Editoriais
Gatilho ideológico
Folha de S. Paulo
Bolsonaro logra difundir armas com decretos
duvidosos e motivações delirantes
A agenda ideológica de Bolsonaro (PL) se
faz notar mais à base de inação, aparelhamento e desorganização administrativa
do que na forma da novas leis e políticas de governo. Assim se produziram
desastres em áreas como educação, saúde e meio ambiente.
No mais, até aqui frustraram-se, por falta
de sustentação política, social ou jurídica, tentativas de coibir a punição de
abusos policiais (excludente de ilicitude), cercear conteúdos em salas de aula
(Escola sem Partido), restringir as possibilidades de demarcação de terras
indígenas (marco temporal).
Um caso à parte é o da ampliação do acesso
a armas de fogo, em que o bolsonarismo, ainda que por meios tortuosos,
conseguiu avançar. Nesta terça (28), o anuário publicado pelo Fórum Brasileiro
de Segurança Pública trouxe novos e
preocupantes dados nesse sentido.
É particularmente espantoso o aumento do
número de registros ativos de armas no sistema da Polícia Federal (Sinarm), que
passou de 1,06 milhão em 2019, no início do governo, para 1,49 milhão no ano
passado, numa alta de 41%.
Considerando também outras fontes de informação, chega-se a um total de 2,8 milhões de artefatos —revólveres, pistolas, espingardas e outros— particulares no país. Como comparação, os órgãos públicos, como as polícias militares e civis, dispõem de não mais que 384 mil artigos do gênero.
São conhecidos os riscos da liberalização
do acesso a armamentos, que tendem a agravar conflitos pessoais, provocar
acidentes e facilitar suicídios. Ademais, produtos legalmente adquiridos não
raro vão parar nas mãos de criminosos.
Bolsonaro tem estimulado a posse e o porte
por meio de decretos presidenciais, que por sua natureza não deveriam
contrariar o espírito da lei —no caso, o Estatuto do Desarmamento, aprovado em
2003. Assim, sem debate e escrutínio do Legislativo, normas de controle e
restrição são eliminadas.
Além da forma questionável, as motivações
de tal política, importada da pauta conservadora americana, variam do equívoco
ao delírio paranoico. No discurso bolsonarista, as armas particulares seriam
proteção tanto contra bandidos, o que já faz pouco sentido, quanto contra
alguma ofensiva ditatorial, presumivelmente comunista.
Como já mostraram pesquisas do Datafolha,
tais ideias contam com apoio
minoritário na sociedade brasileira. Em maio, 71% dos
entrevistaram disseram discordar da ampliação do acesso a armas, com a qual
concordaram 28%.
O mínimo que se espera é que a discussão
seja travada às claras, na arena legislativa, com dados e argumentos. A
providência mais imediata, a cargo do Supremo Tribunal Federal, é deliberar
sobre a legalidade de decretos de Bolsonaro.
O julgamento está suspenso desde setembro
de 2021 por um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques —indicado à
corte pelo atual ocupante do Planalto.
Saga funerária
Folha de S. Paulo
Meritória, privatização dos cemitérios será
tentada mais uma vez em São Paulo
Com a
publicação de um novo edital, a Prefeitura de São Paulo adicionou
mais um capítulo à saga em que se converteu, nos últimos anos, o processo de
concessão dos serviços dos 22 cemitérios municipais à iniciativa privada.
Trata-se de nada menos que a sexta
tentativa desde 2017 —e, para o bem dos paulistanos, espera-se que desta vez a
iniciativa possa finalmente chegar a bom termo.
Afinal, são bem conhecidas as mazelas e os
desvios que atingem o
serviço funerário da capital paulista.
Em 2019, por exemplo, cinco relatórios
produzidos pela Controladoria Geral do Município desvelaram irregularidades em
contratos, desperdício milionário de recursos públicos e desrespeito com os
despojos dos mortos.
Por cinco vezes, entretanto, as tentativas
de privatização terminaram barradas pelo Tribunal de Contas do Município (TCM).
