo atrás, secretários estaduais da Fazenda passaram a apoiar até a inclusão do ICMS num novo imposto sobre o valor agregado, pondo fim à guerra fiscal.
Em vez de trabalhar pela convergência das duas propostas de emenda constitucional que já tramitam no Congresso, o Executivo preferiu seguir o caminho aparentemente mais fácil do projeto de lei que unifica apenas os dois impostos, provavelmente acreditando que apresentar algum avanço seria melhor do que nada. Seria mesmo, se avanço houvesse. A proposta enviada ao Congresso representa, contudo, um risco concreto de retrocesso.
Primeiro, porque as alíquotas propostas para a nova CBS promovem desequilíbrio entre setores econômicos. Igrejas, partidos, entidades de classe e a Zona Franca ficariam isentos. Bancos, seguradoras e instituições financeiras pagariam alíquota de 5,8%. As demais empresas, 12%, mais que a maior parte das alíquotas praticadas hoje.
Segundo, porque a proposta pune alguns dos setores mais atingidos pela pandemia, em especial os intensivos em mão de obra, que não geram créditos para compensar no modelo adotado pelo novo imposto. É o caso de hotéis, restaurantes, hospitais, empresas aéreas, de telecomunicações, segurança ou educação. O efeito seria particularmente nefasto para os negócios já ameaçados pelo novo coronavírus.
Terceiro, e mais importante, porque, se não houver compensação noutros tributos, a proposta aumenta a carga de impostos. É esperado que o governo queira arrecadar mais num momento de crise fiscal profunda. Mas isso jamais ocorrerá com carga tributária maior, que inibe o investimento e a produção.
Por fim, a nova proposta embaralha o andamento das que já estão no Congresso. Há no Legislativo disposição para enfrentar com coragem o intrincado emaranhado tributário que emperra a economia. O risco é a abordagem por etapas não dar em nada — e o país perder mais uma oportunidade de resolver a questão.
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