Folha de S. Paulo
Religião, blasfêmias e fariseus dominam a
conversa política no início do segundo turno
A campanha do
segundo turno começou com a agitação dos "apoios" de
políticos e de gente conhecida aos candidatos. Na maior parte fofoca
politiqueira, o assunto praticamente morreu. Faz pelo menos uma semana, a
conversa dominante é religião, como indicam certas medidas de temperatura da
lama nas redes sociais e como se ouve no comentarismo jornalístico ou parecido
com isso.
O vídeo de 2017 de Jair Bolsonaro (PL) no templo maçom, seu "satanismo", a "Carta aos Cristãos" de Lula da Silva (PT), Bolsonaro no Círio de Nazaré, Bolsonaro e seus fanáticos tumultuando as cerimônias católicas em Aparecida foram as notícias da querela religiosa.
O assunto ferve de diversas maneiras nos
subterrâneos das redes, dizem pesquisadores que medem a altura dessas marés de
lixo. Depois do tumulto causado por vendilhões do templo em Aparecida,
"Bolsonaro Não é de Deus" era um dos assuntos no alto do ranking do
Twitter.
E assim chegamos ao décimo dos vinte e oito
dias de intervalo entre o primeiro e o segundo turno de
votação.
O assunto "religião" não apenas é
pautado pela campanha de Bolsonaro. Passou a organizar a política brasileira.
Há um partido evangélico, no sentido amplo. A politização do Supremo, que vem
de mais de década e já era degradante o suficiente, degenera em política
religiosa por causa de Bolsonaro. Católicos e evangélicos votam mais do que
nunca em direções majoritariamente opostas.
As forças políticas laicas, até faz pouco
dominantes ou majoritárias (agora, é duvidoso), não foram capazes de inventar
uma reação a esse movimento, de várias frentes, de enquadrar a política pela
religião. O ataque é estimulado, mas não determinado de todo, pelo bolsonarismo
e pela torrente conservadora ou reacionária em que ele navega.
As lideranças da empresa religiosa, de
bancadas parlamentares e mesmo líderes menos mundanos organizaram um bloco
político direcionado, que influencia parte grande dos fiéis, tem um programa
político-moral, ora adere a Bolsonaro e lança anátemas sobre políticos que
julgam desviantes e sobre crentes que não andam na linha justa. Isso é o
partido evangélico, "lato sensu".
O movimento é tão forte que reescreve o
passado recente. Desde quarta-feira passada, pelo menos, vaza para jornais que
uma parte do comando petista havia convencido Lula a publicar uma "Carta
aos Cristãos". Foi a única saída que arranjaram até agora para evitar
o apedrejamento
político-religioso.
Afora demagogias que quase qualquer
político faz com quase qualquer eleitorado específico, religião jamais foi
assunto de governos petistas ou tucanos, por falar nisso, menos ainda houve
qualquer perseguição religiosa ou algo remotamente parecido. Agora, Lula tem de
participar de um auto de fé midiático. Assim será com qualquer candidato que se
oponha à seita reacionária de Bolsonaro ou aos fariseus dinheiristas.
As blasfêmias e outras indignidades, como a
imundície que bolsonaristas promoveram na igreja de Aparecida nesta
quarta-feira, serviram para abafar a promessa renovada de golpe (a manipulação
da composição do Supremo). Ocupam até agora o lugar de qualquer outra conversa
política, pelo menos até que esse ruído canse.
Como lidar com a pauta da conversa
bolsonarista é a questão. Bolsonaro não governou, fez campanha de sua revolução
reacionária e parasitou o que restava de funcional no Estado. Bolsonaro, muito
menos ainda que qualquer outro candidato, não discute planos de políticas de governo
na eleição —também parasita a democracia. Ao menos nas mídias, tem tido
sucesso, como teve no 7 de Setembro. As forças de oposição e democráticas ainda
não inventaram um jeito de mudar a conversa.
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