sábado, 29 de agosto de 2020

O SUS sob pressão – Editorial | O Estado de S. Paulo

A pandemia não acabou. Aos casos urgentes se somarão os eletivos. E o Sistema Único de Saúde, mais do que nunca, precisa ser cuidado

Já está mais do que demonstrado que hoje a Nação poderia estar pranteando a morte de muito mais vítimas do novo coronavírus, não fosse o inestimável serviço prestado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no socorro aos desvalidos. Em condições normais, 7 em cada 10 brasileiros só têm o SUS como guarida quando precisam de atendimento médico, desde os cuidados mais básicos até procedimentos de alta complexidade. A eclosão de uma emergência sanitária da magnitude da pandemia de covid-19 aumentou ainda mais a pressão sobre um sistema público de saúde que há décadas já vem operando no limite de sua capacidade técnica e financeira.

Embora as recentes estatísticas da pandemia no Brasil indiquem o que pode ser o início de um processo de queda consistente do número de infecções e mortes, um refrigério mais do que bem-vindo depois de tanto sofrimento, a propagação do novo coronavírus continua bastante ativa no País e o SUS segue pressionado por uma doença que ainda mata cerca de mil de nossos concidadãos a cada dia. Já se contam mais de 118 mil vidas perdidas para a covid-19 e o Brasil ultrapassou os Estados Unidos no ranking de mortes por 100 mil habitantes - 55,05 a 54,18, respectivamente, de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins.

Não refeito dessa onda de pressão, o SUS está prestes a enfrentar uma outra. Mais cedo do que tarde, ela virá do aumento da demanda ocasionado pela inclusão de novos usuários no sistema e pela retomada dos atendimentos eletivos que foram sobrestados nos meses mais duros da pandemia.

O aumento do número de brasileiros que passarão a recorrer ao SUS quando precisarem de atendimento médico ocorrerá, basicamente, por duas razões. A primeira é a crise econômica que tem levado um número cada vez maior de famílias a deixar de pagar por um plano de saúde particular. O quadro foi agravado pela pandemia, mas convém lembrar que antes mesmo de o primeiro caso de covid-19 ter sido confirmado no Brasil já se observava um declínio no número de usuários de planos de saúde particulares e um aumento dos atendimentos prestados pelo SUS. O Brasil não era um oásis de prosperidade antes da chegada do vírus.

A segunda razão é o Projeto de Lei (PL) 3.887/2020, a primeira parte da reforma tributária que o governo federal enviou recentemente ao Congresso. Como se sabe, o projeto extingue o PIS e a Cofins e cria a Contribuição Social Sobre Bens e Serviços (CBS). Na prática, significa o aumento de taxas específicas de 3,65% para 12%. Sobre os planos e seguros de saúde incidirá uma alíquota especial de CBS, de 5,9%. Mas sobre hospitais e laboratórios incidirá a alíquota-padrão, de 12%. O Conselho Nacional de Saúde (CNS) calcula que isso terá um impacto de R$ 4,6 bilhões na redução da demanda das famílias por atendimento médico particular, o que equivale a cerca de 500 mil planos individuais a menos. Esse enorme contingente passará a se socorrer do SUS, pressionando o sistema.

Como observa o CNS em seu estudo, é usual que as empresas que prestam serviços de saúde tenham tratamento diferenciado na tributação sobre consumo. O governo federal poderia ter sido mais cauteloso ao formular sua proposta de reforma tributária, levando em consideração particularidades como o impacto da reforma sobre o sistema público de saúde. Agora é hora de aprofundar o debate no Congresso e estudar a melhor forma de tributar as empresas do setor de saúde, não deixando de olhar para o sistema público.

A demanda pelo SUS também aumentará em função da retomada dos procedimentos eletivos suspensos em decorrência da pandemia. Estima-se que entre os meses de março e julho cerca de 390 mil cirurgias e exames complexos deixaram de ser realizados por conta do socorro de urgência prestado aos infectados pelo novo coronavírus. A pandemia não acabou. Aos casos urgentes se somarão os eletivos. E o SUS, mais do que nunca, precisa ser cuidado.

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