Editoriais / Opiniões
Democracia sempre
Folha de S. Paulo
Sociedade reage e expressa adesão
incondicional aos valores democráticos e repúdio ao golpismo
Os manifestos em articulação na cidadania e
entre associações da iniciativa privada contra as ameaças
golpistas do presidente da República reforçam e renovam, na sua
origem, os compromissos fundadores do pacto democrático nacional.
A carta organizada por ex-alunos da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, endossada a esta altura
por centenas de
milhares de subscritores, aciona o vínculo primordial do regime das
liberdades, inscrito na Carta de 1988.
"Todo poder emana do povo, que o
exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição." As eleições periódicas, porque cruciais para essa
transferência condicionada de poder, não podem ser objeto de alteração na lei
fundamental.
O texto menciona a trajetória de respeito
aos resultados eleitorais e de transições ordeiras que já avança pela quarta
década. Enfatiza o ganho de
confiabilidade representado pela votação eletrônica, sobre a
qual jamais foi comprovada fraude em mais de 25 anos de emprego.
Ao reduzir drasticamente os votos
inválidos, a urna digital cumpriu na prática a promessa da Nova República de
incluir no exercício rotineiro da soberania popular os brasileiros
menos instruídos.
A confiança no sistema de votação, segundo pesquisa do Datafolha concluída nesta quinta (28), abrange 79% dos eleitores, sendo francamente majoritária (69%) entre os eleitores do presidente Jair Bolsonaro (PL), que vilipendia as urnas e a Justiça diariamente.
Se por meio do livre escrutínio o regime
democrático garante a expressão das maiorias, por meio das leis ele reprime os
seus inimigos. Nessa linha a manifestação de ex-alunos da USP adverte:
"São intoleráveis as ameaças aos demais Poderes e setores da sociedade
civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional".
Trata-se de trazer à lembrança os princípios
civilizatórios da responsabilização e da isonomia. Quem
investir contra o rochedo da democracia receberá como resposta as sanções
prescritas na lei a despeito da posição que circunstancialmente ocupe na
República.
Se Bolsonaro pretende patrocinar arruaças
inspiradas na que culminou na invasão do
Congresso dos Estados Unidos em janeiro de 2021, que preste
atenção às consequências daquela insurreição para os delinquentes que a
conduziram.
Mais de 840 foram presos e mais de 180
foram condenados pela Justiça. O mesmo poderá acontecer com o ex-presidente
Donald Trump, se comprovada sua responsabilidade na sublevação. Nada menos se
espera no Brasil para uma agressão equivalente contra as instituições.
Até a conivência de certos grupos da elite
política encontra limites. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a quem
Bolsonaro entregou a execução da fatia livre do Orçamento em troca de licença
para barbarizar, relutou, mas acabou constrangido a declarar sua confiança no
sistema eleitoral.
Que negócios não se dão a qualquer preço —e
que a democracia é um valor inegociável— é também a mensagem que várias
organizações empresariais e da sociedade civil estão prestes a publicar. O
manifesto contará com os endossos da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo e da Federação Brasileira de
Bancos, entre outras.
Disputas de visões sobre a economia encontram
plena vazão no sistema constitucional vigente. Reformas normativas e mudanças
de rumos administrativos, para um lado e para o outro, têm sido executadas
dentro da liturgia e respeitadas ao longo das últimas décadas.
Subverter as regras do jogo democrático,
além de configurar um retrocesso civil e humanitário, arruinaria o ambiente de
negócios, com repercussão em menos emprego e renda para todos.
Cartas e manifestos, frise-se, fazem apenas
vocalizar as convicções arraigadas da opinião pública nacional diante da
audácia de um presidente que voltou a balbuciar um léxico golpista sem tradução
na atual República brasileira.
Essa incrustação dos valores democráticos
talvez leve a maioria, como também aponta o Datafolha, a descrer de que
Bolsonaro vá tentar se manter no poder pela
força.
Golpe de Estado, para o cidadão mediano do
Brasil do século 21, é o inominável que jaz nas profundezas de um passado
longínquo e violento. Para que continue soterrado, às vezes é
preciso nomeá-lo com a estridência dos trovões. Ruptura democrática nunca mais!
A armadilha do falso conservadorismo
O Estado de S. Paulo
No Brasil não há um partido verdadeiramente conservador, mas há cidadãos conservadores genuínos. E estes devem ter coragem de denunciar impostores que falam em seu nome
Na Biblioteca Presidencial Ronald Reagan,
presidente americano de inquestionáveis credenciais conservadoras, a deputada
Liz Cheney fez em junho passado uma apaixonada defesa de seu partido, o
Republicano, e dos valores conservadores que a agremiação historicamente
representa – em especial o respeito às leis e à Constituição.
