Barroso falou em crime de responsabilidade; já Pacheco chamou de inimigo da nação aquele que busca o retrocesso democrático
Danielle Brant, Washington Luiz, Matheus Teixeira, Ricardo Della Coletta / Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Os presidentes do
Senado, Rodrigo
Pacheco (DEM-MG), e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Luís
Roberto Barroso, reagiram às recentes ameaças golpistas do presidente Jair
Bolsonaro ao processo eleitoral e democrático do país.
Ambos se manifestaram horas após Bolsonaro
ter afirmado, sem apresentar nenhuma prova, que a
fraude eleitoral está no TSE, além de ter atacado Barroso, a quem
chamou de "idiota" e "imbecil". Um dia antes, Bolsonaro já
havia colocado em xeque a realização das eleições de 2022.
Bolsonaro tem feito repetidas ameaças
contra as eleições, numa radicalização de discurso que coincide com pesquisas
que apontam o aumento
de sua reprovação e o favoritismo
do ex-presidente Lula (PT) no pleito de 2022.
Em entrevista, Pacheco subiu o tom e
afirmou que não aceitará retrocessos à democracia do país, em resposta também
às manifestações
de militares sobre a CPI da Covid.
Dois dias atrás, o ministro da Defesa,
Braga Netto, e os comandantes das Forças Armadas divulgaram uma nota na qual
repudiavam declarações feitas pelo presidente da CPI, senador Omar Aziz
(PSD-AM), sobre os militares sob investigação e na mira da comissão.
“Nós não podemos admitir qualquer tipo de
fala, de ato, de menção que seja atentatória à democracia ou que estabeleça um
retrocesso naquilo que, repito, a geração antes da minha conquistou e que é
nossa obrigação manter, que é a democracia no nosso país”, afirmou o presidente
do Senado.
“Todo
aquele que pretender algum retrocesso ao estado democrático de direito esteja
certo que será apontado pelo povo brasileiro e pela história como inimigo da
nação e como alguém privado de algo muito importante para os brasileiros e para
o Brasil, que é o patriotismo, neste momento que nós precisamos de união, de
pacificação, de busca de consenso.”
Já Barroso afirmou em nota que qualquer
tentativa de impedir a realização de eleições em 2022 “configura crime de
responsabilidade”. “Qualquer atuação no sentido de impedir a sua ocorrência
viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade.”
O magistrado classificou as afirmações do
presidente como “lamentáveis”, afirmou que Bolsonaro foi instado a apresentar
as provas de fraudes que diz ter sobre as eleições e que nada apresentou. Acrescentou
que a realização de eleições “é pressuposto do regime democrático”.
Barroso citou ainda que também os ministros
do STF Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Rosa Weber presidiram o TSE de
2014 para cá e que as acusações de Bolsonaro contra a corte eleitoral atingem a
todos. “A acusação leviana de fraude no processo eleitoral é ofensiva a
todos."
O ministro Alexandre de Moraes (STF), que
também integra o TSE e chefiará a corte no pleito do ano que vem, seguiu a
mesma linha e repudiou as declarações de Bolsonaro.
Ele usou as redes sociais para afirmar que
"não serão admitidos atos contra a Democracia e o Estado de Direito, por
configurar crimes comum e de responsabilidade".
"Os brasileiros podem confiar nas
instituições, na certeza de que, soberanamente, escolherão seus dirigentes nas
eleições de 2022, com liberdade e sigilo do voto."
As declarações de Pacheco e de Barroso foram uma reação a Bolsonaro, que pela manhã atacou o TSE, o próprio ministro do Supremo, a CPI da Covid e de novo colocou em xeque as eleições de 2022.
"Então isso é fraude, é fraude, é
roubalheira. Vocês acham que o Renan Calheiros, por exemplo, se pudesse fraudar
a votação ele fraudaria pelo caráter que ele tem? A única forma de bandidos com
Renan Calheiros se perpetuarem na política, entre outros que estão do lado
dele, o nove dedos, é na fraude", afirmou Bolsonaro, referindo-se mais uma
vez de forma pejorativa a Lula.
