segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Em defesa do teto – Editorial | Folha de S. Paulo

Déficit e dívida, não o limite constitucional, impedem expansão do gasto público

O país parece próximo de reafirmar ou abandonar uma escolha crucial. Enquanto sua dívida dispara com as providências essenciais para mitigar o impacto da pandemia, o governo flerta com a ruptura do teto para os gastos públicos inscrito na Constituição.

Ao minar a credibilidade da principal referência de controle das contas públicas, o presidente Jair Bolsonaro pensa menos no país e mais em sua reeleição —e, até nisso, de forma equivocada.

Na última semana, apesar das juras de fidelidade ao ministro Paulo Guedes, da Economia, deu voz à ala dita desenvolvimentista do governo, apontando a necessidade de investimentos. Apelou até ao patriotismo dos mercados, sempre o último recurso dos gastadores.

O presidente revela má compreensão do impacto da emenda constitucional 95, que restringiu a expansão das despesas federais à variação da inflação até 2026.

A regra teve impacto positivo na economia. Ao sinalizar um ajuste orçamentário de longo prazo, que dependeria também de outras reformas, viabilizou uma queda recorde dos juros e dos custos de rolagem da dívida pública.

O objetivo do dispositivo vai muito além disso, porém. O teto acaba por impor ao Congresso um debate mais sério sobre prioridades, em vez da distribuição de benesses sem qualquer controle, bancadas pela coletividade com impostos crescentes ou endividamento.

Abandonar o limite, sem mais, elevará juros e trará instabilidade financeira. Abrirá, de imediato, a corrida por mais benefícios a grupos de interesse e ao topo da pirâmide de renda, a começar pelos salários da elite do funcionalismo.

O engano mais flagrante está em crer que é o mecanismo constitucional o obstáculo ao aumento de dispêndios mais ou menos virtuosos. A barreira real, infelizmente, é o patamar insustentável do déficit e da dívida do Estado.

Ao contrário do que prega a retórica demagógica, o teto pode ser instrumento para dar voz aos mais pobres. Foi antes de sua vigência, afinal, que a desigualdade de acesso ao Orçamento foi formatada.
Bolsonaro disse que o teto está fixo, mas o piso cresce continuamente, o que é verdadeiro. A receita correta, então, consiste em estabilizar o piso por meio de reformas que contenham o crescimento das despesas obrigatórias.

A proposta de emenda constitucional 186, em tramitação no Congresso, prevê, em caso de descontrole fiscal, cortes de até 25% na jornada e nos salários dos servidores e redução progressiva de subsídios, entre outros ajustes.

O debate sobre o Orçamento de 2021 neste segundo semestre evidenciará o caminho que será trilhado —erodir as paredes que sustentam o teto ou abraçar reformas que de fato levarão o país a uma posição de maior segurança, com crescimento e justiça social.

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