O Estado de S. Paulo
A direita carece de um líder que represente
a parcela que não flerta com extremismos
“O povo americano se pronunciou, e se pronunciou de forma clara.” Assim, John McCain abre seu discurso de concessão, reconhecendo a vitória de Obama em 2008. O senador republicano anuncia que acabara de telefonar para Obama, parabenizando-o pela vitória. Ouvimos vaias na plateia. McCain, gesticulando com calma, continua seu discurso, pedindo aos seus eleitores que não apenas parabenizem o presidente eleito, mas que deixem as diferenças de lado para um caminho de prosperidade. “Quaisquer que sejam nossas diferenças, somos americanos.” McCain terminou seu discurso com aplausos do público.
Vivemos tempos difíceis no Brasil. Bolsonaro levou 48 horas para se pronunciar depois que o TSE declarou Lula como o vencedor do pleito presidencial. Em um discurso breve, o presidente teve a dignidade de agradecer pelos 58 milhões de votos que obteve. Não teve, no entanto, a grandeza de reconhecer o resultado das eleições e não reprimiu apoiadores que se manifestam nas ruas colocando dúvida sobre o nosso sistema eleitoral.
Bolsonaro nunca foi responsabilizado pelos
seus discursos de ódio. Foram décadas de desrespeito à democracia remunerados
com voto e com uma presidência. Seus delitos são constantemente normalizados.
Reflexo disso vemos no comportamento de seus apoiadores mais extremistas que
seguem nas ruas pedindo “intervenção federal” e fazendo gestos nazistas.
As democracias modernas não encontraram uma
forma de acolher os perdedores de processos políticos – ou de grandes choques
econômicos, como vimos com a crise global de 2008 e a crise brasileira de 2014.
A semente do crescimento da extrema direita no mundo pode, inclusive, estar aí.
É preciso acolher os perdedores destas eleições. A direita carece de um líder que represente essa parcela da população e que não flerte com extremismos. A ascensão de uma direita democrática pode nos ajudar a consolidar nossas instituições e abafar o bolsonarismo.
Na democracia, eventualmente seremos
perdedores, governados por alguém de quem não gostamos. A alternância de poder
está no coração da representatividade democrática. Essa alternância, no
entanto, precisa ser feita por verdadeiros líderes, que respeitem a democracia.
Se tem algo que a recente ressurgência de
Donald Trump e a consolidação de conservadores extremistas nos ensinam nos
Estados Unidos é que não podemos ignorar os malfeitos de um presidente. Trump
incitou a violência no Capitólio e não foi punido por isso. Bolsonaro atenta
contra as instituições. Será que ele vai ser punido?
* Professora do Insper, Ph.D. em Economia pela Universidade de Nova York em Stony Brook
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