“Sou uma republicana conservadora. Acredito
profundamente no governo limitado, nos baixos impostos, na defesa nacional.
Acredito na família como centro de nossa comunidade e de nossas vidas. Acredito
que essas sejam as políticas certas para nossa nação”, discursou Liz Cheney,
para, em seguida, referindo-se ao ex-presidente Donald Trump, fazer um grave
alerta: “Neste momento, estamos enfrentando uma ameaça interna como jamais
tivemos em nossa história. Essa ameaça é um ex-presidente que está tentando
destruir os fundamentos de nossa República Constitucional”.
Essa ameaça, enfatizou Liz Cheney, só é
possível porque há republicanos que apoiam Trump mesmo diante de seu evidente
ataque à democracia americana. “Nenhum partido, nenhuma nação consegue defender
uma República Constitucional se aceitar um líder que decidiu deflagrar uma
guerra contra o império da lei, contra o processo democrático e contra a
transição pacífica de poder”, discursou a deputada republicana.
Em resumo, nessas poucas palavras, Liz
Cheney, que integra a comissão parlamentar que está desnudando a tentativa de
golpe de Trump depois das eleições em 2020, fez um apaixonado chamamento a seus
correligionários conservadores para que caiam em si e deixem de sustentar o
discurso anticonservador e reacionário do ex-presidente.
É um chamamento que se deve fazer aqui no
Brasil também.
O presidente Jair Bolsonaro, que faz praça
de sua truculência antidemocrática e de seu amor à ditadura militar, chegou ao
poder dizendo-se “conservador”, e não poucos genuínos conservadores aceitaram
essa impostura em nome da necessidade de impedir que o PT, com seus gritos de
guerra contra a propriedade, o capital e o livre mercado, retomasse a
Presidência.
Todavia, se houve quem comprasse de boa-fé
a falácia de Bolsonaro em 2018, agora, ao final de seu mandato, já não há mais
qualquer dúvida de que o presidente não é liberal nem, muito menos,
conservador. Bolsonaro é apenas um oportunista reacionário com evidente
inclinação para o autoritarismo.
A fim de evitar que os verdadeiros
conservadores caiam novamente na armadilha que o agora incumbente tenta
rearmar, é preciso relembrar quais são, de fato, as ideias e os valores que o
conservadorismo encerra e por que alguém como Jair Bolsonaro é a sua perfeita
negação.
Ser conservador é rejeitar as
transformações radicais do Estado e da sociedade, preservando as tradições
construídas pela sociedade ao longo do tempo e repelindo as rupturas. Em outras
palavras: ser conservador é curvar-se ao império das leis e ao Estado
Democrático de Direito, é defender a estabilidade e a independência de
instituições democráticas, é rejeitar governantes que incentivam a cizânia e a
violência. Ora, isso é tudo o que Jair Bolsonaro, definitivamente, não
representa. A desordem que ele instila vai na direção contrária do
conservadorismo. Bolsonaro personifica o caos.
Por isso, é preciso que os conservadores
brasileiros rejeitem o bolsonarismo como representante de seus valores. É
preciso resgatar o verdadeiro conservadorismo, desvinculando-o urgentemente de
Bolsonaro, líder desse simulacro mambembe de conservadorismo que, como toda
farsa, faz o oposto do que apregoa – em vez de respeito pelas instituições
democráticas, golpismo; em vez de reverência às leis e à Constituição,
valorização de delinquentes; em vez de ordem, confusão.
Nos Estados Unidos, a deputada Liz Cheney
teve coragem de liderar a luta para resgatar o Partido Republicano das garras
de Trump. Aqui não temos um partido conservador nos moldes do Republicano, mas
certamente há um conservadorismo a ser defendido da razia bolsonarista. Se os
conservadores de verdade não querem ser confundidos com Bolsonaro e seu
conservadorismo de fancaria, é hora de se manifestarem.
Bolsonaro é considerado tóxico até por
aliados
O Estado de S. Paulo
Quando o partido do ministro da Casa Civil entra na Justiça para impedir que seus candidatos sejam identificados com Bolsonaro, tem-se a exata noção do tamanho da rejeição a ele
É notório o esforço do presidente Jair
Bolsonaro em difundir desconfiança contra as urnas eletrônicas e as pesquisas
de opinião. O objetivo é transmitir a mensagem de que teria um grande apoio
popular, muito maior do que o registrado nas urnas e aquele medido pelos
institutos de pesquisa. Afinal, a fantasia bolsonarista inclui alçar Jair
Bolsonaro à categoria de líder de uma maioria silenciosa, que estaria
incondicionalmente a seu lado.
