Aliança multipartidária é reação correta à escalada autoritária bolsonarista
Os partidos de esquerda estão
de parabéns por terem decidido apoiar o grupo de Rodrigo Maia na
eleição para presidente da Câmara dos Deputados. A aliança recebeu o nome de
União da Democracia e da Liberdade.
A
esquerda brasileira tem diferenças legítimas com o centro e a direita. Os últimos cinco anos, em
especial, causaram feridas profundas, que vão exigir tempo e
diálogo para cicatrizar.
Mas
a esquerda não é mais o PT dos anos 1980, uma voz de protesto sem acesso ao
poder. Depois de 13 anos na Presidência, a esquerda é um dos pilares da
democracia brasileira, uma das forças responsáveis por sua preservação.
Tem
grandes partidos, grandes lideranças, um legado —do SUS ao Bolsa Família,
passando pelos direitos LGBT e pelas cotas para negros e negras nas
universidades, da preservação da Amazônia aos sucessos educacionais de Ceará e
Pernambuco.
A
esquerda é grande o suficiente para fazer diferença na hora
de recolocar a democracia de pé. É do interesse dos
trabalhadores que ela seja recolocada de pé.
E o outro cara é o Jair.
O Jair é o Brasil sem vacina,
com 180 mil famílias brasileiras de luto. É o risco permanente de golpe,
é a guerra contra a liberdade, é o ódio às mulheres, aos negros e aos LGBT, é o
elogio a Ustra no dia do impeachment, é o palhaço da Fundação Palmares
ofendendo Zumbi, Marina e Benedita, é o cara que demitiu dois ministros da
Saúde durante a pandemia, que desmoralizou os militares, que fez do Brasil um
pária entre as nações.
As
diferenças programáticas entre os membros da aliança continuam existindo, mas
atenção: deixar Bolsonaro vencer no Congresso não trancará as pautas econômicas
liberais, mas destrancará as autoritárias.
A
aliança é a reação correta à escalada autoritária bolsonarista, ao contrário da manobra desastrada para
permitir a reeleição de Maia e Alcolumbre, felizmente derrotada.
Nos
dois casos, a preocupação era a mesma: a certeza generalizada de que Jair é
golpista. A turma pode fingir que não, mas todo mundo viu Bolsonaro
tentando o autogolpe em 2020. Mesmo assim, driblar a
Constituição teria sido fazer o jogo de Bolsonaro.
Reunir
os democratas, por outro lado, é injetar na democracia brasileira a marra de
que ela anda precisando.
Resta
saber o que os bolsonaristas vão fazer diante da nova frente. A única certeza é
que, seja o que for que fizerem, vai ser sujo. Nos próximos meses, o Orçamento público será
para o centrão como água benta da porta da igreja: quem for chegando, vai
passando a mão.
Bolsonaro
também deve ressuscitar a retórica do “eu contra o sistema” para reagir à união
dos democratas. Era mais fácil quando não era “eu e o centrão contra o
sistema”, mas talvez alguém acredite.
Também
deve atacar a turma do Maia por se aliar à esquerda, deve chamar todos os
homens de pedófilos, todas as mulheres de putas, aquele stand up que
bolsonarista faz em vez de comprar vacina.
A
aliança formada para a eleição da Câmara será permanente? Não. Tem chances de se
converter em aliança eleitoral em primeiro turno em 2022? Não.
Isso importa? Não. A luta programática continuará daí em diante, cada um do seu
lado, democraticamente.
Por
outro lado, a aliança aumenta a probabilidade de Bolsonaro perder a eleição no
segundo turno em 2022? Sim. Repita esse “sim” em voz alta para você ver que
beleza, que coisa linda.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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