Na mais recente delas, ocorrida em março
deste ano, o TCM apontou risco de concentração de mercado, dado que um mesmo
licitante poderia adquirir mais de um dos quatro blocos nos quais a
municipalidade dividiu os cemitérios.
A prefeitura acolheu as sugestões do
tribunal e produziu um novo edital, no qual se estipula que os campos-santos
serão concedidos pelo prazo de 25 anos, incluindo suas gestão, operação,
manutenção e revitalização.
Prevê-se ainda a expansão da estrutura já
existente, com a construção de mais três crematórios —hoje, o serviço municipal
conta com apenas um, na zona leste.
Os interessados deverão pagar ao município,
pelos quatro blocos, um montante inicial de aproximadamente R$ 540 milhões,
além de 4% das receitas. No total, entre despesas e intervenções obrigatórias,
os valores estimados para os contratos somam mais de R$ 7 bilhões.
A gestão Ricardo Nunes (MDB) estipulou que
todas as gratuidades existentes precisarão ser mantidas e que haverá valores
máximos para a cobrança dos trabalhos funerários, a saber, os praticados hoje.
Com controle rígido sobre a atuação dos
concessionários, a transferência dos cemitérios à iniciativa privada tem
potencial para melhorar o serviço. Um sofrimento a menos para aqueles que já
passam por um duro momento.
Explícita compra de votos
O Estado de S. Paulo
Ao distribuir dinheiro a caminhoneiros e famílias pobres, sem planejamento e a menos de 100 dias das eleições, Bolsonaro dá argumentos para nulidade de sua candidatura
O presidente Jair Bolsonaro aparentemente
não está satisfeito somente em legar ao País a destruição de políticas públicas
consolidadas. O Executivo pretende agora ignorar as restrições legais e, às
vésperas das eleições, criar um novo programa para ajudar caminhoneiros
autônomos com o pagamento mensal de mil reais para a compra de diesel. O fato
de não haver uma base de dados atualizada sobre o setor ou qualquer estudo
sobre as dificuldades dos motoristas não será um empecilho. Como mostrou
o Estadão, quem constar de um cadastro genérico e desatualizado da Agência
Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) estará apto a receber o benefício. Ou
seja, não há preocupação nem com o foco do programa nem com eventuais fraudes.
Para Bolsonaro, só interessa o potencial eleitoral da distribuição de dinheiro.
A tentativa de compra de votos é tão explícita que será difícil, para a Justiça
Eleitoral, encontrar argumentos para ignorar o crime que está para ser
cometido.
Criado por lei em 2007 para servir como
referência da estrutura logística do País, o Registro Nacional de
Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) inclui caminhoneiros, mas também
motoristas de furgões e de vans. Como a inserção de dados não exige
revalidação, basta fazer o cadastro pela internet, o que pode ser realizado
tanto pelo profissional quanto pelo sindicato que o representa. De acordo com a
ANTT, haveria 872.320 transportadores autônomos de cargas no País em 2017, um
cenário que sofreu mudanças drásticas após a greve de 2018, quando empresas passaram
a operar com frota própria e a contratar transportadoras que formalizam
motoristas como empregados.
A frouxidão do controle sobre os
beneficiários de programas sociais é um padrão do governo Bolsonaro. Começou
com o Auxílio Emergencial, quando o ministro Paulo Guedes alegou ter descoberto
milhões de “invisíveis” na pandemia de covid-19 em 2020, ignorando as
informações reunidas em mais de 20 anos de existência do Cadastro Único dos
programas sociais. À época, a União aceitou pagar R$ 600 para cada um que
passasse pelos parcos controles do programa. Ao todo, 67,9 milhões de pessoas,
quase um terço da população, foram beneficiadas – quem precisava e quem não
precisava. Sabe-se que pelo menos 3,02 milhões de pessoas receberam
indevidamente R$ 1,072 bilhão em recursos públicos, segundo relatório da
Controladoria-Geral da União (CGU).