A farsa só convence quem quiser ser
convencido por ela. Jair Bolsonaro teve 57,8 milhões de votos no segundo turno
das eleições de 2018, mas seu desgoverno foi capaz de produzir uma altíssima
taxa de rejeição, além de ser o presidente da República candidato à reeleição
mais mal avaliado desde a redemocratização. Segundo a última enquete realizada
pelo Datafolha, 53% dos brasileiros afirmam que não votam em Jair Bolsonaro de
jeito nenhum. Vê-se logo por que o bolsonarismo tem verdadeira ojeriza a
pesquisas de opinião – afinal, estas retratam uma realidade que esse movimento
fanático teima em negar.
Bolsonaristas podem continuar acreditando
que seu líder é querido e admirado pela maioria do povo. Mas a farsa recebeu
agora um novo capítulo, especialmente vexaminoso, a escancarar a desconexão do
discurso do bolsonarismo com a realidade. Segundo informou o Estadão, os
principais aliados políticos de Jair Bolsonaro, cientes do caráter tóxico da
presença do presidente em suas campanhas, querem escondê-lo de sua comunicação
com o eleitor.
Eis a realidade da rejeição do bolsonarismo
por parte da população. Até o presidente da Câmara, Arthur Lira
(Progressistas-AL), e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira
(Progressistas-PI), vêm escondendo o presidente Jair Bolsonaro das campanhas
próprias e de seus aliados no Nordeste.
Na convenção do PL que definiu Jair
Bolsonaro como candidato à reeleição, Arthur Lira vestiu a camisa “Bolsonaro
22”. No entanto, isso era só para satisfazer a patota bolsonarista. Na hora de
se comunicar com o eleitorado em Alagoas, o presidente da Câmara – justamente
uma das pessoas que mais se beneficiam do orçamento secreto e das relações com
o Palácio do Planalto – quer mostrar independência. Em vez de “Bolsonaro 22”,
os marqueteiros de Arthur Lira almejam outra mensagem: a do tocador de obras
independente e padrinho direto dos recursos para o Estado. Para piorar, Arthur
Lira apoia para o governo de Alagoas o senador licenciado Rodrigo Cunha (União
Brasil), que é contrário a Jair Bolsonaro.
Houve também o inusitado pedido do
diretório estadual do Progressistas no Piauí, controlado por Ciro Nogueira,
para que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) proibisse a circulação de imagens
de seus candidatos ao lado do presidente. Na ação, o partido do ministro-chefe
da Casa Civil – a quem Jair Bolsonaro deu nada mais nada menos do que as chaves
do Orçamento Federal – afirma que o presidente da República “possui altíssimo
índice de rejeição em pesquisas mais recentes” e que o material que circula no
WhatsApp de seus candidatos ao lado de Bolsonaro é fake news. Segundo o
Progressistas, diante da alta impopularidade do presidente, eles serão
prejudicados se aparecerem vinculados a Jair Bolsonaro.
O TRE do Piauí negou o pedido do
Progressistas. “Está claramente nos limites da liberdade de expressão e
comunicação”, disse a sentença, prolatada em junho deste ano. Certamente, é
muito importante que o eleitor saiba, na hora de definir o seu voto, quem tem
dado apoio e sustentação a Jair Bolsonaro.
As eleições são território de falsas
promessas e de crescente desinformação. Mas elas também revelam muitas coisas.
O processo eleitoral tem uma nota de realismo. Políticos sabem quem tem
potencial de voto e quem horroriza o eleitor. Ao longo desses três anos e meio
– sua primeira função na esfera do Executivo –, Jair Bolsonaro construiu e
consolidou sua reputação de governante despreparado, irresponsável, conflituoso
e que não é afeito ao trabalho. A alta rejeição não é fruto do acaso, mas
simples consequência de seus atos.
Riscos da EAD na formação docente
O Estado de S. Paulo
Preocupa a forte ampliação da formação a distância de professores da educação básica
É muito difícil, para não dizer impossível,
que o sistema de ensino de um país seja melhor que o conjunto de seus
professores. De todos os fatores associados à aprendizagem dos estudantes, o
corpo docente desponta como o principal. Daí ser grave e merecer especial
atenção o alerta, divulgado recentemente pelo movimento Todos pela Educação, de
que 6 em cada 10 professores formados no Brasil, em 2020, frequentaram cursos
de pedagogia ou licenciaturas na modalidade de educação a distância, a chamada
EAD.
