domingo, 16 de agosto de 2020

Vinicius Torres Freire – A morte e a sobrevida de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Oposição ficou consternada com o aumento da popularidade presidencial

Muita gente que se opõe a Jair Bolsonaro ficou consternada com o aumento da popularidade presidencial. Não deveria, não tanto, pois havia indícios do que veio, enfim, a ser confirmado pelo Datafolha. Não levou também em conta o fato de que o prestígio de presidentes eleitos não se esboroa facilmente ou pelos motivos desejados pelos oposicionistas.

Os números da pesquisa permitem especular de modo razoável que a melhora da avaliação de Bolsonaro parece se dever a três efeitos: descompressão, pobreza e fatalismo.

O efeito descompressão fica evidente no sentimento declarado de alívio. O Datafolha perguntou se, de forma geral, a situação do coronavírus no Brasil está melhorando ou está piorando. Em fins de maio, a situação melhorava na opinião de 28% e piorava para 65%.

No início deste agosto, melhorava para 46% e piorava para 43%, avaliação constante não importa a classe de renda ou nível de instrução. Nesse intervalo de tempo, o número oficial de mortos passou de 24 mil para 104 mil.

Nessas semanas, pagou-se muito auxílio emergencial, o comércio voltou ao nível de vendas anterior à calamidade, houve reabertura econômica, gente de volta às ruas e disseminou-se algum sentimento de fuga da prisão e de normalidade no desastre.

Quanto ao morticínio, pode ser revoltante, mas não desarrazoado, dizer que o número de vítimas talvez não abale a maioria de modo decisivo. Ou seja, 10 milhões ou 20 milhões choram pelos 100 mil parentes e amigos que se foram, levados pelo vírus. O país tem 212 milhões de habitantes e habituou-se a 80 mil mortes anuais no trânsito e por homicídio, por exemplo.

Pode parecer uma explicação de mentalidade bolsonariana. Mas este é um país que elegeu Bolsonaro faz menos de dois anos, tempo em que também foi possível conhecer muito bem as ideias de morte do presidente e talvez gostar delas.

O efeito pobreza é o agora mui sabido aumento do prestígio presidencial entre os mais pobres, salvos do desespero pelo auxílio votado pelo Congresso.

Em dezembro de 2019, o governo Bolsonaro era ótimo/bom para 30%; ruim/péssimo para 36%; agora em agosto, respectivamente 37% e 34%. Dos sete pontos extras na nota ótimo/bom, quase 90% vieram da melhoria da avaliação presidencial entre famílias que ganham menos de dois salários mínimos (cerca de 50% da amostra do Datafolha). Mesmo assim, ainda é o grupo de renda mais crítico de Bolsonaro.

O efeito pobreza vai perdurar? Depende do efeito gratidão depois que os auxílios forem terminados ou reduzidos, da retomada econômica e do compromisso que Bolsonaro terá com os mais pobres. Mas o auxílio mexeu com as entranhas políticas e socioeconômicas do país.

Há o efeito fatalismo. Para 22%, nada que o país fizesse evitaria as mais de 100 mil mortes. Outros 6% não sabem o que dizer a respeito. Então, um de cada quatro brasileiros não imagina que algo poderia ser feito para evitar o morticínio. Para outros 24%, fez-se o que era necessário. Mais da metade do país, pois, é em alguma medida fatalista ou assim ficou, entorpecida talvez pela devastação também psicológica causada pela epidemia.

Para arrematar, note-se que o comportamento público de Bolsonaro e seu governo mudaram. O presidente produz menos notícias negativas sobre si mesmo e reorientou sua campanha eleitoral permanente.

Talvez ele e seu governo tenham aprendido alguma coisa, o que não foi o caso da oposição, que ainda quase nada sabe ou quer saber dos motivos de quem vota em Bolsonaro.

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