EDITORIAIS
É reveladora piora do Brasil em lista
global de corrupção
O Globo
É deplorável que o Brasil tenha caído duas
posições no ranking global de percepção de corrupção anunciado nesta semana
pela Transparência Internacional, organização de renome na área. Numa lista de
180 países, o Brasil passou a ocupar o 96º lugar. Trata-se da nossa terceira
pior colocação na série histórica. O Brasil aparece empatado com Indonésia,
Lesoto e Turquia, entre outros.
O contraste com dois de nossos vizinhos é
vergonhoso. O Uruguai figura como 18º, junto a Japão e Bélgica. O Chile, 27º,
está ao lado dos Estados Unidos. Sob qualquer ângulo que se analise, o Brasil
decepciona. Está abaixo da média global, da média do G20 (grupo que reúne as 20
maiores economias), da média regional da América Latina e Caribe e da pontuação
do Brics (sigla em inglês usada para Brasil, Rússia, Índia, China e África do
Sul).
Para o presidente Jair Bolsonaro, eleito com a bandeira da anticorrupção, o resultado é tremendamente constrangedor. O ranking é feito com base num índice no qual 100 significa muito íntegro, e zero altamente corrupto. A pontuação do Brasil foi 38, a mesma registrada em 2015 e 2020.
Infelizmente, não faltam motivos para
explicar a colocação brasileira. Como diz o relatório Retrospectiva Brasil
2021, também publicado recentemente pela Transparência Internacional, “o país
vem promovendo um desmanche dos marcos legais que levou décadas para
construir”. Inegavelmente, o protagonismo é do Executivo.
O governo Bolsonaro promoveu uma captura de
órgãos de controle e inteligência. “O aparelhamento já não se presta a ‘apenas’
blindar aliados, passando ao patamar muito mais perigoso de perseguição de
adversários.” Questionamentos sobre supostos crimes cometidos por pessoas
próximas ao presidente seguem sem respostas. O mesmo vale para questões
levantadas pela CPI da Covid. Bolsonaro voltou a escolher o procurador-geral da
República fora da lista tríplice, o que consolidou a quebra de uma regra não
escrita que garantia uma certa independência ao cargo.
O Congresso, com as lideranças aliadas ao
Planalto, tem a sua cota de responsabilidade. Atrofiou a Lei de Improbidade
Administrativa e, junto com o Executivo, criou o orçamento secreto, descrito
pelo relatório como “um retrocesso sem precedentes de transparência na alocação
de recursos públicos no Brasil”. A organização internacional ainda critica
ações do Judiciário, como a transferência, “de modo generalizado”, da
competência para julgar casos de corrupção.
Está certa a Transparência ao apontar que
esse arranjo não apenas garante a impunidade de crimes graves e fartamente
documentados, como alimenta a tentativa de forças autoritárias de deteriorar o
regime democrático. O relatório faz bem ao reconhecer a reação de órgãos
contrários a toda essa degradação. Cita o Tribunal Superior Eleitoral e o
Supremo Tribunal Federal como exemplos positivos nesse embate. Diante das
dificuldades criadas em série desde 2019, tomaram as decisões cabíveis. Sem a
atuação firme dessas instituições, o Brasil certamente estaria em colocação
ainda pior no ranking.
Apreensão de arsenal expõe riscos da
facilitação do acesso a armas
O Globo
Uma operação da Polícia Civil do Rio e do Grupo de Atuação Especial no Combate
ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público estadual, na última
terça-feira, resultou na apreensão de 55 armas que seriam vendidas a facções
criminosas e expôs quanto é nociva e letal a política do presidente Jair
Bolsonaro de facilitar o acesso a armas e munições.
O arsenal, formado por 26 fuzis, 21
pistolas, dois revólveres, três carabinas, uma espingarda, um rifle e um
mosquetão, além de grande quantidade de munição, foi encontrado numa discreta
residência, ao lado de uma creche, no Grajaú, Zona Norte do Rio. Somente os
fuzis, todos novos, foram avaliados em R$ 1,8 milhão. Considerando todas as
armas e munições, o valor supera R$ 3 milhões, segundo a polícia e o MP.
