Folha de S. Paulo
Gestão esvaziou a fiscalização das leis
ambientais e incentivou grileiros e garimpeiros
Jair Bolsonaro não foi capaz de inaugurar
muito mais do que pinguelas, bicas e metros de asfalto. Mas tem grandes obras
na sua ficha corrida. Ataca e enfraquece instituições de controle do poder
público e privado. Mais do que isso, favorece uma espécie de feudalização do
país.
Desmoraliza
e manipula a Polícia Federal. Limitou na prática o poder do Coaf de
dar alertas sobre falcatrua financeira, com a colaboração do Judiciário, aliás.
Colocou paus mandados na Procuradoria-Geral. Com sua conivência, o sistema
político, esquerda inclusive, se aproveita de uma reforma necessária do
Ministério Público (MP) a fim de facilitar a interferência em investigações. Se
não for contido, nomeará uma bancada no Supremo. A família
Bolsonaro procura ainda criar um sistema de espionagem agregado ao
departamento de propaganda, o tal gabinete do ódio.
Essa obra de destruição conta com a
conivência do sistema político, desde 2015 interessado em controlar, em causa
própria, o MP contaminado pelo salvacionismo dos lacerdistas e autoritários da
Lava Jato.
Além disso, os líderes do semiparlamentarismo podre em vigor desde 2015 procuram se eternizar no poder por outros meios. Não tem a ver diretamente com as obras de Bolsonaro, mas convém prestar um pouco de atenção nisso.
Há uma nova fase da fragmentação que criou
tantos pequenos partidos negocistas, comandadas não raro por chefetes ou
líderes de gangue. É a feudalização dos lordes e duques das emendas. O aumento
torto do poder sobre o Orçamento e outros financiamentos públicos da política
privada facilitam a reeleição de quem domina a distribuição desses recursos.
Quanto maior essa privatização, maior pode ser indiferença dos chefetes a
partidos e a pressões sociais. A decadência ou o fim das legendas maiores
facilitou a feudalização.
A terra arrasada favorece as cargas da
cavalaria do bolsonarismo, outros entrincheiramentos de interesses.
Bolsonaro
não destruiu o grosso da lei ambiental, embora tenha esvaziado
instituições do setor. Mais do que isso, incentivou o descaramento de agro
ogro, grileiros, garimpeiros e hordas similares, que ocuparam tanto terras
de fato como o terreno político-institucional. Se o país voltar a ter um
governo, será difícil repelir essas invasões bárbaras.
Aconteceu algo parecido com a religião na
política. A tentativa evangélica de ter mais representação é legítima; fazer da
religião um assunto de Estado é outra história, assim como a apropriação de
dinheiros públicos pela empresa pentecostal. Os evangélicos
bolsonaristas querem ocupar parte do Estado por meio de cotas
religiosas e solapando a laicidade.
Militares querem não apenas impor sua
ideologia cafona, reacionarismos lavados na água suja das ideias de um filósofo
de YouTube. Querem também ou principalmente dinheiro, com o que estão animados
desde que Michel Temer lhes abriu as porteiras e Bolsonaro lhes deu o que
pastar.
Privatização mais antiga, as empresas se
entrincheiram nas suas proteções fiscais, tarifárias e de todo o sistema que
protege as firmas maiores de competição. De “reformas”, quiseram saber das que
esfolam o povo e que as deixam em paz, sem novos impostos, o ponto central do
programa “Ponte para o Futuro”, tocado desde 2015.
Conter essa feudalização, renovar a ideia
moribunda de República, será muito difícil, até porque o problema não para por
aí. Por exemplo, está também na insubordinação das polícias ou no domínio cada
vez mais tranquilo do território por milícias e facções (muita vez em conluio
com a polícia), uma invasão bárbara desde cedo apoiada pelos Bolsonaro.
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