quinta-feira, 9 de junho de 2022

Thiago Amparo: Os muitos Brunos e Doms no Brasil

Folha de S. Paulo

Atraso e descaso nas buscas revelam não um descuido, mas um projeto

"Pode ser acidente, pode ser que eles tenham sido executados", disse Bolsonaro nesta terça-feira (7) sobre o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, no Amazonas, no último domingo. "Duas pessoas apenas num barco, numa região daquela, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça."

A execução, que friamente Bolsonaro cogita como uma platitude, e a selvageria da região, que sorrateiramente Bolsonaro menciona, são fenômenos que seu governo não só tolerou, mas incentivou --pelo discurso contra ativistas, jornalistas e povos indígenas e quilombolas e por falhar em prevenir e punir privados. A selvageria a que Bolsonaro se refere é a barbárie construída nas salas com ar-condicionado do Palácio do Planalto.

Que o desprezo pela vida humana é tão idiossincrásico a Bolsonaro ao ponto de defini-lo politicamente disso já sabíamos; o que fica evidente agora é mais diabólico. Bolsonaro colhe os frutos de anos de desgoverno na Amazônia. O atraso em emitir qualquer declaração (no terceiro dia, veio a dizer asneiras) e a lentidão em mobilizar as Forças Armadas (em contradição ao discurso militar de guardiões da Amazônia) revelam não um descuido, mas um projeto.

O Brasil é o quarto país do mundo que mais mata ativistas ambientais, segundo a Global Witness em 2021; e o segundo país da América Latina com mais jornalistas mortos, entre 2010 e 2017, de acordo com a Repórteres Sem Fronteiras (RSF); é o país do genocídio indígena e da falta de fiscalização e alternativa ao garimpo ilegal. Apontar que o desaparecimento de Bruno e de Dom se insere num contexto maior é demandar que tanto este quanto as causas que geram outros iguais sejam solucionadas.

"Amazônia é do Brasil, não é de vocês", esbravejou Jair Bolsonaro ao mesmo jornalista Dom Phillips em 2019. Se é nossa, presidente, onde estão Bruno e Dom, estes e tantos outros?

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