Foi no período de vigência do Auxílio
Emergencial que Bolsonaro registrou seus melhores índices de aprovação. Logo,
no raciocínio oportunista que predomina hoje no Palácio do Planalto, a única
maneira de impulsionar as chances eleitorais de Bolsonaro seria injetar
“dinheiro na veia do povo”, como classificou em 2020, a propósito do Auxílio
Emergencial, o ministro da Economia, Paulo Guedes, outrora liberal e hoje
completamente alinhado ao populismo ordinário do presidente.
Se o foco do governo estivesse no resgate
das famílias mais vulneráveis, como deveria ser, o correto seria investir para
zerar a fila de beneficiários do Auxílio Brasil, estimada em 2,78 milhões de
famílias, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), e diminuir o
longo tempo de espera para agendar um atendimento nos Centros de Referência da
Assistência Social (Cras). Combater a fome será tarefa impossível sem socorrer
os que mais precisam.
Mas a necropolítica bolsonarista não se importa se há brasileiros sem ter o que comer. Hoje, como sempre, Bolsonaro só usa a poderosa caneta presidencial para viabilizar o pagamento do “bolsa-eleição”. Com esse objetivo, o governo cogita até inventar um “estado de emergência” para liberar gastos em ano eleitoral e fora do teto fiscal, algo escandalosamente ilegal. Ou seja, Bolsonaro dá de bandeja argumentos para a nulidade de sua candidatura, mas não parece preocupado com isso, pois talvez aposte na impunidade. Assim, roga-se que as autoridades eleitorais e judiciais do País não fiquem inertes diante de tal afronta às leis vigentes, especialmente as que determinam igualdade de condições entre os candidatos e as que impõem limites cristalinos aos gastos públicos.
BC leva meta de inflação a sério
O Estado de S. Paulo
Com arrocho nos juros, Copom felizmente faz sua parte contra a alta de preços, enquanto Executivo e Legislativo, que só se importam com as eleições, mantêm e ampliam baderna fiscal
O pior momento da inflação passou, disse
com aparente otimismo o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto.
Mas o tom realista predominou em seguida: falta entender o impacto de “algumas
medidas desenhadas pelo governo”. A advertência é clara: ainda é preciso saber
o efeito das bondades eleitorais. Aumento de gastos, corte de impostos e
consequente insegurança fiscal poderão criar pressões inflacionárias. É cedo,
portanto, para afrouxar a política, e há excelentes motivos, poderia ter
acrescentado, para manter em 3% a meta de inflação até 2025, repetindo a de
2024.
Essa meta, segundo alguns, é irrealista e
impõe, de forma ineficiente, a adoção de juros muito altos e prejudiciais ao
crescimento econômico. Em 2021, a inflação chegou a 10,06%, passando longe do
centro do alvo, de 3,75%, e até do limite de tolerância, de 5,25%. Algo
parecido está previsto para este ano. Estima-se inflação próxima de 9%, muito
acima do objetivo central, de 3,50%, e do teto, de 5%. Trabalha-se com meta de
3,25% para 2023 e de 3% para o ano seguinte. Os objetivos são fixados, com
limites de tolerância acima e abaixo, pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Integram o conselho o ministro da Economia, o secretário de Tesouro e Orçamento
do Ministério da Economia e o presidente do BC.
Fatores importantes, internos e externos,
continuam pressionando os preços para cima e dificultando a ação
anti-inflacionária, mas isso de nenhum modo justifica uma ação mais frouxa da
autoridade monetária. Ao contrário: qualquer sinal de afrouxamento, ou de
tolerância aos aumentos, poderia estimular mais desarranjos e produzir efeitos
desastrosos nos próximos dois anos. Seria um péssimo legado para o próximo
governo e uma grave ameaça ao bem-estar dos brasileiros, principalmente dos
desempregados e de milhões de pobres.
Não há sinal de leniência da autoridade
monetária, apesar de algum indício de otimismo. “Acreditamos que a maior parte
do processo já foi feita”, disse o presidente do BC, na segunda-feira, durante
o Fórum Jurídico de Lisboa. Campos Neto, no entanto, logo lembrou a importância
de completar o trabalho de “ancorar expectativas”, isto é, de instilar nos
agentes econômicos a confiança no sucesso em relação às metas.
