O Estado de S. Paulo
O grito de ‘genocida’ faz barulho, mas não leva a lugar nenhum. Vamos ao que interessa!
As bandeiras brancas no Congresso,
representando os mais de 600 mil mortos na pandemia, prenunciam uma semana de
grandes e tristes emoções, com o fim dos trabalhos e o relatório final da CPI
da Covid no Senado. E essas emoções já começam amanhã, com depoimento de pais,
mães e filhos de vítimas. Haja coração! E indignação!
Da emoção à política é um passo, mas da
política a reais consequências jurídicas são léguas. Há consenso na cúpula da
CPI sobre as 11 tipificações de crimes contra o presidente Jair Bolsonaro,
exceto uma: a de genocídio, pela ação grotesca e a má vontade assumida com os
indígenas na pandemia, endereçada ao Tribunal Penal Internacional (TPI). O
risco é um efeito bumerangue.
Se depender do relator Renan Calheiros,
genocídio estará, sim, no relatório final, mas o presidente Omar Aziz, o vice
Randolfe Rodrigues e Humberto Costa, do PT, alegam que a tese de genocídio
enfraquece a CPI e fortalece a versão bolsonarista de “perseguição política”.
Os artigos 5.º, 6.º e 7.º do Estatuto de
Roma estabelecem que a competência do TPI é restrita a crimes que afetam a
comunidade internacional no seu conjunto: genocídio e crimes contra a
humanidade, de guerra e de agressão. Os erros do Brasil de Bolsonaro, mesmo
gritantes e graves, afetam a comunidade internacional no seu conjunto?
Genocídio é caracterizado por atos para
destruir um grupo étnico, racial ou religioso, matando ou ferindo a integridade
física ou mental de seus membros, impondo condições de vida destrutivas,
impedindo nascimentos ou retirando crianças à força. O Brasil usou a pandemia
para isso?
É público, notório e documentado que Bolsonaro não compreende, não se informa e despreza índios, fez um projeto escancarando suas terras a todo tipo de exploração e, na pandemia, vetou materiais de higiene, leitos hospitalares, respiradores e até água potável para eles. Por isso, já há denúncias contra ele em cortes internacionais.
No caso da CPI, o objetivo é outro. Fazer
barulho? Ou provocar reais consequências políticas e jurídicas? “Genocídio” é
bom apelo de marketing, mas a tipificação é frágil; o Congresso derrubou os
vetos na lei de proteção dos índios, logo, não há “ato”; o TPI só entra se a
Justiça nacional se omite. A esperança é a nossa Justiça agir.
Forçar a barra pelo genocídio dá munição ao bolsonarismo e esvazia a pressão na PGR, Câmara, MP dos Estados, PF e Receita. Provas não faltam de homicídio comissivo em série por omissão, crime de pandemia com morte, prevaricação, charlatanismo... Logo, vamos ao que interessa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário