domingo, 31 de julho de 2022

Alberto Aggio* - Emerge a frente democrática

Precisamente no momento em que a mídia anuncia que as pré-candidaturas à presidência da República se oficializam nas suas respectivas Convenções, começa uma certa movimentação de alguns candidatos aparentemente em deriva rumo à candidatura Lula. A mídia registrou incomuns elogios de Ciro Gomes a Lula bem como giro ainda mais ostensivo de André Janones em direção ao líder petista e assim os vem interpretando.

Tais movimentações parecem indicar que o panorama eleitoral ainda não está de todo definido, mesmo que se veja nele um cenário pouco afeito a mudanças, com o embate se concentrando em Lula e Bolsonaro. Se alguma coisa se move na atual disputa, tudo indica que não será capaz de alterar os termos em que ela acabou se desenhando.

Mas algo de novo ocorreu nos últimos dias. Há pouca discordância de que o fato novo a se registrar foi a carta Estado de Direito Sempre, redigida por professores de Direito da USP, que causou um enorme impacto. A carta foi imediatamente traduzida como Carta em Defesa da Democracia, movimentou o cenário político e repercutiu na arena eleitoral. A Carta representa efetivamente um divisor de águas porque alterou o centro de gravidade da conjuntura política.

A adesão a ela – atualmente ultrapassando 500 mil assinaturas – revelou um sentimento presente na sociedade civil como há muito não se via. Por seu escopo e pela diversidade político-ideológica de seus signatários, pode-se dizer que politicamente a carta expressa uma “frente ampla” ou mais corretamente uma “frente democrática”, até o momento adormecida, que emergiu vigorosamente como reação às iniciativas destrambelhadas de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, o sistema eleitoral e o próprio sistema jurídico da democracia brasileira.

Como enfatizou a colunista do Estado de São Paulo, Eliane Cantanhêde, a Carta em Defesa da Democracia resgatou o espírito da luta democrática do passado e estabeleceu uma conexão com a necessária defesa da democracia frente a uma liderança extremista e antidemocrática que está à testa do governo federal. Segundo a articulista, a Carta conecta as “Diretas Já de 1984” com o anseio da sociedade em garantir “Democracia Sempre!”.

É esse o lugar que ocupa a Carta em Defesa da Democracia, vale dizer, o de uma “frente ampla” pela democracia ou, mais corretamente, o de uma “frente democrática” que se manifesta como o espirito que preside os valores e os desejos de uma sociedade que construiu e quer garantir a democracia. Desejo que não se confunde – vale a pena registrar – com a tal de “frente ampla” que apoia a candidatura de Lula.

Não se confunde pelo simples fato de que esse espírito expresso na Carta está presente em todas as candidaturas que se postam contra Bolsonaro. É a expressão do embate plebiscitário que agora a sociedade civil organizada assume integralmente, isolando a candidatura da extrema-direita. o que não deixa dúvidas de que a “frente democrática”, entendida como “frente ampla” em defesa da democracia, angaria um apoio bastante extensivo.

E deixa claro que, até o momento, a “frente eleitoral” em torno de Lula não é outra coisa senão uma coalisão de partidos contra a reeleição de Bolsonaro e se estabelece em torno de um candidato que demonstra capacidade de alcançar esse objetivo – algo que nenhuma candidatura tem.

A proposição de uma “frente democrática” nunca se estabeleceu como uma fórmula produtiva do ponto de vista eleitoral na sucessão de Bolsonaro. O pluralismo político que a sociedade carrega, a adesão à competitividade política como uma esfera democrática legítima e a consagração da “democracia de audiência” entre nós, são alguns dos elementos que obstaculizaram a possibilidade de êxito à fórmula da “frente democrática” do ponto de vista eleitoral.

O retorno de Lula e a polarização que se estabeleceu com Bolsonaro acabou condicionando os termos da disputa eleitoral a opções estanques: “nós contra eles”; “bem contra o mal”. Com isso, a alternativa das forças do centro político só poderia ser a de criar um “novo polo” eleitoral que requalificasse o debate e a disputa política. E isso não significava, como alguns entenderam, se afastar da defesa da democracia. Esse “novo polo” poderia representar uma “alternativa democrática e progressista” real à atual polarização que, consensualmente, é entendida como nefasta à democracia brasileira.

Não ausência desse “novo polo” – uma vez que nem Ciro Gomes, por seu passadismo nacional-desenvolvimentista, nem a candidatura de Simone Tebet, por resultar de um pragmatismo partidário restrito e equivocado –, o centro político passou a figurar como incapaz de articular uma proposta convincente para o conjunto da sociedade que não fosse o déjà-vu em doses beligerantes de Ciro ou em gotas homeopáticas de moderantismo, no caso de Tebet.

Não é inteiramente certo que as candidaturas se mantenham até o final. Pode-se cogitar a possibilidade de a “frente lulista” encarnar eleitoralmente a “frente democrática” agora sustentada pela sociedade civil organizada. Caso isso ocorra, aumentam a probabilidade de vitória da democracia. Não será a merecida vitória da “frente democrática”, com todas suas cores e tons, mas é o que temos para hoje.

*Professor Titular de História da UNESP-Franca-SP e curador do Blog Horizontes Democráticos

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

É o que temos pra hoje,fazer o quê?