O
controle da pandemia abrirá condições para promover as mudanças no
funcionamento da nossa economia
Certamente
2020 entrará para a história como um dos anos mais difíceis vividos pela
humanidade com o aparecimento de um vírus mortal que colocou em cheque parte do
conhecimento acumulado nas últimas décadas. Este seu status deriva não apenas
do número de mortes causadas pela covid-19 em todo o mundo, mas também por
mudanças importantes do protocolo de funcionamento das economias nacionais. A
chamada globalização, que era considerada o modelo mais eficiente para a
economia mundial, terá que ser repensada em função dos riscos que a ultra
mobilidade entre os mercados nacionais revelou agora.
Mas, nesta última coluna do ano, prefiro restringir minhas reflexões na evolução da economia brasileira neste período e, principalmente, o que esperar para 2021. A partir do momento em que foi possível entender a natureza da crise econômica provocada pela covid procurei centrar minha atenção nos seus aspectos estruturais de mais longo prazo, deixando a conjuntura para outros profissionais. Aprendi, ao longo da carreira profissional, que em momentos de crise grave é esta postura a mais adequada para fugir das armadilhas e ruídos do curto prazo. Relendo minhas colunas deste ano foi possível fazer uma linha do tempo da evolução de meu entendimento do que iríamos enfrentar.
Assim,
propus na coluna de abril “Olhar com otimismo para 2021” em função das decisões
tomadas rapidamente por governos e bancos centrais para enfrentar o pânico que
atingiu investidores e instituições financeiras no mundo todo. A lição de 2008
foi aprendida e, desta vez, as ações previstas foram rapidamente aplicadas, e
mesmo expandidas por outras medidas ainda mais heterodoxas. Em pouco tempo
construía-se um protocolo de natureza keynesiana para enfrentar a recessão que
se seguiria. O mesmo ocorreu aqui no Brasil, com um dos mais exitosos e
eficientes entre os que foram acionados por países emergentes e mesmo os
desenvolvidos.
Já
em 15 de junho na coluna “Um segundo pacote fiscal“ ponderei que seria
necessário a definição de um segundo pacote de estímulos fiscais de cunho
keynesiano para fortalecer a recuperação da atividade econômica na parte final
de 2020 e principalmente durante 2021. Mesmo no Brasil, com todas as
dificuldades de lidar ainda com a fase de estabilização da pandemia, o governo
Bolsonaro e o Congresso precisavam iniciar um debate sobre a questão de novos
estímulos para enfrentar 2021. Esta questão continua presente mesmo depois que
a recuperação mais rápida da economia em 2020 tenha ocorrido, reduzindo o
escopo das medidas a serem tomadas.
Em
julho, meu otimismo sobre o futuro estava descrito na coluna “A destruição
criativa no pós pandemia”. Citei as ideias do economista Joseph Schumpeter em
seu livro, “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, quando definiu o termo
“destruição criativa” como um impulso fundamental para o motor do
desenvolvimento econômico no mundo capitalista via inovações tecnológicas e de
gestão das empresas”.
Em
outras palavras, Schumpeter queria dizer que o sistema capitalista não acaba
porque sempre se reinventa. Mas, para entender é preciso ter vivido algumas das
crises que já ocorreram e ter sobrevivido a elas.
Hoje
temos uma visão mais clara do que significa a expressão “destruição criativa”
na crise atual com reflexões de vários analistas sobre o “boom” econômico que pode
acontecer em função do choque positivo que terá a implantação de novas
tecnologias a partir de 2021. Cito aqui artigo recente de Martin Wolf do
Financial Times no qual aponta que a covid-19 acelerou o mundo rumo ao futuro.
Este movimento será liderado por duas forças principais que já estavam em ação,
mas que se intensificaram durante a pandemia: tecnologia e desglobalização,
Na
coluna de novembro “O vírus contra-ataca” consolidei minha visão de que “a
volta da atividade econômica no Brasil foi conseguida principalmente em função
de uma expansão vigorosa - e eficiente - dos gastos do governo em um momento em
que a arrecadação corrente de tributos era reduzida pela recessão. Portanto era
natural - e necessário - que seu déficit fiscal tivesse um grande aumento no
período mais agudo da crise. Somente com o retorno do crescimento econômico
sustentado a partir de 2022 é que o governo poderá buscar uma situação
orçamentária de superávits primários que estabilize a curva da dívida pública
no futuro.
O
objetivo destas minhas reflexões era o de enfrentar os argumentos dos
economistas mais ortodoxos que pediam quase histericamente movimentos radicais
para reduzir os déficits fiscais do setor público. Implícito nestas mensagens
estavam as ameaças de um chamado “abismo fiscal” eminente e o colapso da
rolagem da dívida pública. Hoje com a calma de volta aos leilões dos títulos
públicos pela ação eficiente do Tesouro e Banco Central podemos esperar a volta
do crescimento econômico para definir uma ação mais estruturada de medidas
fiscais de controle da expansão dos gastos públicos.
Finalmente,
agora com a definição pelo governo de um programa de vacinação racional e sem
os preconceitos anteriores, temos a certeza de que o controle da pandemia
abrirá condições para olharmos para a frente, cuidar das feridas da batalha e
promover as mudanças no protocolo de funcionamento da nossa economia. Isto em
um mundo que deve entrar em um período de crescimento mais forte puxado pela
China e outros países da Ásia e as maiores economias ocidentais.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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