Detalhe importante revelado pelas
investigações é que o armamento não entrou no país de forma clandestina, como
costuma acontecer com o arsenal que abastece traficantes e milicianos em todo o
Brasil. De acordo com os investigadores, armas e munições foram compradas
legalmente por Vitor Furtado Rebollal Lopes, que possui registro no Exército de
caçador, atirador e colecionador, os chamados CACs. Vitor, conhecido como Bala
40, foi preso em Goiás junto com a namorada, Paula Cristinne Pinheiro Labuto.
Eles são acusados de fornecer armas e munições a quadrilhas em favelas como o
Jacarezinho, ocupado recentemente pela polícia fluminense dentro do projeto
Cidade Integrada.
A apreensão das armas e as prisões são
resultado de três anos de investigações, que começaram em 2018 numa ação contra
o tráfico de drogas no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Região
Metropolitana do Rio. Segundo os investigadores, Vitor, que ao ser preso
transportava 11 mil munições para fuzis e carabinas, possui 43 Certificados de
Registro de Arma de Fogo (Crafs) ativos. A despeito da autorização, a compra de
grandes quantidades de armas (muitas de um mesmo modelo) e munições chamou a
atenção da polícia e do MP.
Sempre se soube que documentos legais são
usados para desviar armas ao crime organizado. Por isso é equivocado o
argumento de que a flexibilização das normas para compra e porte de armas tem
por objetivo proteger os cidadãos. Balela. Trata-se de uma política nefasta,
que se volta contra os próprios cidadãos à medida que armas compradas legalmente
vão parar nas mãos de bandidos. Fica evidente que o governo não tem como
controlar todos os registros de forma adequada.
A flexibilização das normas tem provocado
aumento nos registros. Reportagem do GLOBO mostrou que cidadãos comuns e o
grupo de caçadores, atiradores e colecionadores compraram, nos primeiros seis
meses de 2021, mais armas do que o total adquirido nos dois anos anteriores à
posse de Bolsonaro. Esse excesso de armas em nada contribui para reduzir os
índices de criminalidade. E, como se vê no caso do arsenal apreendido no Rio,
serve para ampliar a tragédia da violência que há décadas atormenta os
brasileiros.
Reforço no caixa
Folha de S. Paulo
Recorde de arrecadação favorece as contas
públicas, mas continuidade é incerta
São expressivos os impactos positivos de
uma arrecadação
tributária recorde como a contabilizada pela administração federal em
2021. Cabe tomar cuidado, porém, com leituras precipitadas ou oportunistas dos
dados recém-divulgados.
A receita da União com impostos,
contribuições sociais, taxas e royalties somou R$ 1,879 trilhão no ano passado,
com alta de 17,4% acima do IPCA, um desempenho acima das previsões mais
otimistas.
Isso significa que o déficit orçamentário
do Tesouro Nacional, prestes a ser anunciado, foi bem menor do que se
imaginava. Em consequência, a dívida pública caiu como proporção do Produto Interno
Bruto, um indicador de melhora da capacidade de pagamento.
Tais resultados têm sido celebrados pela
área econômica do governo Jair Bolsonaro —o que também tem seu viés político.
Invocam-se os números favoráveis de 2021 como uma espécie de contraponto às
críticas sofridas em razão das manobras para elevar as despesas federais neste
ano eleitoral.
Num passado recente, sucessivos recordes da
arrecadação encorajaram as administrações petistas a promoverem uma escalada
imprudente de gastos, com os resultados conhecidos. Agora, a expansão da
receita é incipiente e de continuidade incerta.
Parte do crescimento —a parte que o governo
prefere enfatizar— deveu-se à recuperação da atividade econômica após o impacto
acachapante da pandemia. Esse efeito tende a se diluir, dado que, pelas
projeções mais consensuais, a variação do PIB tende a cair dos cerca de 4,5% do
ano passado para pouco mais de zero neste 2022.
O outro fator decisivo para o recorde
arrecadatório foi a contribuição espúria da alta da inflação. Os preços no
atacado, que influenciam o recolhimento de impostos, tiveram alta de 20,64% em
2021 (segundo o IPA-DI, da Fundação Getulio Vargas), bem acima dos 10,06%
medidos pelo IPCA, que é um índice de preços ao consumidor.
