- O Globo
A semana passou entre eventos polares para o presidente da República. Novos fios envolveram o novelo das suspeitas de corrupção em torno da família Bolsonaro. Os muitos cheques cruzando contas e os pagamentos em dinheiro vivo definem um método de lidar com as finanças que não resiste a qualquer auditoria. No final da semana tumultuada, Bolsonaro pôde comemorar uma melhora substancial na sua aprovação. Isso abrirá mais seus ouvidos para os que o aconselham a ampliar os gastos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, terminou a semana mais fraco.
Um dia depois de ter feito a cena do espelho d’água, Bolsonaro mostrou que suas palavras a favor do teto de gastos não refletiam a realidade. Repetiu o mesmo argumento que o levou a dizer em setembro passado que rever o teto era uma questão matemática. “O piso sobe anualmente.” Depois, passou a desfilar as razões pelas quais as despesas são todas meritórias. Disse que Tarcísio de Freitas, o ministro da Infraestrutura, tem pouco para investir em estradas. “A Defesa, a nossa Defesa, tem cinco projetos estratégicos”, afirmou sobre a pasta de Fernando Azevedo. E, agarrado ainda à profissão que exerceu por apenas 11 anos, disse que lhe perguntam: “Você é militar e esse ministério vai ser tratado dessa maneira?” Depois, defendeu “o nosso querido Marinho”, que também precisa de mais recursos. Um dos projetos, explicou, é água para o Nordeste. Dilma sustentava que despesa é vida e disse que ampliou gastos para pagar o Bolsa Família. Tudo naquela fala de quinta-feira de Bolsonaro lembrou um velho filme cujo final conhecemos. “Aí o Paulo Guedes diz: está sinalizando para a economia, o mercado, que está furando o teto, dando um jeitinho.”
Diante das conclusões de que ele estava falando em romper o teto, criticou a imprensa que não teria visto a parte principal da fala: “Paulo Guedes é 99,9% com ele, mas tem 0,1% de poder de veto”. Modesto. Seu poder de veto empurrou Joaquim Levy e Marcos Cintra para fora da equipe, engavetou a reforma administrativa, acabou com o programa de privatização, desnomeou o diretor de mercado de capitais do BNDES, incluiu vantagens para categorias protegidas na reforma feita para cortar vantagens. Bolsonaro usou bem os seus 0,1%. Com esse percentual mínimo desmontou o programa econômico da campanha.
Agora, embalado pela recuperação da popularidade, apesar de todos os absurdos que fez durante esta pandemia, Bolsonaro quer ampliar despesas. Falta a Paulo Guedes um programa claro para a superação da crise. Ele chegou ao governo sustentando que faria o que não fora feito em “40 anos de social-democracia”. O número não está correto, os governos não foram iguais, e fizeram muito, mas era assim que ele apresentava a história recente.
Gastar sempre foi da natureza do centrão, com o qual Bolsonaro se acasalou. E precisará desse cônjuge para se proteger das sombras que o cercam. A primeira ex-mulher comprou um apartamento com dinheiro vivo, a segunda ex-mulher também usou o numerário em mão como meio de pagamento na aquisição de imóveis, a atual recebeu quase R$ 90 mil em cheques depositados por Fabrício Queiroz. Outros cheques foram parar na conta da mulher de Flávio que, por sua vez, se enrola cada vez mais em pagamentos em espécie de imóveis e na contabilidade da sua loja de chocolates. A filha de Queiroz trabalhando no gabinete de Jair Bolsonaro também entregava o dinheiro ao pai, como todos os funcionários fantasmas de Flávio, inclusive a mãe e a ex-mulher do miliciano Adriano da Nóbrega. Essas histórias dos Bolsonaro têm dois pontos em comum: as transações não parecem normais, as explicações da família não respeitam a inteligência alheia. Qual versão ganha o campeonato de inverosimilhança? A de que os cheques foram para a conta de Michelle porque o presidente estava em Brasília, a de que ninguém sabia que Queiroz era hóspede de Frederick Wassef ou a daquele boleto pago por um amigo porque Flávio não queria sair da festa?
Num roteiro como esse não cabem ajustes amargos e reformas polêmicas. Por isso, é tão incerta a permanência de Paulo Guedes no governo. Ele já demonstrou que aceita as desfeitas que recebe de Bolsonaro com o argumento de que o presidente é que teve os votos das urnas. Guedes não entendeu que as equipes que venceram em momentos decisivos, de lutas entre grupos de interesses, foram as que tiveram a coragem de dizer não aos presidentes, ainda que fossem eles os detentores dos votos.
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