O Estado de S. Paulo
No Brasil, grupos que pensam de forma
distinta não conseguem marchar juntos
Os que não votaram em Jair Bolsonaro estão
nas ruas pedindo impeachment desde 29 de maio, data da primeira manifestação
organizada por movimentos de esquerda. No sábado, dia 3, veio a adesão de
militantes do PSDB – que, numa cena lamentável, foram agredidos por integrantes
do Partido da Causa Operária, o PCO. Os tucanos não se intimidaram e prometem
comparecer em maior número à próxima manifestação.
Os que votaram em Jair Bolsonaro – mas que, nas palavras do deputado Kim Kataguiri, formam o bloco dos “traídos” – marcaram protestos para o dia 12 de setembro. As manifestações reunirão movimentos como o MBL e o Vem Pra Rua e devem contar com a presença de vários integrantes do Partido Novo. A sigla de João Amoêdo aderiu oficialmente ao impeachment na segunda-feira, dia 5.
Todas essas forças à direita e à esquerda
abraçaram uma tarefa dificílima: convencer o presidente da Câmara, Arthur Lira, a abrir um
processo de impeachment contra seu aliado Jair Bolsonaro. O que pode levar o
Congresso a ouvir a voz das ruas?
Um olhar para além da Cordilheira dos Andes
traz algumas pistas. No domingo, dia 4, os chilenos instalaram uma assembleia
constituinte que redefinirá o pacto social do país. “Essa constituinte só foi
possível devido à pressão dos protestos”, diz o cientista político chileno
Adrián Albala, professor da Universidade de Brasília. Ele é o personagem do
minipodcast da semana.
O Chile é um caso de estudo na América
Latina. É um campeão de crescimento econômico na redemocratização. Segundo
estimativas do FMI, citadas em artigo pelo economista Samuel Pessoa, o PIB do
Chile irá se expandir 182% entre 1990 e 2022, contra 69% na Argentina e 44% no
Brasil. Com esse desempenho, o Chile reduziu a pobreza extrema a níveis abaixo
de 5%, embora a desigualdade permaneça alta – maior do que a de Argentina e
Uruguai, sem chegar ao nível do Brasil.
Os chilenos vêm ocupando as ruas desde 2006
com duas reivindicações recorrentes. A primeira era tornar o sistema eleitoral
mais justo – regras herdadas da ditadura de Augusto Pinochet impediam que o
parlamento refletisse os pleitos de forma acurada. Reforma constitucional em
2015 atacou o problema. A segunda é a criação de um Estado de bem-estar social.
Os chilenos querem se aproximar dos modelos “europeus” de Brasil e Argentina.
“Ser pobre no Chile é, muitas vezes, pior
do que ser pobre no Brasil”, diz Albala. “No Chile não há nada parecido com um
SUS, e a previdência não garante uma velhice digna aos cidadãos vulneráveis.”
Tais reivindicações uniram diversos setores da sociedade chilena nos protestos
de outubro de 2019. O uso de violência contra os manifestantes ajudou a
cimentar a solidariedade entre grupos com pensamentos diferentes. As ruas
ficaram cheias.
Reivindicações claras, ruas cheias e união
de diversos setores parecem ser os fatores de sucesso dos protestos no Chile.
No Brasil, esquerdas e parte das direitas convergem na reivindicação: o
impeachment de um presidente cuja rejeição aumenta a cada dia. É difícil, no
entanto, que as ruas fiquem cheias como no Chile. Há uma pandemia em curso. E,
no Brasil, aparentemente, grupos que pensam de forma distinta não conseguem
marchar juntos.
O Congresso, no entanto, é um espelho da
sociedade. Parlamentares se comovem com uma causa quando ela é abraçada por
seus eleitores potenciais. Talvez não importe se marcham juntos ou separados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário