O problema não é em que bolso ficam guardadas as promissórias, mas o tamanho e o perfil da dívida
O impeachment de Dilma Rousseff popularizou a expressão “pedalada fiscal" para caracterizar as manobras contábeis que inflam o caixa do Tesouro e, por tabela, permitem ampliar os gastos públicos sem lastro. Na semana passada, o Tribunal de Contas da União (TCU) voltou a apontar o “risco de pedalada" na transferência ao Tesouro de lucros obtidos, graças à desvalorização do real, com as reservas em moeda estrangeira.
Depois de analisar a questão, o Conselho Monetário Nacional (CMN) acabou por autorizar a transferência de quase R$ 350 bilhões do BC ao Tesouro (R$ 325 bilhões de resultados cambiais). O CMN avaliou que, como estipulado na lei que regula esse tipo de transação, vivemos uma situação excepcional de restrição de liquidez — e reiterou que o dinheiro só poderá ser usado para abater dívidas. É a decisão correta.
Nem tudo o que parece pedalada é pedalada. Do ponto de vista contábil, trata-se de operação simétrica à que ocorreria caso houvesse valorização do real, e o Tesouro tivesse de emitir títulos da dívida e cedê-los ao BC para equilibrar seu balanço. Nos dois casos, a transferência não interfere na necessidade ou na capacidade de endividamento do governo. O problema não é o bolso em que ficam guardadas as notas promissórias — do Tesouro ou do BC. É o tamanho e o perfil da dívida.
A pandemia deverá elevá-la para 96% do PIB. Em 12 meses, o vencimento médio caiu de 4 para 3,7 anos. Quanto mais apertado esse prazo, maior a desconfiança no mercado de que o governo terá como honrar compromissos, com a já frágil situação fiscal agravada pelo choque pandêmico.
Investidores, desconfiados, passam a cobrar mais caro para aceitar financiar o governo. Quando o país recobrar a estabilidade, é difícil acreditar que será possível rolar a dívida só pagando juros mais altos (é o que já sinalizam as projeções de juros futuros). A única saída será conter a expansão dos gastos. Melhor já ir pensando nisso desde já...
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