Não se trata aqui de condenar, a priori, a
EAD − modalidade adotada internacionalmente e que, cumpridos certos requisitos
de qualidade, é capaz de oferecer formação satisfatória em diversas áreas. O
que está em jogo, na verdade, é uma questão mais ampla e estratégica: em que
medida interessa, do ponto de vista do desenvolvimento do País, que a maior
parte de seus professores de educação básica seja formada em cursos a
distância?
Para responder a essa pergunta, convém
levar em conta os argumentos elencados pelo Todos pela Educação na nota técnica
que acompanha o referido balanço. De qualquer forma, a resposta é um rotundo
não: nas atuais condições de funcionamento do ensino superior brasileiro e
considerando os níveis insuficientes de aprendizagem dos alunos nas escolas de
ensino fundamental e médio, não é adequado que a maioria dos professores seja
formada em cursos a distância. Como corretamente disse o líder de Políticas
Educacionais do Todos, Gabriel Corrêa, o que era para ser exceção virou regra.
E isso é preocupante para as atuais e futuras gerações.
Uma deficiência estrutural da formação
docente no Brasil, inclusive nos cursos presenciais, é a insuficiente formação
prática. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Educação (CNE) avançou, em 2019,
ao aprovar diretrizes que deram maior ênfase à experiência de sala de aula e às
atividades práticas nos cursos de licenciatura.
Infelizmente, no entanto, a realidade
brasileira mostra que legislação e normas adequadas não bastam: é preciso
garantir seu cumprimento. O que passa pela maior efetividade dos mecanismos de
regulação e avaliação do ensino superior por parte do Ministério da Educação
(MEC). Ainda mais que o salto de concluintes em cursos a distância foi puxado
pelo setor privado, refletindo uma lógica de mercado não necessariamente
pautada pela busca da qualidade. Enquanto o número de concluintes em cursos
presenciais caiu pela metade nas instituições particulares, entre 2010 e 2020,
o total de concluintes na modalidade EAD mais do que dobrou.
O balanço do Todos pela Educação foi feito
com base no Censo da Educação Superior e revela que o porcentual de professores
formados em EAD − 61,1%, em 2020 − foi mais que o dobro do registrado nos
cursos das demais áreas: 24,6%. Ou seja, há uma evidente desproporção, que
obviamente destoa de qualquer projeto de melhoria da formação docente e, por
conseguinte, da desejada e necessária elevação dos níveis de aprendizagem das
atuais e futuras gerações.
Emendas sem pertinência infestam texto constitucional
O Globo
Desde a promulgação da Constituição de
1988, nunca foram aprovadas tantas PECs quanto no atual governo
A Constituição brasileira já era
considerada um monstrengo antes do governo Jair Bolsonaro. Seu texto, perto de
80 mil palavras na última versão, faz dela por algumas medidas a maior do mundo
(ou a segunda maior, atrás apenas da indiana). Mas, mesmo para os padrões
superlativos consagrados no Brasil, em tempos recentes tem sido incomparável,
para empregar a feliz expressão de Roberto Campos, a “fúria legiferante” do
Congresso para emendar a Carta.
A tentação de gravar tudo na Constituição
ganhou impulso inédito no Legislativo sob a liderança do deputado Arthur Lira
(PP-AL) e do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Das 125 emendas à Constituição
aprovadas desde 1988, nada menos que 26 — ou mais de um quinto — foram
promulgadas na atual legislatura (cuja duração corresponde a apenas um décimo
da vigência do texto). Onze dessas emendas, ou 9%, foram aprovadas nos últimos
seis meses.
Ainda há, de acordo com os respectivos
sites, 968 Propostas de Emenda à Constituição (PECs) em tramitação na Câmara e
352 no Senado. Não é exagero afirmar que há PEC para tudo. Várias delas propõem
mudanças necessárias, caso da reforma tributária ou da administrativa. Mas a
vasta maioria não tem cabimento. Procura apenas introduzir no texto
constitucional direitos que satisfazem a demandas específicas.
O motivo para a aberração é conhecido.
Grupos de interesse se sentem mais protegidos se conseguem gravar na Carta tais
direitos, aproveitando uma circunstância política favorável para garantir
benesses e privilégios. Como uma mudança constitucional exige três quintos das
duas Casas em duas votações, é mais difícil derrubá-la que leis ordinárias. Daí
a pressão para constitucionalizar toda sorte de assunto.
Foi assim que, nos últimos meses, temas sem
a menor pertinência num texto constitucional, como o piso salarial de
enfermeiros ou os radioisótopos para uso médico, foram parar na Carta, em
companhia de presenças ilustres que lá estavam, caso dos portos lacustres, da
Polícia Ferroviária Federal e até do Colégio Pedro II.