A carestia no atacado e no varejo levou o
Banco Central a iniciar um ciclo de alta dos juros, o que deve conter o avanço
do PIB e dos preços —e da arrecadação. A extensão dos impactos sobre cada uma
dessas variáveis, no entanto, não é coisa que pode ser prevista com segurança
neste momento.
No contexto brasileiro, uma escalada
virtuosa da arrecadação deve se basear em crescimento da produtividade da
economia e formalização de empresas e empregos. A própria reforma do caótico
sistema tributário, ora deixada de lado pelas forças políticas, deve contribuir
para tais objetivos.
Aulas sem volta
Folha de S. Paulo
Ensino presencial, que retornará em 18
estados e no DF, não pode retroceder
O início do ano letivo oferece nova
oportunidade para o Brasil enfim começar a reverter o desastre educacional
produzido no último biênio de pandemia, período em que os estudantes perderam
enorme parcela das aulas presenciais.
Trata-se de tarefa urgente. Como se a
educação não constasse das prioridades do governo e da sociedade, o país
figurou entre aqueles que mais tempo ficaram com as escolas fechadas no mundo,
com impactos não apenas sobre o aprendizado, mas também sobre a sociabilidade e
a nutrição de uma legião de jovens.
O recurso paliativo do ensino remoto falhou
de modo fragoroso. Num país em que milhões de alunos não dispõem de
computadores e acesso à internet, a administração Jair Bolsonaro (PL)
desincumbiu-se da obrigação elementar de favorecer meios digitais.
Segundo pesquisas que buscaram medir os
resultados do descaso, o fechamento prolongado das escolas afetou de modo grave
a progressão dos estudantes, implicando até regressão no aprendizado, aumentou
o risco de abandono escolar e elevou a desigualdade educacional entre alunos de
estabelecimentos públicos e privados.
Merece todo o apoio, portanto, a decisão
das redes de ensino de 18 estados e do Distrito Federal de retornarem neste ano
com aulas presenciais obrigatórias.
Conforme o levantamento
do portal UOL, apenas a Paraíba manterá o modelo híbrido. Em Pernambuco, a
presença será opcional e, no Acre, a autorização dependerá do aval da
autoridade sanitária.
Os desafios à frente, que já seriam grandes
em condições normais, ganham proporções maiores ante a omissão do governo
federal. O primeiro e mais óbvio deles é o provimento de um ambiente seguro
para professores e alunos.
No plano educacional, deve-se dar atenção
especial à questão da evasão, que apresentou piora expressiva durante a
pandemia, fruto tanto do desinteresse dos estudantes como da necessidade de
contribuir com a renda familiar.
Estratégias para trazer esses alunos de
volta às salas e garantir sua permanência, como uma busca ativa por parte das
redes e auxílios pecuniários, deveriam ser consideradas para minorar o
problema.
É fundamental, nesse contexto, que o país
evite retrocessos sanitários que terminem por fechar novamente as escolas. Para
tanto, é imperioso seguir reforçando a imunização de adultos e, sobretudo, de
crianças, além de sanar as disparidades regionais acumuladas. Que ao menos isso
o governo Bolsonaro faça pela educação
As vítimas da crise moral
O Estado de S. Paulo.
O crescimento de desabrigados impõe um duplo desafio à sociedade: fomentar a cultura da solidariedade e cobrar de seus representantes eleitos políticas sociais robustas
Nos últimos dois anos, a população em
situação de rua na cidade de São Paulo cresceu 31%, conforme o Censo da
Prefeitura. Nas zonas sudeste e sul, o número mais do que dobrou. Na
Subprefeitura da Mooca o aumento chegou a 170%. O Censo aponta um crescimento
de 330% de locais com moradias improvisadas. A quantidade de pessoas abordadas
acompanhadas de um integrante da família aumentou de 20% para 28,6%, o que
mostra um perfil mais familiar das pessoas em situação de rua. O retrato da
maior e mais rica metrópole do Brasil é apenas um relance de uma desgraça que
se alastra por todo o País.
