quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Maria Cristina Fernandes - Para enfrentar o tabu

Valor Econômico

Eleitor não sabe, até hoje, que Moro serviu a Bolsonaro. PT tem que explicar por que Lula, sem ter sido inocentado, é inocente

 “Como assim, Sergio Moro virou ministro de Bolsonaro?” Haviam se passado quase quatro anos desde que Moro deixou a magistratura para ocupar o Ministério da Justiça. A autora da pergunta, uma jovem evangélica que, na noite desta terça-feira, 11, participou de rodada de pesquisa qualitativa com mulheres das classes C e D, não parecia acreditar no que ouvia. Se não sabia que Moro havia entrado no governo, desconhecia igualmente que havia saído, fora julgado suspeito e anunciado, mais uma vez, apoio ao presidente Jair Bolsonaro.

A rodada confirmou o que muitos do entorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falam, mas poucos têm coragem de verbalizar. A campanha já entrou na canelada com a de Bolsonaro mas não enfrenta aquele que não apenas é o maior tabu do PT como também empata com a criminalidade como maior preocupação dos brasileiros, a corrupção (Datafolha, 8/10).

Num 2º turno em que a artilharia do horário eleitoral aumentou, na duração e na intensidade, o PT foi capaz de responder até à menção, sem fonte, da votação petista em presídios, com uma sucessão de assassinos bolsonaristas, do ex-goleiro Bruno Souza ao ex-ator Guilherme de Pádua.

Apesar de reações como aquela do Ministério Público Federal, que deu prazo para a senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) comprovar as acusações de pedofilia escatológica, chegou-se à conclusão de que as instituições de controle não dão conta de sanear o esgoto da campanha.

É bem verdade que o TSE parece rendido na guerra das “fake news”. Entre outros motivos, porque, nos termos firmados com as plataformas digitais, não se adotaram mecanismos claros para banir conteúdos e penalizar infrações.

Por ineficaz, o acordo acabou facultando a inundação de notícias falsas que o TSE não dá conta de barrar. E quando dá, como na acusação ao PT no caso Celso Daniel, a campanha de Bolsonaro tirou do ar e depois a recolocou. Enquanto o Congresso aprovar anistias eleitorais a rodo, assim será.

Se o acordo com as plataformas tem sido ineficaz para o TSE conter o esgoto da campanha, a autoridade dos ministros, tão eloquente em outros momentos da pré-campanha, desapareceu. Desde o pronunciamento na véspera do 1º turno, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, submergiu. Até na reiteração da integridade das urnas, delegou a cobrança do relatório das Forças Armadas ao TCU.

Entre o pronunciamento de Moraes e a inundação de “fake news” do 2º turno, foi eleito um Senado capaz de arrumar várias encrencas com o Supremo Tribunal Federal. Moraes não foi o único a silenciar. Na semana em que Bolsonaro ameaçou com 15 ministros do STF, três deles estão em seminários em Londres e Roma. O recolhimento do árbitro ajudou a empurrar o PT para o jogo sujo, apesar da desvantagem num campo em que o adversário tem mais experiência e menos escrúpulos.

Na campanha, citam-se de Steven Levitsky, que disse não haver outro meio de responder ao jogo que força os limites da legalidade senão ocupando o mesmo espaço, a Nelson Mandela - quando os termos da luta são impostos pelo adversário “só se pode combater fogo com fogo”. Mas quem põe a mão na massa mesmo é o deputado André Janones (Avante-MG) - da acusação falsa de canibalismo ao satanismo da maçonaria.

Se Janones não consegue empatar o jogo, tem mobilizado o bolsonarismo na resposta às acusações. E quanto mais ocupado em se defender, menos recursos lhe restam para atacar o PT. Mas se o partido é capaz de entrar nesse jogo, fica ainda mais difícil entender por que não responde ao bordão “Lula ladrão”. Até porque nem precisaria sujar as mãos para isso.

Publicitário que colaborou com a campanha presidencial do partido em 1989, fez a de Luiza Erundina, em 1988, e a Guilherme Boulos, em 2020, Chico Malfitani estudou direito, economia e sociologia, mas aprendeu comunicação mesmo foi na Gaviões da Fiel. É de lá que tira a metáfora matadora.

No debate da Band, Fernando Haddad mostrou que é possível despertar indignação ao associar o orçamento secreto ao bolsonarismo, mas para Lula isso não é insuficiente. Como tampouco funciona sair metralhando, à la Ciro Gomes, suas iniciativas de combate à corrupção. Até porque falharam.

Malfitani apela ao futebol para responder à eleitora que desconhecia o paradeiro de Moro. Sabe o juiz que apitou a partida Corinthians x Flamengo, marcou um pênalti contra os corintianos e expulsou seu artilheiro? Terminado o campeonato, foi convidado e aceitou ir para a diretoria do Flamengo. Este juiz é Sergio Moro. Se o lavajatismo sobreviveu e Bolsonaro ainda se vale dele é porque a percepção desse jogo ainda não se espraiou.

Há um oceano entre ser inocentado e ser inocente. Ao insistir no primeiro predicado, a campanha perde a oportunidade de convencer o eleitor do segundo. Mais do que recortes de jornal, o eleitor quer ver documentos. Não é verdade que Lula tenha sido absolvido pela ONU. O petista convenceria mais com o parecer da instituição que reconhece a violação de seus direitos pela Lava-Jato.

O mesmo vale para a justiça brasileira. Não é verdade que tenha sido absolvido em todos os 26 processos, como costuma dizer. A maior parte deles foi arquivada ou anulada. “Sabe o triplex do Guarujá? Podia ser de Lula, porque ele deu palestras, como Clinton e Fernando Henrique, e poderia ter comprado. Mas não é dele, nunca foi. Olha aqui a escritura”.

Depois do que Duda Mendonça e João Santana aprontaram, o PT decidiu que a comunicação ficaria subordinada à política, mas esta está rendida ao trauma de Lula. Aos 72 anos, Malfitani não tem mais nenhuma ambição, mas custa a entender por que o partido no qual militou custa a respeitar a necessidade de o povo entender o que de fato se passou: “Eleitor precisa de argumento e a campanha tem que fornecê-lo”.

Quando, em abril de 2018, Lula subiu no caminhão de som, em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, para o último discurso antes da prisão, Malfitani soprou a um petista: “Quando ele subir no palanque, tem que abrir a bandeira do Brasil e dizer ‘não estou preocupado com o que vai acontecer comigo, mas com o que vai acontecer com o Brasil’”.

Lula optou pelo caminho da deificação - “meu coração baterá pelo coração de vocês... eu não sou mais um ser humano, sou uma ideia misturada com a ideia de vocês”. Quem se agarrou com a bandeira foi Bolsonaro que, pela segunda vez, e incita o “Lula ladrão” com a religião do ódio.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Destacando:
"Sabe o juiz que apitou a partida Corinthians x Flamengo, marcou um pênalti contra os corintianos e expulsou seu artilheiro? Terminado o campeonato, foi convidado e aceitou ir para a diretoria do Flamengo. Este juiz é Sergio Moro."
Agora, os flamenguistas do Paraná o elegeram senador do seu estado. Derrotando Álvaro Dias que o introduziu na política partidária...