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Folha de S. Paulo
Com
a vacinação, Bolsonaro será o principal beneficiário do crédito político
A
combinação de segunda onda e a descoberta da vacina inauguram uma nova fase no
jogo da responsabilização na crise sanitária. Na primeira onda tivemos 27
pandemias, como
enfatizei aqui. Na onda atual a pandemia nacionalizou-se e se espalhou
por todo o território. E mais importante: a política da vacina federalizou-se.
Na primeira onda, o padrão da pandemia caracterizou-se pela difusão temporal
desigual em alguns poucos estados e capitais, o que gerou um processo emulativo
nas respostas subnacionais à crise. A principal consequência deste processo foi
a gradativa desresponsabilização do governo federal.
Nos meses iniciais da pandemia a estratégia de Bolsonaro de deslocamento dos
custos políticos da crise sanitária era clara: buscava transferi-los para
as esferas subnacionais de
governo. O pressuposto era que a crise era tóxica tanto pelos seus aspectos
sanitários quanto econômicos. O caráter descentralizado de gestão do SUS
facilitava a transferência de responsabilidade; esperava-se que inexoravelmente
governadores e prefeitos arcariam com o custos políticos envolvidos. E isso
também valeria para ações envolvendo quarentena e lockdowns.
O
pouco caso que Bolsonaro fez com a pandemia escondia, na realidade, pânico
quanto a uma recessão avassaladora, o qual levou a um pacote de estímulo fiscal
cujo valor foi mais que o dobro dos países da mesma faixa de renda. O padrão
foi estabelecido por Trump, sua resposta fiscal é vista pelos analistas
econômicos como um um overkill (resposta excessiva no jargão econômico ).
Para além da nacionalização da responsabilidade, há algo novo na dinâmica
política nesta segunda fase da pandemia: o retorno do sentimento de esforço
coletivo em situação de emergência (conhecido como rally round the flag no
debate internacional) e que marcou a pandemia nos vários países sobretudo nos
seus momentos iniciais.
No Brasil, este sentimento foi se diluindo na medida em que instaurou o
processo emulativo acima, mas se intensifica agora na mobilização em torno da
vacina. Seus efeitos positivos irão mitigar para Bolsonaro a travessia do
deserto em 2021, que terá custos sociais pesados na medida em que o auxílio
emergencial será descontinuado.
Os eleitores irão puni-lo pela falta de planejamento para a emergência? Segundo
o conhecimento acumulado da ciência politica em
torno do assunto, a resposta é não. Os eleitores são míopes: premiam o gasto
para mitigar os danos decorrentes de calamidades mas não as ações de prevenção
e preparação. A nacionalização da vacinação federaliza o crédito político, como
ocorreu com o auxílio. Ainda assim Bolsonaro será punido pelo conjunto da obra.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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