As causas são multidimensionais. Há o drama
de fundo civilizacional, não só no Brasil, de uma cultura individualista que
degrada as relações familiares. Há a desigualdade histórica radicada nas
estruturas socioeconômicas nacionais. Há a crise econômica precipitada pelo
governo Dilma Rousseff e agravada pelo governo Jair Bolsonaro. E há, claro, o
impacto da pandemia – também agravado por Bolsonaro.
A insensibilidade do governo ante a
tragédia, acompanhada em tempo real, de centenas de milhares de brasileiros
vitimados pelo vírus despertou reações contundentes na mídia e na arena
política, por exemplo, com a CPI da Covid.
Mas, enquanto a epidemiologia estima que em
2022 a pandemia tende a ser dissipada, seus impactos socioeconômicos, muito
mais difusos, devem perdurar por anos. Hoje, mais de 20 milhões de brasileiros
se alimentam dia sim, dia não; 5 milhões de crianças vão dormir com fome. Com
muito menos representatividade, as vítimas da miséria tendem a ser absorvidas
nas estatísticas e amortizadas como um fato “natural” do “novo normal”.
Tal como a causa da catástrofe é
multidimensional, assim deve ser a sua solução. Há o desafio cultural do
resgate da família como alicerce da sociedade. Há também o apelo à
solidariedade. Sob o impacto da primeira onda da pandemia, as ações
humanitárias cresceram espetacularmente. Segundo o Grupo de Instituições e
Fundações de Empresas, os investimentos sociais das empresas sofreram mesmo uma
mudança de perfil e o combate à fome e à pobreza entrou com mais força no rol
de prioridades. Ainda assim, em comparação com outros países, os indicadores de
filantropia no Brasil permanecem medíocres e, desde 2020, a curva de doações se
achatou.
Mas, acima de tudo, há responsabilidade do
Poder Público. A amplificação e a intensificação dessa tragédia anônima,
silenciosa e difusa têm relação direta com uma mentalidade anticidadã cujo
epicentro é o Palácio do Planalto. Na virada de 2020 para 2021, no pico da
crise sanitária e econômica, o auxílio emergencial sofreu um apagão, enquanto o
presidente passeava pelo litoral e os congressistas, em recesso, negociavam a
troca da liderança do Senado e da Câmara.
Hoje, enquanto toda uma nova população de
famélicos e desabrigados circula de mãos abanando pelas ruas do País, nos
corredores do Congresso os representantes do povo consomem seu tempo discutindo
o rateio do butim orçamentário. As disputas por pedaços dos recursos da
República para satisfazer interesses corporativistas, clientelistas e
patrimonialistas expõem imensas parcelas da classe política incapazes de
estabelecer verdadeiras prioridades, de deliberar políticas públicas para
garantir condições mínimas de moradia e alimentação e de preservar recursos
para gastos e investimentos sociais.
Assim como em outras áreas da administração
pública, na questão social não há nada a esperar do governo Bolsonaro. O melhor
que as forças cívicas podem fazer é uma política de redução de danos. A
responsabilidade dos governos regionais aumenta exponencialmente. Mas é preciso
que o drama dos vulneráveis entre com força nos debates eleitorais. O
eleitorado precisa se imunizar contra a demagogia de candidatos que estão entre
os grandes responsáveis por essa tragédia humanitária, sobretudo os próceres do
lulopetismo e do bolsonarismo, e promover uma cobrança sem trégua por políticas
sociais sustentáveis àqueles que se postulam como candidatos da renovação.
Rumo à OCDE, apesar de Bolsonaro
O Estado de S. Paulo.
O Brasil ganhará um selo de qualidade, se
completar o ingresso no clube dos países com bons valores econômicos e sociais
O ambicionado ingresso do Brasil no clube
dos países avançados econômica e socialmente, a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), poderá ser formalizado, se tudo correr bem,
pelo próximo presidente da República. Conversações oficiais sobre as condições
para a admissão poderão começar em breve. Convites para o início do processo
foram enviados ao presidente Jair Bolsonaro e aos chefes de governo de mais
dois países sulamericanos – Argentina e Peru – e três europeus – Bulgária,
Croácia e Romênia. Ser admitido no clube equivale a receber um selo de
qualidade, considerado importante para a atração de investimentos e para a
integração no mercado internacional.