A disposição de manter uma dura política de
ajuste já havia sido reafirmada na ata da última reunião do Copom, o Comitê de
Política Monetária do BC. Elevada para 13,25% nessa reunião, a taxa básica de
juros deverá ser mais uma vez aumentada na próxima sessão do comitê. O próximo
ajuste, de acordo com a ata, poderá ser inferior ou igual ao anterior, quando a
variação foi de 0,5 ponto porcentual.
O presidente do BC e seus companheiros têm
reafirmado a disposição de manter sua política até a inflação se aproximar da
meta. Mesmo com alguma redução, os juros básicos deverão continuar muito altos
pelo menos até o fim de 2023. Dinheiro caro será um entrave à expansão
econômica e manterá elevado o custo da dívida pública. Mas com essa política o
BC continuará empenhado na tarefa principal de frear a alta dos preços.
As declarações de Campos Neto deixam
implícito um recado político muito importante: o BC está realizando seu
trabalho e cumprindo sua obrigação mais importante, a mesma atribuída como
objetivo primordial às autoridades monetárias em outros países. Inflação
contida é sempre o alvo número um, mesmo quando um BC, como o dos Estados
Unidos, tem de levar em conta, como parte de seu mandato legal, a preservação
do emprego. A consideração do emprego também aparece nas deliberações do Copom,
mas sem implicar desleixo em relação aos preços.
O recado implícito inclui um lembrete
relativo à disciplina fiscal. Os Poderes da República, principalmente o
Executivo e o Legislativo, contribuirão de forma importante para o controle da
inflação se cuidarem melhor das finanças públicas, evitando bondades
eleitorais, ações populistas e barbaridades como o orçamento secreto. Será
inútil protestar contra terapias muito duras, se toda a responsabilidade ficar
para o Banco Central.
Politicagem na política externa
O Estado de S. Paulo
PEC que permite a parlamentar assumir embaixada mantendo o mandato mistura questões de Estado com política miúda
Um grupo de senadores liderados por Davi
Alcolumbre (União-AP) busca aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
permitindo que parlamentares ocupem cargos de embaixador sem renunciar ao
mandato. Isso em nada tem a ver com os interesses da política externa. É apenas
mais uma tentativa de congressistas clientelistas, no fim de feira em que se
transformou o governo Jair Bolsonaro, de ampliar seu balcão de negócios com
novas mercadorias.
Diplomatas são funcionários concursados de
carreira ligados ao quadro de profissionais do Itamaraty. A lei já prevê a
nomeação excepcional de brasileiros reputados por mérito e experiência. Não é
incomum, no Brasil e em outros países, que chefias de missões permanentes sejam
exercidas por juristas e mesmo políticos. Incomum é que os políticos exerçam
essa função mantendo seu mandato.
Alcolumbre argumenta que é uma “afronta ao
bom senso” o fato de um congressista poder exercer o cargo de ministro das
Relações Exteriores sem a obrigatoriedade de renunciar, mas ter essa “amarra”
para ser embaixador. A prevalecer esse entendimento, não só os cargos
diplomáticos, mas todos os cargos exercidos por profissionais de carreira em
quaisquer ministérios estariam sujeitos a ser ocupados por parlamentares.
É justamente a garantia de que os ministros
exercerão suas funções políticas sobre um quadro de profissionais técnico e
isento que assegura o equilíbrio entre as vontades do governo e os interesses
do Estado. Os riscos de conflito com a PEC são evidentes. Os interesses de
Estado, nacionais, poderiam ser sobrepostos pelos interesses regionais e
partidários dos congressistas.
A politização da diplomacia ameaça uma das
ilhas de excelência do serviço público do Estado brasileiro. “Isso é o
princípio da destruição da carreira diplomática como tal”, disse a embaixadora
aposentada Maria Celina de Azevedo Rodrigues, presidente da Associação de
Diplomatas Brasileiros. “Você acha que jovens vão entrar no Itamaraty para
disputar no par ou ímpar com deputado ou senador, em troca de voto político?”