"Não tenho medo de eleições, entrego a
faixa para quem ganhar, no voto auditável e confiável. Dessa forma [atual],
corremos o risco de não termos eleição no ano que vem", acrescentou.
Bolsonaro também disse que "já está
certo quem vai ser presidente ano que vem". "Já está certo quem vai
ser [presidente], como está aí. A gente vai deixar entregar isso?",
questionou seus apoiadores.
"Daí vem o Barroso com a história
esfarrapada dele, entre outras, dizer que o voto em papel, se o João for votar
lá no interior do Ceará e engripou a maquininha, pode engripar, sim. Daí o
mesário vai lá e vai ver que o João votou em tais candidatos, [que] isso
desqualifica as eleições porque fere o sigilo dos votos. É uma resposta de um
imbecil, eu lamento falar isso de uma autoridade do STF. Só um idiota para
fazer isso daí."
Na quinta (8), Bolsonaro já havia feito
ameaças. Ele declarou: "Eleições no ano que vem serão limpas. Ou fazemos
eleições limpas no Brasil ou não temos eleições".
A principal estratégia de Bolsonaro tem
sido a de questionar a segurança das urnas eletrônicas, sistema usado desde
1996 e considerado eficiente e confiável por autoridades e especialistas no
país.
O próprio Bolsonaro foi eleito para o
Legislativo usando o sistema em diferentes ocasiões, assim como venceu o pleito
para o Palácio do Planalto em 2018 da mesma forma.
Bolsonaro defende a adoção do voto impresso
—segundo ele, auditável. Tramita no Congresso uma proposta nesse sentido, mas a
ideia conta com oposição de uma coalizão de partidos, alguns deles da própria
base de Bolsonaro.
No início deste ano, após a invasão do
Capitólio nos Estados Unidos por apoiadores extremistas de Donald Trump que
contestavam o resultado das eleições presidenciais, Bolsonaro disse que, se não
houver voto impresso em 2022, ou uma maneira de auditar o voto, haverá no
Brasil “problema
pior do que nos Estados Unidos”.
A declaração se soma a um discurso
contra o sistema eleitoral e a um contexto que inclui militarização
do governo, flexibilização do acesso a armamento e naturalização da
corrupção no país.
Para
especialistas ouvidos anteriormente pela Folha,
toda essa atmosfera alimenta a desconfiança sobre um risco de golpe, que não
deve ser ignorada, ainda que vários considerem improvável que tal cenário se
concretize.
A estratégia de manter um discurso que
coloca em xeque o sistema eleitoral brasileiro e, ao mesmo tempo, questiona um
eventual resultado negativo nas urnas aproxima Bolsonaro de outros líderes
populistas, a exemplo do que fez Trump antes de deixar a Casa Branca.
No Planalto, Bolsonaro faz do mandato uma
campanha eleitoral constante, alimentando sua base de apoiadores mais fiel com
a retórica própria do autoritarismo.
Apesar de eleito por vias democráticas,
especialistas afirmam que, em vários episódios, Bolsonaro já expressou de forma
clara seu desprezo pelo sistema.
Ataques ao sistema eleitoral e à urna
eletrônica fazem
parte da retórica de Bolsonaro desde a campanha. Na véspera do pleito,
em outubro de 2018, ele afirmou que só perderia se houvesse fraude. “Isso só pode
acontecer por fraude, não por voto, estou convencido”, disse em live em outubro
de 2018.
As acusações
infundadas se mantiveram mesmo depois de eleito. Em março de 2020,
Bolsonaro disse que teria vencido a eleição ainda no primeiro turno, porém
nunca apresentou nenhuma prova disso.
