Folha de S. Paulo
Devemos criar travas temporais para
reformas que alterem relacionamento entre Poderes
Jair
Bolsonaro não é um presidente sério. Suas propostas têm
invariavelmente o propósito de beneficiar a si, sua família e seu grupo e de
livrá-los dos freios e contrapesos da democracia, quase nunca o de aprimorar as
instituições. A ideia de ampliar
o número de magistrados no STF não é uma exceção.
A mudança serviria basicamente para catapultar os poderes do presidente de turno (isto é, ele), que teria a oportunidade de criar uma corte para lá de amigável, que carimbaria todas as suas decisões, e prolongar essa composição no tempo (quanto mais jovens os ministros indicados, mais anos ficariam no cargo). A fórmula não é nova, já tendo sido utilizada por autocratas à esquerda e à direita.
Não é por outra razão que vários juristas
se prontificaram a desqualificar a ideia, classificando como uma violação ao
princípio da separação dos Poderes, cláusula pétrea da Constituição. Isso
significa que o Congresso não poderia nem mesmo deliberar sobre uma PEC com
esse teor (CF, art. 60). Não discordo dessa avaliação, mas confesso que tenho
um certo receio da estratégia jurídica de blindar a Carta contra mudanças
indesejáveis esticando ao máximo a noção de cláusula pétrea.
Precisamos, é óbvio, proteger a
Constituição de ataques, mas também não podemos inviabilizar toda e qualquer
mudança mais profunda. Os cidadãos de amanhã não podem ficar para sempre presos
às decisões do constituinte do passado. Se assim fosse, o Código de Hamurabi
ainda estaria em vigor.
Minha sugestão é que criemos travas
temporais para reformas que alterem mais do que topicamente o relacionamento
entre Poderes. O Congresso até poderia votar uma grande reforma, mas ela só
passaria a vigorar oito ou dez anos após a aprovação. E esse intervalo mínimo
seria, ele sim, considerado uma cláusula pétrea. Seria um ótimo seguro contra
casuísmos, além de evitar potenciais conflitos entre Legislativo e Judiciário.
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