A diligência dos líderes do Congresso para
aprovar PECs de interesse do governo — como a dos Precatórios no ano passado ou
a Eleitoral neste ano — acabou por distorcer o trâmite legislativo. Em vez da
necessária reflexão que toda PEC deveria exigir, já que implica alterar a lei
maior do país, passou a vigorar no Congresso uma espécie de via rápida para aprovar
qualquer PEC.
O regimento do Legislativo faz exigências
sensatas em nome da reflexão essencial para a aprovação de uma PEC: número
mínimo de sessões entre as duas votações em ambas as Casas, necessidade de
aprovação prévia nas comissões (entre elas uma Comissão Especial), presença
física em plenário para garantir quórum, além de várias outras. Mas tudo isso
tem sido ignorado de forma contumaz.
O caminho regimental pelas comissões se
tornou ficção. Já houve sessão de um minuto apenas para cumprir tabela. Virou
regra a aprovação em duas sessões no mesmo dia, por vezes na Câmara e no Senado
— só assim se conseguem aprovar 11 PECs em seis meses. O pouco-caso da atual
gestão com as normas contribui para desvalorizar o trabalho do Legislativo e
para deteriorar ainda mais a qualidade da Constituição. Não é um acaso que a
população tenha uma visão tão negativa do Congresso e da classe política.
Adoção da nova carteira de identidade
nacional deveria ser acelerada
O Globo
Mudanças que visam a coibir fraudes são
bem-vindas, mas ainda demorarão a chegar aos brasileiros
Já era hora de dar uma nova cara ao
obsoleto Registro Geral (RG), documento exigido de dez entre dez brasileiros
para que tenham acesso ao labirinto burocrático público e privado em qualquer
parte do país. Por isso é bem-vinda a iniciativa do governo federal de lançar
uma Carteira de Identidade Nacional, com o objetivo de facilitar a vida dos
cidadãos e de dificultar a ação dos fraudadores que se aproveitam da estrutura
pesada, lenta e ultrapassada do Estado para aplicar golpes, receber benefícios
indevidos, cometer crimes ou permanecer invisíveis à Justiça.
Anunciada em fevereiro, a nova carteira de
identidade começou a se tornar realidade na semana passada. O Rio Grande do Sul
foi o primeiro estado a fornecer o “RG digital”. Os demais terão até 3 de março
de 2023 para fazê-lo. Há diferenças marcantes em relação ao documento atual.
Para começar, o número de registro é agora o Cadastro de Pessoa Física (CPF),
que permite unificação em todo o país — hoje, em tese, um brasileiro pode ter
27 identidades diferentes, uma em cada unidade da Federação. Caso haja
pendências com o CPF, o cidadão terá de regularizá-las. Isso é positivo, pois
estimulará a atualização dos cadastros.
Outra mudança importante: a nova identidade
terá um QR Code para verificar sua autenticidade e uma zona de leitura
mecânica, de acordo com o padrão da Organização da Aviação Civil Internacional
(OACI). A intenção é que futuramente seja usada também como documento de
viagem, mas por enquanto só valerá nos países do Mercosul. Além disso, exigirá
validação biométrica e biográfica antes da emissão. Naturalmente, o novo RG
também terá os dados já presentes hoje: filiação, sexo, nacionalidade, local e
data de nascimento, órgão expedidor, datas de expedição e validade, número da
certidão de nascimento ou casamento, foto, impressão digital e assinatura.
As ideias são boas, mas se trata de um
projeto para o futuro, ao passo que as demandas do presente não esperam. Para
quem tem até 60 anos, o RG atual continuará válido por dez anos. Para maiores
de 60, será aceito por prazo indeterminado, de acordo com o governo. Na
prática, o risco é que seja criada uma confusão, com documentos antigos e novos
circulando ao mesmo tempo. É compreensível que não se queira obrigar o cidadão
que já dispõe de carteira de identidade a trocá-la. Mas isso equivale a mudar
para não mudar.
Um dos problemas graves que o país enfrenta
no pagamento de pensões e auxílios são os cadastros desatualizados ou
inconsistentes, que dão margem a todo tipo de fraude. Gastam-se bilhões com
pagamentos que param em mãos indevidas, deixando a descoberto quem realmente
precisa de ajuda. A miríade de documentos para identificar os cidadãos no
Brasil, muitos dos quais podem ser facilmente falsificados, só agrava a situação.
Ter uma carteira digital unificada e nacional, mais segura e com as informações
básicas cadastradas nos bancos de dados oficiais, ajudaria a coibir
irregularidades. Mas, até que todos os brasileiros passem a usar o novo RG, as
fraudes continuarão.
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