quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Maria Hermínia Tavares* - Voto obrigatório

Folha de S. Paulo

Lula e a ampla coalizão que o sustenta são mais do que a última linha de defesa da democracia

Bolsonaro foi claro: se reeleito, tratará de aumentar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal dos atuais 11, com o fim ostensivo de desfibrar a Corte, reduzindo-a a apêndice do Executivo. Segue, assim, o roteiro de governantes autoritários eleitos pelo voto popular, como o húngaro Viktor Orbán e do venezuelano, já falecido, Hugo Chávez. Agora com maioria no Congresso, o ex-capitão não vê a hora de detonar os freios e contrapesos institucionais à concentração do mando, em que se arrima a democracia representativa.

Além de motivar infindáveis controvérsias entre os especialistas, não se pode dizer de antemão que conseguiria levar a cabo a seu intento, na incerta hipótese de prevalecer nas urnas do dia 30; ou se, sobrevindo o pior, as instituições do Estado e a força da sociedade civil organizada continuariam a contê-lo, como vêm fazendo nesses quatro anos.

Há, portanto, razões de sobra para que os democratas deixem de lado suas divergências e se alinhem àquele a quem os eleitores, no primeiro turno, delegaram o papel de se opor à ambição continuísta do presidente. Mas, Lula e a ampla coalizão que o sustenta são mais do que a última linha de defesa de um sistema baseado na livre competição pelo voto, no respeito às liberdades individuais e na subordinação do arbítrio à lei.

A atual fronda democrática é herdeira de uma ideia inspiradora —uma utopia de nação— que mobilizou as oposições à ditadura de 1964-1985 e tomou forma na Carta de 1988, fazendo da democracia a moldura necessária à construção de um país mais inclusivo e menos desigual, no qual direitos sociais sejam amplamente assegurados. Os contemporâneos da Constituinte falavam em resgate da dívida social; o economista Samuel Pessoa chamou-a pacto social da Constituição de 88, enfatizando sua força política e simbólica, ao tempo em que apontou os limites fiscais para sua efetivação.

Desde então, muita água correu sob a ponte, muita reforma social foi feita nos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, muito avanço foi minado pela crise da década passada e pela destruição calculadamente promovida pelo governo bolsonarista de extrema-direita; novos temas —como justiça ambiental— subiram ao palco.

Os mapas do passado já não são bons guias para as necessárias reformas progressistas do presente, que aguardam agendas renovadas. Mas a ideia de que progresso social e democracia precisam avançar de mãos dadas vale hoje como valia há mais de três décadas. Ela dá sentido especial à candidatura Lula.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

As pessoas de juízo avalizam a candidatura de Lula,mesmo ele não sendo perfeito,a alternativa é muito pior.