O Globo
O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro
Nogueira, fez uma provocação em entrevista ao GLOBO. “A que ponto chegamos: o
Lula, que teve o seu processo anulado, ser juiz, dizendo que tem Centrão do bem
e Centrão do mal. Lula tem condições de ser juiz em nosso país? Acho um pouco
demais.” E atacou: “O Lula que conheço e que as pessoas vão conhecer na
campanha é o Lula da Gleisi (Hoffmann), do Zé Dirceu, do (João) Vaccari. (...)
As pessoas não querem esse grupo do PT de volta ao comando do país. Acompanho
pesquisas qualitativas. Quando se coloca o Lula ao lado dessas pessoas, a
rejeição é total.”
Lula nunca afirmou literalmente que existe
um Centrão do bem e outro do mal. Mas o ex-presidente vem justificando a
necessidade de fechar aliança com Alckmin com o argumento de que, mais
do que ganhar a eleição, é preciso governar. E já repetiu de variadas formas
que, se vencer a eleição, não quer se tornar refém do Centrão no Congresso,
como Bolsonaro se tornou. Alckmin e os tucanos seriam, segundo essa tese, uma
espécie de vacina contra o fisiologismo patrocinado por Ciro, Lira e companhia,
que controlam cinco ministérios, dezenas de cargos e bem mais de R$ 150 bilhões
do Orçamento.
Só que, embora esteja rompido com o PP de
Ciro e Lira e com o PL de Valdemar Costa Neto, que já lhe prestaram muitos
serviços no passado, Lula arrasta asa para o PSD de Gilberto Kassab e para
setores do MDB — que também são Centrão e têm entre seus membros uma cota de
bolsonaristas. É por isso que Ciro adotou a expressão “Centrão do bem”, que ele
também usa em conversas privadas, ao comentar o argumento lulista.
Tanto Ciro quanto Lula sabem que não existe tal divisão. Centrão é Centrão. É aquela parcela da classe política que está sempre no governo, seja qual for. Da mesma forma que já chamou Bolsonaro de fascista no passado e depois desdisse tudo ao entrar no governo, Ciro não terá nenhum problema em passar uma borracha no que vem afirmando sobre o PT, se Lula ganhar.
Por isso, é bom não se enganar. Nem Ciro
está assim tão revoltado com o PT e com Lula, e nem o PT passou a achar, de uma
hora para a outra, que o Centrão virou o cramulhão de asa. O que estamos vendo,
mais do que uma briga, é um baile.
O que aconteceu foi que Ciro Nogueira
percebeu que Lula vinha moldando sozinho o debate político que vai pautar o
processo eleitoral, enquanto Jair Bolsonaro torra capital político boicotando a
vacinação infantil contra a Covid-19. Ciro e os pragmáticos do bolsonarismo
compreenderam que, enquanto Bolsonaro conduz um mimimi contra vacina que não
vai levá-lo a lugar algum, Lula aparece na imprensa fazendo conversa de adulto,
e Moro trabalha para tentar tirar de Bolsonaro o título de antipetista da
eleição. Foi para quebrar essa dinâmica, oferecendo um rumo claro ao Centrão
bolsonarista em 2022, que Ciro se apresentou para jogo.
E é também para manter acesa e operante a
polarização com Bolsonaro que o PT e Lula vêm respondendo prontamente às
provocações. Há alguns dias, depois que o ministro da Casa Civil publicou nesta
mesma editoria do GLOBO um artigo comparando o PT ao cometa do filme “Não olhe
para cima”, os petistas retrucaram. “O ministro de Bolsonaro, Ciro Nogueira,
teima em continuar olhando para as nuvens e não para a realidade do Brasil”,
disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. “Olha pro país, Ciro Nogueira, cai
na real. Ah, e explique o orçamento secreto que você coordena.”
Embora possa ter outras razões, a recente
decisão do PT de recuar da proposta de abrir uma CPI para investigar os ganhos
de Sergio Moro com a consultoria Alvarez & Marsal também serve para manter
intacto esse pas de deux.
Nada disso desmerece o debate, porém.
Apesar dos apupos de quinta série, a conversa pública entre o Centrão do mal e
o Centrão do bem pelo menos contempla alguns temas importantes para o país —
modelo econômico, reforma trabalhista, questão tributária — e tira o PT da zona
de conforto, chacoalha o tom de “já ganhou”.
É bem melhor ser assim do que manter o
debate interditado. Espera-se, apenas, que a troca de sopapos verbais dê lugar
a uma discussão produtiva de verdade, da qual tomem parte não apenas os dois
principais candidatos, mas todos os que detêm alguma representatividade no
eleitorado. Porque uma democracia vibrante para valer não deveria parecer uma
valsa coreografada de que só participam os donos da festa, e sim um forró bem
barulhento em que o pessoal se esbarra, pisa no pé do outro e sai todo suado,
mas onde cada um tem seu espaço no salão.
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