Discussões podem durar três ou quatro anos,
a partir da abertura oficial. Mas o Brasil já avançou na adaptação aos padrões
da organização e isso poderá resultar, a partir de agora, em algum ganho de
tempo. Nenhum resultado, no entanto, está garantido. Mais de 20 comitês
técnicos deverão avaliar o efetivo alinhamento do País aos valores e padrões da
organização, segundo informe oficial distribuído na terça-feira.
O Brasil, segundo o Itamaraty, “está em
plena consonância com os valores fundamentais da OCDE, (…) tais como a defesa
dos princípios de livre mercado, o fortalecimento da democracia, a modernização
econômica e a proteção do meio ambiente e dos direitos humanos”. Se essa
“consonância” for julgada por pessoas familiarizadas com o dia a dia da
política e da administração brasileiras, talvez a avaliação seja bem diferente
daquela sugerida pelo Ministério das Relações Exteriores.
Ataques ao Poder Judiciário, declarações
infundadas sobre fraudes eleitorais e ameaças de reprodução, no Brasil, da
invasão do Congresso americano dificilmente caberiam numa pauta de
“fortalecimento da democracia”. O desprezo à vida dos brasileiros e a
indiferença diante das mortes, assim como a difusão de informações falsas sobre
a pandemia e sobre seu enfrentamento, são incompatíveis com a “proteção dos
direitos humanos”, a começar pelo direito à saúde, mencionado no artigo 6.º da
Constituição.
Além disso, como afirmar um compromisso de
proteção ambiental quando o presidente brasileiro é famoso por sua política
favorável à devastação? Como insistir nessa afirmação, uma semana depois da
edição de um decreto que facilita empreendimentos em cavernas, mesmo com
“impactos negativos irreversíveis”?
O Brasil pode ter avançado na adoção de
padrões valorizados pela OCDE e poderá avançar na conquista de outros, como a
liberalização das operações financeiras, dos investimentos e do comércio
internacional, mas continua devedor em outras áreas, como as dos direitos
básicos, da proteção ambiental e do combate às mudanças do clima, citadas no
informe da organização.
Além disso, pode-se até falar de retrocesso
nos quesitos governança pública e esforço anticorrupção, também mencionados
literalmente. A farra com as emendas do Orçamento, as pressões sobre órgãos de
investigação e fiscalização e a tentativa de importação fraudulenta de vacinas
são episódios bem conhecidos. Desmandos maiores foram dificultados ou impedidos
por denúncias da imprensa, por protestos de organizações civis e pela
intervenção do Poder Judiciário. As instituições funcionam, apesar da
incompatibilidade entre Bolsonaro e os valores democráticos, mas a mobilização
em defesa do Estado de Direito tem de ser permanente.
Um novo presidente, mais afeito às condições de um sistema de liberdades, direitos e limites constitucionais, poderá completar mais facilmente o ajuste aos valores econômicos, sociais e institucionais defendidos pela OCDE. Nenhum dos 38 países-membros desse clube é um exemplo de perfeição, mas o conjunto é compatível, claramente, com noções de modernização, inclusão social, abertura econômica e respeito a normas multilaterais. O ingresso na OCDE, rejeitado há anos pela administração petista, é um objetivo importante para um país em busca de progresso, de cooperação e de relações internacionais civilizadas.
Fed, por dever, indica política monetária
bem restritiva
Valor Econômico
Após períodos em que a inflação se mostre
persistentemente acima de 2%, a política monetária buscará uma inflação
moderadamente acima de 2% por algum tempo
O Federal Reserve americano começará a
elevar a taxa de juros em março, quando acaba a compra de papéis de hipotecas e
do Tesouro deslanchada com a pandemia, o que já era esperado. Mas a incerteza
sobre os próximos passos da política monetária que reverteu ontem as altas das
bolsas americanas, empurraram para cima o dólar e os rendimentos dos títulos do
Tesouro de 10 anos. Powell não descartou - e não poderia - nenhum dos piores
temores dos investidores, em especial o de um número maior de elevações dos fed
funds do que o previsto em dezembro (três de 0,25 ponto percentual) ou de um
aumento maior que esse logo no início do ciclo.
