O Estado de S. Paulo
Ataques a adversários, a conquistas de
governos anteriores e à ordem democrática são atentado à nossa Constituição
O Brasil precisa de pacificação, sob pena
de perderse no redemoinho de intolerância que vem guiando as lideranças
políticas neste período de pré-campanha eleitoral. Até onde chegaremos com
tanta inadequação?
Pacificar o País é um imperativo
constitucional, grifado logo no preâmbulo da Constituição de 1988 como
compromisso de buscar “a solução pacífica das controvérsias”. Ataques e ameaças
a adversários, a conquistas de governos anteriores e à ordem democrática,
incluindo a desarmonia entre os Poderes, são, portanto, atentado à nossa
Constituição e conduzirão o País ao precipício da falta de unidade e esperança.
Afinal, se o outro, sendo adversário, torna-se inimigo, não chegaremos a uma
solução pacífica.
As consequências do conflito aberto e sem limites são muitas e diversas, atingindo os interesses do País e de seu povo em diversos campos. A governabilidade é uma das primeiras a sofrer com este clima de guerra, pois dificultará bastante ou mesmo impossibilitará futuramente a aprovação de projetos no Congresso Nacional, se as condições de diálogo e negociação política não forem dadas. Não se trata de exagero, pois a toada por enquanto transforma o debate político numa luta do bem contra o mal, mudando, curiosamente, a representação de um e de outro lado, a depender de quem é o orador ou o entrevistado.
O que gera o desenvolvimento é o
investimento, e o investimento não se realiza se o ambiente é de litigiosidade.
Por isso, pacificar é preciso, de forma a assegurar as condições para que o
País cresça e gere emprego e renda, realize obras de infraestrutura e corrija
desequilíbrios sociais e regionais. Refiro-me, ainda, à necessidade de
recuperar o equilíbrio das contas públicas, preservar o teto de gastos e a
responsabilidade fiscal, permitir a queda da inflação e a redução dos juros.
Aliás, como tenho feito ao longo da minha atuação na vida pública.
Pacificar é gerar emprego e renda, é
combater de forma determinada e eficiente a fome e a pobreza. Pacificar é
preservar o meio ambiente. Como estar no século 21, se algumas de nossas
lideranças se comportam como se quisessem arrombar a porta do tempo e voltar ao
passado? Que investidor aplicará seus recursos no País, se o governo eleito
eliminar o teto de gastos e a reforma trabalhista, avanços consolidados e
absorvidos pelos brasileiros e pelo mercado? Se destruir a natureza e nossos
recursos naturais?
Ao contrário de tudo isso, em sentido
inverso à marcha da insensatez, precisamos semear a esperança, gerar otimismo,
pacificar o debate de ideias, lembrando que o trabalho da oposição é
decorrência da Constituição, porque, graças a ela, vivemos em Estado
Democrático de Direito. Por isso, nas viagens que tenho feito a vários lugares,
por onde ando, tenho dito insistentemente que a pacificação é o caminho do
Brasil. Essa esperança é a resposta que encontrei para a insistente preocupação
que tenho ouvido reiteradamente em vários encontros com investidores,
resultando claro deste ambiente de enfrentamento e instabilidade democrática a
pergunta: como ficará a segurança jurídica dos contratos?
É o óbvio: as empresas investem em países
que estejam em paz. Como é óbvio, de igual forma, que é preciso manter a
integridade da Amazônia, em razão do agravamento e das consequências trágicas
do aquecimento global. Mantê-la em pé é um dever moral, um imperativo de
sobrevivência da humanidade e uma demonstração de inteligência, posto que
investimentos guardam, também, estreita relação com a admiração que conseguimos
despertar em nossos parceiros internacionais.
Pacificar é precondição, ainda, para
retomarmos o ciclo das reformas, especialmente a tributária, para recuperarmos
o equilíbrio do pacto federativo e criar ambiente de negócios atrativo.
Pacificar é, igualmente, fundamental para
viabilizar programa consistente a fim de reduzir urgentemente as desigualdades
sociais e regionais. Afinal, além da política de renda, não podemos mais nos
atrasar na melhoria da qualidade da educação pública, que teve início com a
reforma do ensino médio, ombreando-a com a privada. Pacificar é universalizar o
saneamento básico. Assim também recuperar o Ministério da Segurança Pública.
Esses serviços, em grande parte, de responsabilidade comum da União, dos
Estados e dos municípios, torna imprescindível grande esforço nacional, um
movimento de articulação entre as três esferas do poder público. Nada faremos
nesta fronteira do bem-estar social sem unidade de propósito e capacidade de
resolver pacificamente as naturais controvérsias, conforme determina o
preâmbulo da nossa Carta Magna.
Pacificar é promover a harmonia entre os
Poderes. Pacificar é obedecer ao pacto federativo. Para tanto, não podemos
esquecer o conceito de autoridade: o povo é a autoridade primária; os
governantes, a secundária, a autoridade passageira, encarregada da missão de
tomar iniciativas necessárias para cumprir a vontade da Nação.
Enfim, pacificar é cumprir a Constituição!
*Advogado, professor de Direito Constitucional, foi presidente da República
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