Até hoje, não há evidências de que tenham
ocorrido fraudes em eleições com uso da urna eletrônica. A urna possui
diferentes medidas de segurança e de auditoria.
Independentemente disso, há especialistas
que defendem que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) deveria aumentar a
transparência do sistema eleitoral e melhorar as possibilidades de auditoria
das eleições. O problema, dizem eles, é que o debate técnico e sério
acaba ofuscado
pela desinformação e por mentiras.
Na entrevista desta sexta-feira, Pacheco
destacou a importância da separação entre os Poderes. "Uma separação que
definitivamente não signifique desunião, mas que signifique o respeito de cada
Poder em relação ao outro naquilo que toca a atribuição do outro", disse.
"E quero aqui afirmar a independência
do Parlamento brasileiro", continuou o presidente do Senado.
"A independência do Congresso
Nacional, composto por suas duas Casas, o Senado Federal e a Câmara dos
Deputados, que não admitirá qualquer atentado a esta sua independência e
sobretudo às prerrogativas dos parlamentares de palavras, opiniões e votos, que
naturalmente devem ser resguardados numa democracia."
A seguir, Pacheco também defendeu "a
preservação absoluta de algo que é também inegociável, que é o Estado de
Direito e a democracia".
O presidente do Senado rebateu as dúvidas
levantadas por bolsonaristas em relação à segurança das eleições brasileiras e
afirmou que “tudo quanto houver de especulações em relação a algum retrocesso à
democracia, como a frustração das eleições próximas, vindouras, do ano de 2022,
é algo com que o Congresso Nacional, além de não concordar, repudia
evidentemente.”
Pacheco afirmou que a decisão sobre a
adoção da comprovação impressa do voto em urna eletrônica não será feita pelo
Executivo ou pelo TSE, mas sim pelo Congresso através da PEC (Proposta de
Emenda à Constituição) que está sendo discutida em comissão especial da Câmara
dos Deputados.
“E a decisão que houver por parte do
congresso nacional, primeiro pela Câmara dos Deputados, e depois pelo Senado
Federal, haverá de ser respeitada por todos os Poderes e por todas as
instituições no Brasil.”
Pacheco disse ainda não concordar com os
ataques de Bolsonaro a Barroso e se solidarizou com o presidente do TSE.
"Eu considero que a divergência de ideias deve ser discutida no campo das
ideias, da tese, e não das pessoas. Portanto, eu me solidarizo com o ministro
Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e discordo de
qualquer ataque pejorativo que seja feito a ele qualquer cidadão brasileiro
nesse tom”, disse.
Pacheco também voltou a afirmar que o
episódio que provocou atritos entre o Senado e as Forças Armadas, após fala do
presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), está encerrado. Ele disse que a nota
publicada pelos militares partiu de uma "premissa equivocada".
“Considero que a nota das Forças Armadas
partiu uma premissa equivocada de que teria havido, por parte do senador Omar
Aziz, presidente da CPI, uma agressão generalizada às Forças Armadas. O próprio
senador Omar Azziz, no próprio plenário do Senado Federal, destacou que não
houve intenção de sua parte de ofender as Forças Armadas e que teria feito,
inclusive, uma retificação na própria CPI, por ocasião da fala”, defendeu.
Nesta quinta (8), Pacheco conversou com o
ministro da Defesa, Braga Netto, e com o comandante do Exército, general Paulo
Sérgio de Oliveira, numa tentativa de pôr fim ao caso.
Ele ainda afirmou que não viu no texto um tom de ameaça à democracia e ao Congresso Nacional e informou que irá entrar em contato com os comandantes da Aeronáutica e da Marinha para colher deles “esse sentimento de que esse assunto está encerrado”. Em entrevista publicada pelo jornal O Globo nesta sexta-feira, o comandante da Força Aérea Brasileira, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, disse que a manifestação foi “um alerta” e que não enviaria 50 notas para o presidente da CPI.
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