O cenário traçado por Powell após a reunião
do Fed justifica uma atitude mais agressiva. “Por algumas medidas, o mercado de
trabalho está historicamente apertado”, disse Powell. Em outros trechos
afirmou, sobre o balanço de efeitos entre alta de juros e emprego, que, no
nível atual de ocupação, esse mercado possivelmente sustentaria um aumento
razoável dos juros sem se afastar do pleno emprego, meta do Fed.
Powell apontou que os “ riscos estão em
toda a parte”. Para os que envolvem a redução do crescimento, indicou o fim dos
efeitos estimulantes da política fiscal sobre a atividade, que se tornarão
negativos este ano. As restrições na oferta de bens pelo desarranjo nas cadeias
produtivas são um dos fatores que deprimem o crescimento, mas, ao mesmo tempo,
podem manter a inflação persistentemente elevada.
Com esses desequilíbrios na oferta, o
presidente do Fed desenhou a dimensão do desafio inflacionário. Para ele, não
houve progresso nos desajustes produtivos, embora seja presumível que sejam
atenuados ao longo do ano. Para o fornecimento de semicondutores, a tentativa
de volta à normalidade adentrará o ano que vem, o que eleva o risco de uma
inflação persistente,
Quem presumiu que a inflação do índice de
preços ao consumidor (IPC) de dezembro, de 7% em 12 meses, fosse o pico errou.
Perguntado sobre o comportamento do nível de preços após a reunião de dezembro
do Fed, Powell disse, surpreendentemente, que está “ ligeiramente pior” que
antes. Inflação muito acima dos 2%, mercado de trabalho muito forte e
crescimento bem acima do potencial (1,8%, pelo consenso do Fed) exigem uma
resposta à altura do banco, que não veio antes porque ele tem de se ater ao que
foi delineado em sua comunicação anterior, para não surpreender investidores.
Nesse roteiro, os juros só podem subir após
se encerrar o programa de compras de ativos, a saber, na próxima reunião do
banco, em março. A redução do balanço de US$ 8,7 trilhões dos ativos do Fed só
ocorrerá a partir do início do aumento dos juros, o que ocorrerá a partir de
março. Ontem, o Fed comunicou um consenso preliminar sobre como isso ocorrerá:
será “previsível”, seguirá os objetivos do duplo mandato (máximo emprego,
inflação na meta), e, ao final, deve manter apenas os títulos do Tesouro no
balanço, não mais o de hipotecas. Powell adiantou que o ritmo cadente será
atenuado, com a não renovação dos títulos que vencerem, em vez de uma
readaptação mais rápida, com a venda dos títulos no mercado.
Como a ação principal do Fed será a alta
dos juros, Powell apenas afirmou que não é possível saber que forma a política
monetária tomará. Evitou predizer que o movimento para cima dos juros será
“gradual”, preferindo indicar que “se moverão firmemente para longe da política
acomodatícia da pandemia”. Além disso, afirmou que “não se sabe quando, mas
eventualmente teremos uma política monetária não-acomodatícia”, o que significa
juros acima da taxa neutra de 2,5%.
Durante a entrevista Powell usou várias
vezes a palavra “flexível”, o que nesta altura não é exatamente
tranquilizadora, podendo significar que o banco terá de deixar de lado
comunicação que indicava determinada conduta para adotar outra, bem diferente.
Um contraponto a essa promessa de postura
agressiva, o Fed divulgou ontem que sua “Declaração sobre os objetivos e
estratégia de longo prazo da política monetária” foi reafirmada “por
unanimidade” na reunião. Um de seus pontos centrais: “Após períodos em que a
inflação se mostre persistentemente acima de 2%, a política monetária
apropriada provavelmente buscará uma inflação moderadamente acima de 2% por
algum tempo”. Nas atuais circunstâncias, mais “dovish” impossível.
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