Tais movimentações parecem indicar que o
panorama eleitoral ainda não está de todo definido, mesmo que se veja nele um
cenário pouco afeito a mudanças, com o embate se concentrando em Lula e
Bolsonaro. Se alguma coisa se move na atual disputa, tudo indica que não será
capaz de alterar os termos em que ela acabou se desenhando.
Mas algo de novo ocorreu nos últimos dias. Há pouca discordância de que o fato novo a se registrar foi a carta Estado de Direito Sempre, redigida por professores de Direito da USP, que causou um enorme impacto. A carta foi imediatamente traduzida como Carta em Defesa da Democracia, movimentou o cenário político e repercutiu na arena eleitoral. A Carta representa efetivamente um divisor de águas porque alterou o centro de gravidade da conjuntura política.
A adesão a ela – atualmente ultrapassando
500 mil assinaturas – revelou um sentimento presente na sociedade civil como há
muito não se via. Por seu escopo e pela diversidade político-ideológica de seus
signatários, pode-se dizer que politicamente a carta expressa uma “frente
ampla” ou mais corretamente uma “frente democrática”, até o momento adormecida,
que emergiu vigorosamente como reação às iniciativas destrambelhadas de
Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, o sistema eleitoral e o próprio sistema
jurídico da democracia brasileira.
Como enfatizou a colunista do Estado
de São Paulo, Eliane Cantanhêde, a Carta em Defesa da Democracia resgatou
o espírito da luta democrática do passado e estabeleceu uma conexão com a
necessária defesa da democracia frente a uma liderança extremista e
antidemocrática que está à testa do governo federal. Segundo a articulista, a
Carta conecta as “Diretas Já de 1984” com o anseio da sociedade em
garantir “Democracia Sempre!”.
É esse o lugar que ocupa a Carta em Defesa da Democracia, vale dizer, o de uma “frente ampla” pela democracia ou, mais corretamente, o de uma “frente democrática” que se manifesta como o espirito que preside os valores e os desejos de uma sociedade que construiu e quer garantir a democracia. Desejo que não se confunde – vale a pena registrar – com a tal de “frente ampla” que apoia a candidatura de Lula.
Não se confunde pelo simples fato de que
esse espírito expresso na Carta está presente em todas as
candidaturas que se postam contra Bolsonaro. É a expressão do embate
plebiscitário que agora a sociedade civil organizada assume integralmente,
isolando a candidatura da extrema-direita. o que não deixa dúvidas de que a
“frente democrática”, entendida como “frente ampla” em defesa da democracia,
angaria um apoio bastante extensivo.
E deixa claro que, até o momento, a “frente
eleitoral” em torno de Lula não é outra coisa senão uma coalisão de partidos
contra a reeleição de Bolsonaro e se estabelece em torno de um candidato que
demonstra capacidade de alcançar esse objetivo – algo que nenhuma candidatura
tem.
A proposição de uma “frente democrática” nunca se estabeleceu como uma fórmula produtiva do ponto de vista eleitoral na sucessão de Bolsonaro. O pluralismo político que a sociedade carrega, a adesão à competitividade política como uma esfera democrática legítima e a consagração da “democracia de audiência” entre nós, são alguns dos elementos que obstaculizaram a possibilidade de êxito à fórmula da “frente democrática” do ponto de vista eleitoral.
O retorno de Lula e a polarização que se
estabeleceu com Bolsonaro acabou condicionando os termos da disputa eleitoral a
opções estanques: “nós contra eles”; “bem contra o mal”. Com isso, a
alternativa das forças do centro político só poderia ser a de criar um “novo
polo” eleitoral que requalificasse o debate e a disputa política. E isso não
significava, como alguns entenderam, se afastar da defesa da democracia. Esse
“novo polo” poderia representar uma “alternativa democrática e progressista”
real à atual polarização que, consensualmente, é entendida como nefasta à
democracia brasileira.
Não ausência desse “novo polo” – uma vez
que nem Ciro Gomes, por seu passadismo nacional-desenvolvimentista, nem a
candidatura de Simone Tebet, por resultar de um pragmatismo partidário restrito
e equivocado –, o centro político passou a figurar como incapaz de articular
uma proposta convincente para o conjunto da sociedade que não fosse o déjà-vu em
doses beligerantes de Ciro ou em gotas homeopáticas de moderantismo, no caso de
Tebet.
Não é inteiramente certo que as
candidaturas se mantenham até o final. Pode-se cogitar a possibilidade de a
“frente lulista” encarnar eleitoralmente a “frente democrática” agora
sustentada pela sociedade civil organizada. Caso isso ocorra, aumentam a
probabilidade de vitória da democracia. Não será a merecida vitória da “frente
democrática”, com todas suas cores e tons, mas é o que temos para hoje.
*Professor Titular de História da
UNESP-Franca-SP e curador do Blog Horizontes Democráticos
Um comentário:
É o que temos pra hoje,fazer o quê?
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