- Folha de S. Paulo
Políticos fizeram da miséria da segurança pública fonte inesgotável de votos
O afastamento de Wilson Witzel do governo do Rio de Janeiro não chega a surpreender, uma vez que conspirou, desde o primeiro dia de seu mandato, contra os princípios mais elementares do Estado de direito. Lamento, no entanto, que a intervenção judicial não tenha sido decorrência da postura miliciana assumida pelo ex-juiz e agora governador. Difícil esquecer a imagem do helicóptero do governador metralhando uma tenda de orações, nos arredores de Angra dos Reis, sob o pretexto de “dar fim à bandidagem”. Seria pedagógico que além da corrupção, a violação sistemática de direitos humanos também passasse a ser vista como um obstáculo ao exercício do poder no Brasil.
Witzel é apenas mais um oportunista numa cepa de políticos que fizeram da miséria da segurança pública uma fonte inesgotável de votos, do qual Bolsonaro é o prócer. Desinteressados na reforma das políticas criminais, modernização do sistema de Justiça e na profissionalização das forças policiais, exploram o medo da população, vendendo a ilusão de que com o aumento do arbítrio do Estado e impunidade de seus agentes, além do encarceramento em massa, a questão da segurança estará resolvida.
Os mais de 1 milhão de mortos por homicídio nos últimos 30 anos são a expressão mais cabal de que a prevalência de uma política repressiva e arbitrária de segurança é absolutamente ineficaz para assegurar o direito à vida e à paz da população.
Na contramão dessa espiral autoritária, que vem agravando a violência e a violação de direitos das populações vulneráveis no Brasil, o Supremo Tribunal Federal proferiu duas relevantes decisões.
Na ADPF 635, a maioria dos ministros do STF, sob a liderança do ministro Edson Fachin, não apenas proibiu a realização de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a epidemia de Covid-19, salvo em situações excepcionais e devidamente justificadas, como reconheceu que o Estado brasileiro tem empregado a violência letal de forma sistêmica e desproporcional, citando inclusive a condenação do Brasil no sistema Interamericano de Direitos Humanos, além do desrespeito aos Princípios Básicos das Nações Unidas para o Uso da Força.
Como salienta o advogado Gabriel Sampaio, da Conectas Direitos Humanos, desde a concessão da cautelar houve uma redução de 72% no número de mortos pôr intervenção de agentes do Estado e uma queda de 19% nos homicídios, no Rio de Janeiro. Isso demonstra a insensatez e ineficácia dessas operações.
O ministro Edson Fachin também foi relator de um habeas corpus coletivo interposto pela Defensoria Pública do Espírito Santo, em que por unanimidade os ministros da Segunda Turma do STF determinaram que as “unidades de execução de medidas sócio educativas de adolescentes não ultrapassem a capacidade projetada”, impedindo assim a superlotação dos estabelecimentos, que não apenas viola direitos dos internos, como contribui para o aumento do potencial criminoso dos egressos e o fortalecimento do crime organizado. O próximo passo deverá ser ampliação dessa decisão para o sistema prisional de adultos, também declarado inconstitucional.
Essas decisões do STF estabelecem o imperativo de compatibilizar políticas de segurança com pleno respeito a direitos. Caso os setores liberais e progressistas de nosso espectro político não sejam capazes de formular políticas responsáveis e consequentes de justiça e segurança, a indústria da violência continuará beneficiando políticos populistas e oportunistas, para a alegria da bandidagem.
*Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
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