Alcolumbre sabe perfeitamente bem as razões
dos constituintes. Na justificativa da PEC se diz que até agora prevaleceu o
entendimento de que “a possibilidade de indicação de deputados e senadores para
a ocupação de cargos de chefia de missão diplomática permanente representaria o
sequestro da política internacional pela política miúda, fisiológica, em troca
de apoio ao chefe do Poder Executivo”. Mas, segundo ele, “a restrição consistia
em discriminação odiosa aos parlamentares”. O senador argumenta que “o mundo
mudou significativamente nos últimos 33 anos”.
O mundo mudou. Mas os princípios que em 200
anos de regime constitucional garantiram a qualidade dos quadros diplomáticos
brasileiros e o equilíbrio entre os Poderes da República não mudaram. Tampouco
mudou o apetite de certas alas políticas por cargos e comissões de Estado a
serviço de seus interesses paroquiais. O constituinte sempre soube que isso não
mudaria e por isso estabeleceu os limites que agora estão ameaçados.
Bolsonaro aposta no vale-tudo em nome de
manter o poder
O Globo
Se alguém ainda duvidava de que o
presidente Jair Bolsonaro tem plena consciência da crise econômica e
institucional que está semeando, a incerteza foi dirimida nesta semana com
o decreto presidencial que dá poderes à Advocacia-Geral da União
(AGU), chefiada por um fiel aliado, para opinar se atos do governo ferem a
legislação eleitoral. Não poderia haver confissão de culpa mais
contundente. Como muitos dos gastos destinados a elevar as chances de reeleição
são inconstitucionais, Bolsonaro optou por essa “gambiarra”, na descrição
precisa do colunista do GLOBO Merval Pereira.
A validade do novo subterfúgio será tema de
acalorado debate jurídico ainda sem data para acabar. No mercado financeiro,
como sempre, a resposta é mais rápida. Já há um veredito. Os investidores estão
assustados com as pretensas “bondades” eleitorais do presidente em busca
desesperada por um novo mandato. É nítido o efeito das medidas e discussões
para intervir na Petrobras tentando segurar a alta dos combustíveis, distribuir
benesses aos caminhoneiros e aumentar para R$ 600 o valor do Auxílio Brasil, o
substituto do Bolsa Família.
O impacto fiscal de todas as ideias que têm
saído do Planalto nas últimas semanas ainda é uma incógnita, mas poderá chegar
facilmente perto de 1% do PIB. É uma conta que, em sua maior parte, todos os
brasileiros continuarão a pagar doravante no Orçamento da União. Só o aumento
no Auxílio Brasil, pelos cálculos do economista e colunista do GLOBO Fabio
Giambiagi, consumiria metade do ganho fiscal proporcionado pela reforma da
Previdência nos próximos dez anos.
Não é à toa que a percepção de risco tem
crescido entre os investidores. A recente desvalorização do real e a
instabilidade na Bolsa não são os únicos indicadores do mau humor do mercado.
Um levantamento da consultoria Tendências, revelado pelo GLOBO, mostra que
papéis que oferecem uma espécie de seguro contra calote na dívida brasileira
atingiram na semana passada 290 pontos, nível mais alto desde maio de 2020. Na
comparação com os vizinhos, o desempenho do Brasil é sofrível. Desde o início
de 2022, a média de Colômbia, Chile, Peru e México avançou de 110 para os 167
pontos.
Está cristalizada entre os investidores a
percepção de que não tem limite a sanha do governo para atropelar o bom senso
na gestão do gasto público. Se a Petrobras é vista como empecilho para os
planos de Bolsonaro, por que não mudar a Lei das Estatais, que blindou a
petroleira de intervenção política a partir do governo Temer? Se há barreiras
legais contra novos gastos em ano de eleição, por que não decretar um estado de
emergência, para suspender regras fiscais e eleitorais? Se as pesquisas apontam
para a derrota, por que não espalhar mais mentiras sobre as urnas eletrônicas e
semear a cizânia?
