segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Necessária assertividade na defesa do teto de gastos – Editorial | Valor Econômico

As prioridades do país seguem sendo o combate à pandemia e a manutenção da atividade econômica sem que se coloque em risco a solvência do Brasil

A última semana ficará marcada, quando se fizer uma retrospectiva da administração Jair Bolsonaro, como um dos momentos mais tensos na disputa entre a ala liberal e o grupo desenvolvimentista que cercam o presidente da República. E os próximos dias devem ser tão ou mais esclarecedores sobre os rumos do governo e seu compromisso com o teto de gastos. Deles também se poderá depreender o tamanho da força política que o ministro da Economia, Paulo Guedes, terá para implementar o programa defendido na campanha eleitoral e consagrado nas eleições de 2018.

A divisão entre desenvolvimentistas e liberais ocorreu em praticamente todos os governos que antecederam o atual. No entanto, acreditava-se, no início do mandato de Bolsonaro, que ela seria mais tênue na atual gestão. Não por causa do perfil do presidente, mas sim porque o ministro da Economia conseguira levar adiante seu projeto de criação de uma superpasta. Os ministérios da Fazenda e do Planejamento, normalmente o ponto de atrito mais visível entre as duas alas, ficou sob o comando de um economista de inegável perfil liberal e histórico de defesa da responsabilidade fiscal.

A expectativa era que Guedes tivesse total respaldo do Palácio do Planalto. Afinal, durante a campanha, o então candidato Jair Bolsonaro se esquivava de perguntas sobre economia e sempre as remetia a Guedes. Deu a entender que assim agiria se “chegasse lá”, ao Palácio do Planalto.

Desde a posse, entretanto, viu-se uma reacomodação das forças internas do governo, com a ascensão da ala política e dos que defendem um peso maior do investimento público no chamado mix de políticas públicas capazes de induzir o crescimento econômico. E a proximidade das eleições parece ter aflorado os ânimos daqueles mais comprometidos com projetos políticos do que com a solidez fiscal de um Estado que há anos apresenta resultados negativos em suas contas.

O embate ganhou novas proporções quando o próprio Guedes reconheceu que havia uma “debandada” em sua equipe devido à insatisfação com a demora no avanço das privatizações e da reforma administrativa. O ministro foi além. Acusou os colegas que aconselham o presidente “a pular a cerca e furar teto” a levar Bolsonaro para uma sombria zona, onde há risco de se enfrentar um processo de impeachment por irresponsabilidade fiscal.

Exposta a fratura e diante da preocupação de empresários e investidores, restou ao presidente sair em defesa do ministro, fiador da política econômica e hoje um dos integrantes do alto escalão do governo capaz de afastar Bolsonaro de um estelionato eleitoral.

Primeiro, Bolsonaro convocou uma reunião com os presidentes das duas Casas do Poder Legislativo, líderes governistas, Guedes e ministros que demandam mais recursos para tocar projetos de infraestrutura. Em um pronunciamento após o encontro, fez uma defesa pouco animada do teto de gastos e da responsabilidade fiscal, declarações que foram encobertas cerca de 24 horas depois, em um desabafo feito na sua já tradicional transmissão ao vivo das quintas-feiras nas redes sociais.

O presidente reconheceu que houve uma discussão dentro do governo para romper o teto de gastos, inclusive a intenção de consultar o Tribunal de Contas da União (TCU) para fazê-lo. “Eu sempre falo que a economia é 99,9% com Paulo Guedes. Eu tenho que ter 0,1% de veto. O teto é o teto, certo? O piso sobe anualmente e cada vez mais tem menos recursos para fazer alguma coisa”, complementou.

Bolsonaro quantificou o apoio que ainda deposita, pelo menos em público, em seu ministro da Economia. Seria positivo que se esforçasse um pouco mais para reduzir qualquer dúvida sobre a permanência de Guedes.

Em relação ao teto de gastos, está claro que o instituto está sob ataque e o alto escalão do Executivo precisa ter clareza sobre a importância da única âncora fiscal de fato hoje no Brasil.

O governo já está com dificuldades para reduzir o tamanho do Estado, conforme prometeu Bolsonaro em sua campanha, e a pressão dos diversos ministérios por mais recursos tende a permanecer. Enquanto isso, as prioridades do país seguem sendo o combate à pandemia e seus funestos efeitos socioeconômicos, além da manutenção da atividade econômica sem que se coloque em risco a solvência do Brasil. O respeito ao teto de gastos dialoga bem com esses desafios.

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