Reforma
tributária não vai sair se todos não cederem
Se
acreditassem em Papai Noel, certamente a maioria dos empresários brasileiros
desejaria o fim da pandemia e uma reforma tributária em 2021.
Enquanto
escrevo este texto, às 16:39h de domingo (20/12), o Impostômetro calculado pela
Associação Comercial de São Paulo indicava 1,987 trilhão de reais em tributos
pagos neste ano - o que indica que provavelmente ao longo desta semana
ultrapassaremos a marca de R$ 2 trilhões arrecadados pelos governos de todos os
brasileiros. Trata-se de apenas um de vários indicadores de nossas distorções
neste campo.
Pode-se
criticar a metodologia de rankings de ambiente de negócios como o Doing
Business, do Banco Mundial, ou o índice de competitividade do Fórum Econômico
Mundial, mas ninguém discorda que o Brasil seja um dos países que demanda mais
tempo e recursos humanos para o cumprimento de todas as exigências tributárias
da União, 27 Estados e mais de 5 mil municípios.
Essa complexidade traz consigo uma alta litigiosidade, que congestiona o nosso Judiciário. De acordo com o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, apenas no ano de 2019 foram iniciados 5.168.177 novos processos envolvendo impostos, taxas e contribuições - um número que dá a medida da insegurança jurídica no país gerada pelo nosso sistema tributário.
Estimativas
de especialistas indicam que em torno de 66% do PIB é alvo do contencioso
tributário em nível administrativo (no âmbito das receitas dos três níveis
federativos e conselhos de contribuintes) e judicial. São dois terços da
produção anual do país que ficam empoçados enquanto não se decide se devem
entrar nos cofres do governo ou serem liberados para investimento das empresas.
Qualquer
pesquisa que se realize com empresários aponta uma concordância quase unânime
de que é necessário reformar todo o sistema, buscando sua simplificação,
desburocratização e aumento da competitividade e da transparência - além da
redução da carga tributária, é claro.
O
problema é que na cartinha para Papai Noel ou nos desejos de Ano Novo do
empresariado brasileiro sobram pedidos e faltam compromissos.
Desde
19 de fevereiro uma Comissão Mista do Congresso Nacional discute as propostas
na mesa: a PEC nº 45/2019 (“proposta Appy”), a PEC nº 110/2019 (baseada no
trabalho do ex-deputado Luiz Carlos Hauly) e o PL nº 3.887/2020, encaminhado
pelo ministro da Economia Paulo Guedes.
Ao
longo dos últimos meses dezenas de audiências públicas foram realizadas e, a se
contar pelas manifestações dos representantes dos principais setores da
economia, os consensos se resumem aos seus objetivos gerais. Quando se desce às
medidas concretas, é cada um por si e o diabo (que mora nos detalhes) por
todos.
Todos
querem simplificação de impostos, mas quando se trata de unificar as alíquotas,
querem tratamento especial. A Confederação Nacional do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo (CNC), por exemplo, defende alíquotas diferenciadas por
atividades e produtos, assim como a manutenção do sistema cumulativo como
opcional para empresas que trabalham com lucro presumido e prestadoras de
serviços. Ora, se for assim, é claro que nosso carnaval tributário vai
continuar.
A
Confederação Nacional dos Transportes (CNT) pretende fazer rabanadas sem
quebrar ovos. No documento “Pilares para a Reforma Tributária”, ele exige que a
reforma tributária não apenas mantenha a carga tributária global da economia,
como também se comprometa a não elevá-la em nível setorial. Na sua lista de
presentes para o bom velhinho há o abatimento de seus gastos com insumos e
folha salarial no valor imposto agregado devido, mas tratamento diferenciado na
tributação dos negócios em transportes e infraestrutura. Impostos seletivos? Só
se forem para não onerar as transportadoras - um dos setores mais poluidores de
nossa matriz econômica.
Ideais
de justiça e igualdade são valorizados nas mensagens de final de ano, mas
quando se trata de reformar o sistema, meu interesse vem primeiro. Em carta
aberta enviada ao relator da Comissão de Reforma Tributária, deputado Aguinaldo
Ribeiro (PP-PB), 45 associações de produtores rurais listaram os pleitos do
agronegócio brasileiro. Entre elas, a manutenção da desoneração da cesta
básica, a imposição de alíquota zero para os insumos agropecuários, tratamento
especial para as cooperativas e exclusão dos produtores rurais inscritos como
pessoa física.
As
entidades filantrópicas, por sua vez, querem continuar a fazer o bem com o
chapéu alheio. Um grupo de onze organizações representativas de entidades
religiosas, de educação e saúde que se beneficiam de isenções fiscais lançou um
manifesto contra a “taxação da solidariedade”. As intenções são as melhores
possíveis, mas nenhuma palavra se vê sobre a necessidade de se separar o joio
do trigo e dar o tratamento correto a atividades lucrativas travestidas de
assistencialismo.
Numa
velha tirinha do cartunista Bill Watterson, o garoto Calvin, de 6 anos, se
pergunta como o Papai Noel consegue pagar os duendes e os brinquedos que ele
distribui. Seu tigre de estimação, Haroldo, arrisca uma responda:
endividando-se. O lobby em prol da desoneração da folha de pagamentos, que une
setores tão díspares quanto a construção civil e a indústria de tecnologia da
informação e o varejo, recebeu seu presente de Natal antecipado em novembro. “O
problema é que, mais cedo ou mais tarde, a farra acaba e aí como é que eu
fico?”, pergunta Calvin diante da perspectiva de ficar sem presentes no futuro.
Para
terminar este texto pré-natalino com um pouco de poesia, fica a dica de
Drummond para o empresariado brasileiro (e para cada um de nós): “Para ganhar
um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de
fazê-lo novo. Eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É
dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre”.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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