Para Bolsonaro, vale tudo em nome da
manutenção do poder. A estratégia de terra arrasada, mesmo que possa afetar a
ele próprio em caso de vitória, tem longa tradição na política brasileira. Mas
o histórico de outros políticos que promoveram gastança e quebradeira antes de
eleições não torna os atos de Bolsonaro menos graves. Nem serve para eximi-lo
da culpa por eventuais crimes eleitorais. Os avanços institucionais das últimas
décadas resultaram nas leis que regem as eleições, as estatais e a disciplina
fiscal. O Brasil não pode permitir retrocesso.
Escolas devem permanecer abertas, apesar da
nova onda de Covid-19
O Globo
Quando depararam com a ameaça do novo
coronavírus em 2020, gestores federais, estaduais e municipais de Educação
optaram pela solução mais fácil para enfrentar o problema: fechar as escolas.
Era uma medida drástica que se justificava naquele momento em que nada se sabia
sobre o vírus, mas foi estendida demais. Quase dois anos e meio depois, o
equívoco, que atirou no limbo o já claudicante ensino brasileiro, ficou
evidente. Por isso mesmo não pode ser repetido. Em meio à nova onda de
Covid-19, traduzida pelo aumento nos casos e nas mortes, todos precisam ouvir o
apelo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para que se mantenham as aulas
presenciais.
Em nota técnica, o grupo de trabalho
dedicado a avaliar o retorno seguro às aulas presenciais desde o início da
pandemia defende que as escolas continuem abertas, por não representarem risco
significativo para o aumento do contágio. “Decorrido todo esse tempo com
períodos de maior ou menor transmissão do Sars-CoV-2, pode-se afirmar que as
atividades presenciais nas escolas não têm sido associadas a eventos de maior
transmissão do vírus”, afirma o documento.
Os pesquisadores ressaltam que o registro
de infectados nas escolas não significa necessariamente que a transmissão se
deu em sala de aula. São, segundo eles, contaminações em sua maioria ocorridas
fora do ambiente escolar. “A experiência atual, comprovada por estudos de
relevância, revela disseminação limitada de Covid-19 nas escolas”, diz a
Fiocruz. Ainda de acordo com a nota técnica, a transmissão entre funcionários é
mais frequente que entre alunos e funcionários ou entre os próprios estudantes.
Não significa, claro, que não se deva fazer
nada. A própria Fiocruz apresenta o receituário. Recomenda avançar na vacinação
infantil (cinco meses depois de iniciada a campanha, apenas pouco mais de 60%
das crianças de 5 a 11 anos foram imunizadas), ampliar a testagem, afastar
casos positivos ou com sintomas respiratórios e adotar medidas de proteção
conhecidas, como melhoria da ventilação, higiene das mãos e uso de máscaras.
O fechamento de escolas na pandemia não
ocorreu só no Brasil, mas o país exagerou na dose. Manteve por quase dois anos
os alunos afastados da sala de aula. O estrago foi colossal, já que o ensino
remoto, onde existiu, fracassou. Os alunos pouco ou nada aprenderam nesse
período, como atestam os números vergonhosos de avaliações realizadas desde então.
Sem falar nos graves danos causados pelo afastamento do convívio social.
Diante do avanço da vacinação, nem de longe a nova onda traz preocupação comparável à de 2020 ou 2021. As escolas devem seguir as recomendações da Fiocruz, adotar as medidas de proteção necessárias e manter as aulas presenciais. Seria o cúmulo voltar a fechar escolas quando todas as demais atividades funcionam, e a própria população age como se não houvesse mais pandemia. É preciso aprender com os erros.
Planos de Bolsonaro não se detêm diante das
leis
Valor Econômico
Bolsonaro vai aos poucos derrubando o
arsenal de austeridade com o qual assumiu e outros mais
A prisão do ex-ministro da Educação Milton
Ribeiro trouxe mais reveses inesperados para Jair Bolsonaro, em um mês repleto
deles. Os dissabores causados pela traficância de interesses no MEC se somam ao
dos mercadores de vacinas inexistentes no Ministério da Saúde, revelado pela
CPI da Covid, e ambos roubam argumentos do discurso do presidente de que não há
corrupção em seu governo. Os problemas não terminaram: o juiz Renato Borelli
encaminhou o caso ao Supremo Tribunal Federal, porque o Ministério Público viu
“indício de vazamento da operação policial e interferência ilícita do Presidente
da República”.
