Correio Braziliense
Lula é um líder experiente, com
capacidade de negociação. Sabe quais foram os erros que cometeu no poder. A
lógica é não repeti-los. A cúpula do PT, encabeçada por Gleisi e
Mercadante, também
Que ninguém se engane. A primeira tarefa da
transição iniciada, ontem, sob a coordenação do vice-presidente eleito Geraldo
Alckmin é evitar um colapso político-administrativo do governo federal, em
razão da ruptura de políticas em curso, uma vez que a eleição do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva significa a retomada de um projeto nacional centrado
em três grandes eixos: a construção de um Estado democrático ampliado,
permeável à participação da sociedade; a retomada do desenvolvimento, em novas
condições de sustentabilidade, numa economia globalizada; e o combate às
desigualdades, com objetivo de erradicar a miséria e promover a inclusão
social. O governo Bolsonaro tinha metas diametralmente opostas.
Qual é a base real para que o colapso não aconteça? Primeiro, o diálogo entre quem sai e quem entra, para que se estabeleçam níveis básicos de cooperação. De certa forma, o encontro entre o presidente Jair Bolsonaro (PL), depois de seu apelo para que os caminhoneiros liberassem as estradas, e Alckmin foi auspicioso, não importa o teor da conversa.
Com a derrota eleitoral, o governo
Bolsonaro acabou, mas seu mandato ainda não. É preciso um mínimo de
entendimento, mesmo se sabendo que não haverá diálogo entre o atual presidente
e o sucessor por absoluta incompatibilidade de gênios, como diria o falecido
compositor Aldir Blanc. Todos os sinais de Bolsonaro são de que não pretende
passar a faixa para Lula no Palácio do Planalto. Do ponto de vista
institucional, é apenas um gesto simbólico. O petista será diplomado pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e empossado pelo Congresso.
Instituições
Segundo, o colapso pode ser evitado porque
as funções essenciais do Estado são asseguradas pelos órgãos encarregados de
normatizar, arrecadar e de coerção, os quais não seguem apenas a orientação
política do presidente da República, mas regras estabelecidas pelo Congresso,
que são dirimidas, em casos litigiosos, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O
processo eleitoral, no decorrer de um ano muito turbulento, confirmou o que já
se dizia antes: temos instituições fortes, que resistiram aos assédios dos setores
que defendem um regime autoritário.
Nas áreas essenciais para o funcionamento
do governo, uma burocracia estável e bem preparada opera a administração
pública sob o manto da ética e da responsabilidade. As exceções já são
conhecidas e seus protagonistas estão identificados. Não têm força para
obstruir a transição, a ponto de pôr em colapso essas atividades essenciais,
entre as quais a defesa da ordem.
Terceiro, o fato de que existe uma classe
política cuja capacidade de sobrevivência e adaptação às circunstâncias foi
mais uma vez comprovada nas eleições. É inegável o fortalecimento dos partidos
do Centrão, o que exigirá negociações duras em relação a temas sensíveis do
Orçamento. Onde há política, há esperança de soluções negociadas e positivas.
Segundo Alckmin, haverá continuidade,
planejamento e transparência na transição, o que significa acesso da imprensa
às negociações e acompanhamento por parte da opinião pública. O xis da questão
é encontrar um ponto de equilíbrio entre a responsabilidade fiscal e as
demandas sociais mais urgentes, entre as quais a manutenção do Auxílio Brasil
no valor de R$ 600, que não está previsto no Orçamento de 2023.
Sem trégua
Lula não terá a tradicional trégua de 100
dias para se instalar no Palácio do Planalto e começar a governar. Foi eleito
por estreita margem de votos, sua vitória continua sendo contestada por boa
parte dos eleitores de Bolsonaro, uns porque são ideologicamente de extrema
direita, outros porque são antipetistas roxos. A reversão das expectativas que
criou na campanha eleitoral, junto àqueles que mais necessitam do apoio do
governo federal, pode mudar rapidamente a correlação de forças políticas,
transformando o sentimento “era feliz e não sabia” que o trouxe volta ao poder
num bumerangue.
Qual o antídoto contra isso? Não é uma
política populista, porque essa receita foi praticamente esgotada por Bolsonaro
durante a campanha eleitoral, na qual gastou-se muito mais do que se deveria. O
verdadeiro antídoto é a construção de um governo de ampla coalizão democrática,
tarefa pessoal e intransferível de Lula. Os primeiros sinais de que o novo
governo terá esse caráter estão visíveis: a composição ampla da equipe de
transição, as negociações com os caciques do Centrão, a valorização da aliança
com os partidos e a não cooptação de seus integrantes para compor o novo
governo.
Lula é um líder político experiente, com
capacidade de negociação. Sabe perfeitamente quais foram os erros que cometeu
no poder. A lógica é não repeti-los. A cúpula do PT, encabeçada por Gleisi
Hoffmann e Aloizio Mercadante na transição, também tem experiência política e
administrativa. Sabe que não vale a pena cotovelar os aliados para ocupar todos
os espaços no futuro governo, pois já têm a Presidência e o controle das
posições mais estratégicas e importantes.
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