Folha de S. Paulo
Atraso e descaso nas buscas revelam não um
descuido, mas um projeto
"Pode ser acidente, pode ser que eles
tenham sido executados", disse Bolsonaro nesta terça-feira (7) sobre o
desaparecimento do indigenista Bruno
Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips,
no Amazonas, no último domingo. "Duas pessoas apenas num barco, numa
região daquela, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável
que se faça."
A execução, que friamente Bolsonaro cogita como uma platitude, e a selvageria da região, que sorrateiramente Bolsonaro menciona, são fenômenos que seu governo não só tolerou, mas incentivou --pelo discurso contra ativistas, jornalistas e povos indígenas e quilombolas e por falhar em prevenir e punir privados. A selvageria a que Bolsonaro se refere é a barbárie construída nas salas com ar-condicionado do Palácio do Planalto.
Que o desprezo pela vida humana é tão
idiossincrásico a Bolsonaro ao ponto de defini-lo politicamente disso já
sabíamos; o que fica evidente agora é mais diabólico. Bolsonaro colhe os frutos
de anos de desgoverno na Amazônia. O atraso em emitir qualquer declaração (no
terceiro dia, veio a dizer asneiras) e a lentidão em mobilizar as Forças
Armadas (em contradição ao discurso militar de guardiões da Amazônia) revelam
não um descuido, mas um projeto.
O Brasil é o quarto país do mundo que mais
mata ativistas ambientais, segundo a Global Witness em 2021; e o segundo país
da América Latina com mais jornalistas mortos, entre 2010 e 2017, de acordo com
a Repórteres Sem Fronteiras (RSF); é o país do genocídio indígena e da falta de
fiscalização e alternativa ao garimpo ilegal. Apontar que o desaparecimento de
Bruno e de Dom se insere num contexto maior é demandar que tanto este quanto as
causas que geram outros iguais sejam solucionadas.
"Amazônia é do Brasil, não é de vocês", esbravejou Jair Bolsonaro ao mesmo jornalista Dom Phillips em 2019. Se é nossa, presidente, onde estão Bruno e Dom, estes e tantos outros?
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