Com a disparada dos preços de combustíveis
e da inflação, as chances eleitorais de Bolsonaro estão diminuindo, assim como
o tempo que lhe resta para melhorar sua performance nas pesquisas até as
eleições, daqui a 95 dias. Com a Justiça no encalço de pastores que visitavam o
Planalto e no do incompetente ministro da Educação, a estratégia de Bolsonaro e
seus amigos do Centrão mudou ao sabor das necessidades. Sem planejamento e
destrutivo, o governo, que ainda não conseguiu encontrar uma fórmula de
suavizar as altas dos combustíveis, desistiu de compensar os Estados que
zerassem o ICMS do diesel e do gás e também de fazê-lo para os Estados que
perdessem receitas com a redução das tarifas do ICMS à média padrão de 17%-18%
por serem considerados bens essenciais.
A PEC dos combustíveis, que passou na
Câmara e está no Senado, reservou R$ 29,6 bilhões para esse fim. O governo
resolveu utilizá-los em uma nova cartada eleitoral, passando por cima da regra
do teto de gastos, da Lei de Responsabilidade Fiscal e da lei eleitoral, que
proíbe programas como os que Bolsonaro e Lira querem implantar a pouco mais de
três meses do primeiro turno.
A manobra consiste em aumentar até o fim do
ano em R$ 200 o Auxílio Brasil, dobrar o valor do vale gás e conceder R$ 1 mil
aos caminhoneiros, por fora do teto de gastos. Para driblar a restrição do
teto, cogita-se inserir na PEC no Senado até mesmo a decretação do estado de
emergência, que abriria a porteira das despesas públicas, que possivelmente não
ficariam restritas aos benefícios mencionados, mas às carências imensuráveis de
um candidato em sérios apuros eleitorais.
Os áudios do ex-ministro Milton Ribeiro
revelam que Bolsonaro teria ligado para ele, quando viajava para os Estados
Unidos para a Cúpula das Américas, e teria avisado que tivera um
“pressentimento” de que poderia haver operação de busca e apreensão na casa do
pastor. O presidente esteve acompanhado na viagem do ministro da Justiça,
Anderson Torres, a quem a Polícia Federal, que realizou as buscas, é
subordinada. O delegado da PF, Bruno Callandrini, que conduziu as operações,
disse que houve “interferência” na condução do processo e que Ribeiro teve
“tratamento privilegiado”. As suspeitas sobre o caso, que agora envolvem
Bolsonaro, podem dar impulso à CPI do MEC que, se instalada, manteria em pleno
período eleitoral um clima adverso ao presidente.
A cúpula do Centrão, que acompanha o
presidente em sua empreitada eleitoral, estimulou Bolsonaro a adotar as únicas
medidas que poderão reduzir danos à imagem de um governo sitiado pela carestia:
a distribuição direta de auxílio financeiro aos eleitores. As contas feitas
pelo relator da PEC dos combustíveis no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE),
estimam necessidade de R$ 34,8 bilhões para as medidas, que ainda incluem
gratuitade de idosos nos transportes urbanos e manutenção da competitividade do
etanol.
Como não há dinheiro para isso e, mesmo se
houvesse, as leis proíbem que se faça uso desses recursos em período eleitoral,
o governo parece decidido a mandar tudo para os ares. Bezerra estuda um meio de
reconhecer o estado de emergência em transportes para liberar os recursos. Ou
seja, basta o governo inventar uma emergência para driblar a Constituição e as
leis, inscrevendo na própria Carta Magna uma emenda que contraria seu espírito,
desmoralizando-a ao modificá-la para inscrever medidas temporárias que não
duram 6 meses.
Bolsonaro vai aos poucos derrubando o arsenal de austeridade com o qual assumiu e outros mais. Caio Paes de Andrade, indicado por Bolsonaro para presidir a Petrobras, claramente não preenchia os requisitos exigidos pela lei das estatais para ocupar tal posição. Para agradar ao presidente, a lei foi deixada de lado e essa avacalhação da institucionalidade não costuma terminar bem.
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