sábado, 29 de agosto de 2020

É preciso estancar corrupção que tomou conta do estado – Editorial | O Globo

Independentemente da responsabilidade pessoal de Witzel pelo escândalo na saúde, o governo se tornou insustentável

O afastamento do governador Wilson Witzel (PSC), por ordem do ministro Benedito Gonçalves, do STJ, é o desfecho previsível para um governo que há meses vem se debatendo num mar de denúncias de corrupção. O Ministério Público estadual e a Procuradoria-Geral da República investigam fraudes em contratos emergenciais, sem licitação, para combater a pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 15 mil pessoas no estado. Enquanto gente morria sem atendimento, recursos públicos eram saqueados por uma organização criminosa instalada dentro do governo.

A casa começou a cair em 7 de maio, quando a Operação Mercadores do Caos prendeu o ex-subsecretário de Saúde Gustavo Borges e seu substituto, Gabriell Neves, além de representantes de empresas de saúde. Depois foram encarcerados o superintendente de Orçamento e Finanças, Carlos Frederico Duboc, e o ex-secretário de Saúde Edmar Santos (libertado no início deste mês pelo STJ).

O grupo é acusado de desviar recursos de contratos para a compra de respiradores. O próprio Witzel foi alvo da Operação Placebo, da PF, que cumpriu mandados de busca e apreensão no Palácio das Laranjeiras em 26 de maio. Na ocasião, ele se disse vítima de perseguição política. Para a PGR, há evidências que colocam o governador “no vértice da pirâmide” de um esquema fraudulento. Segundo as investigações, Witzel intermediou contrato da primeira-dama, Helena Witzel, com empresário favorecido no esquema.

Embora o envolvimento pessoal do governador ainda careça de comprovação mais sólida, o escândalo na saúde tornou o governo insustentável. Em 10 de junho, a Assembleia Legislativa aprovou por unanimidade a abertura de um processo de impeachment contra Witzel por improbidade administrativa. O governador obteve uma liminar do ministro Dias Toffoli, do Supremo, suspendendo a tramitação do processo por irregularidades na formação da comissão. A decisão só serviu para adiar um desfecho a esta altura inexorável.


Independentemente de Witzel ter ou não responsabilidade no esquema, seu governo se transformou num foco de malfeitos. Contratos da saúde estão sob investigação por suspeita de fraudes, entre eles o da construção dos hospitais de campanha — alguns dos quais nem chegaram a funcionar. Em fins de junho, o então secretário de Saúde, Fernando Ferry, substituto de Edmar Santos, deixou o cargo dizendo que o poço era mais fundo do que pensava. “Não vou sujar meu CPF”, afirmou.

A ruína parece bem maior. O vice-governador, Cláudio Castro, e o deputado André Ceciliano (PT), presidente da Alerj — onde tramita o processo de impeachment — foram alvo de mandados de busca e apreensão. E o pastor Everaldo, presidente nacional do PSC, partido de Witzel, foi detido.

Já foram presos cinco governadores e ex-governadores do Rio, estado que parece enredado numa infindável teia de corrupção. O ex-juiz Witzel chegou ao Palácio Guanabara em 2019, numa ascensão meteórica, ironicamente catapultada pelas bandeiras do combate aos corruptos e de um insólito enfrentamento da violência, pregando execuções sumárias sem amparo na lei (o “tiro na cabecinha").

Sua ascensão foi turbinada pelo apoio da família Bolsonaro, mas os aliados se tornaram desafetos quando Witzel ensaiou uma candidatura à Presidência. O afastamento é importante para que os fatos sejam apurados com isenção e rigor. Seu substituto terá muito o que fazer. Precisará cuidar do combate à pandemia, da disputa sangrenta entre facções do narcotráfico e tocar a intrincada renovação do Regime de Recuperação Fiscal. Para fazer tudo isso, é urgente livrar o estado do estigma da corrupção que, governo após governo, vai matando o Rio aos poucos.

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