segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Carlos Pereira* - Riscos de retrocesso na democracia mundial

O Estado de S. Paulo

Histórico das instituições explica por que alguns países sucumbem a retrocessos iliberais

Escrevo de Montreal, Canadá, onde participo da conferência da American Political Science Association (APSA), o maior evento de ciência política que reúne cientistas políticos de diversos cantos do mundo.

Um tema que dominou as discussões na APSA (pelo menos 74 painéis) foi o risco de retrocesso que a democracia mundial supostamente vem passando desde o final da Guerra Fria. A ciência política está, de fato, muito temerosa com o chamado Democratic Backsliding.

Essa apreensão parece não ser destituída de razão. De acordo com o relatório do Variety of Democracy (V-dem) de 2022, o nível de democracia global médio declinou a valores anteriores a 1989. O número de democracias liberais caiu de 42 para 34. As autocracias aumentaram de 25 para 30. Autocracias eleitorais passaram a ser o tipo de regime mais comum no mundo – 60 países. O V-dem chama essa tendência de “terceira onda de autocratização”.

Existe um grande consenso nos trabalhos apresentados na APSA acerca dos principais determinantes e do roteiro dessa nova onda de retrocessos. O fator chave é a eleição de um presidente populista extremo, seja de esquerda ou de direita, com uma agenda de deslegitimação dos políticos e partidos tradicionais por meio de conexões diretas com os eleitores.

Uma vez no poder, buscariam reformas constitucionais que fortaleçam ainda mais seus poderes unilaterais como forma de se perpetuar na presidência. Também faz parte desse roteiro autocrático, o enfraquecimento das organizações de controle, especialmente o Judiciário, e o controle da mídia, comprometendo assim o perfil liberal da democracia.

Esses foram os casos, por exemplo, de alguns países na América do Sul como a Venezuela, com Hugo Chávez; a Bolívia, com Evo Morales; e o Equador, com Rafael Correa.

Embora esses presidentes tenham seguido estratégias iliberais semelhantes, os resultados de fragilização democrática foram bem distintos. Apenas a Venezuela experienciou, de fato, uma quebra de sua democracia.

Por que alguns países conseguem resistir a tentativas de autocratização enquanto outros não?

As respostas que a ciência política tem oferecido a essa pergunta não são, entretanto, consensuais nem definitivas. A maioria das análises peca por atribuir importância exagerada às agressões e abusos do populista eleito, como se a sociedade e as instituições fossem vítimas indefesas e incapazes de resistir e oferecer respostas adequadas. Além disso, não observam se a democracia faz parte do conjunto de crenças dominantes da sociedade.

*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Autocratas no poder é um perigo,à esquerda e à direita.