O mundo político virou a chave
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro grita e a caravana passa. Lideranças políticas se mobilizam para isolar espasmos golpistas e já se movimentam orientadas pela mudança do centro gravitacional do poder
Os irresignáveis à derrota do presidente
Jair Bolsonaro podem continuar esperneando por tempo indeterminado. O próprio
mandatário pode seguir lançando suspeitas sobre a lisura da eleição e
estimulando à sua maneira a insurgência de seus camisas pardas. O fato é que
Bolsonaro grita e a caravana passa. À luz do dia, o mundo político se mobiliza
para isolar os últimos espasmos golpistas e já se movimenta orientado pela
mudança do centro gravitacional do poder. Em Brasília, Bolsonaro representa o
passado; o petista Luiz Inácio Lula da Silva, o futuro.
Evidentemente, ainda é muito cedo para
saber como será o terceiro mandato de Lula como presidente da República. Há, no
entanto, sinais de que a política, como a arte da negociação de interesses e
prioridades por vezes conflitantes, pode ser resgatada depois desse longo
inverno da antipolítica bolsonarista. Nos últimos quatro anos, Bolsonaro
subverteu as regras mais comezinhas do diálogo institucional e republicano
entre políticos e entre instituições, o que resultou em retrocessos sociais e
econômicos de tal ordem que custaram a sua reeleição.
Traquejados negociadores políticos, como o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro
Nogueira (PP-PI), e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, todos
bolsonaristas empedernidos até pouquíssimos dias atrás, já abriram canais de
diálogo com emissários do futuro governo. A nenhum desses atores políticos
interessa a instabilidade gerada pelas birras golpistas de Bolsonaro.
Enquanto o presidente continua a considerar legítimas as manifestações dos delinquentes que demandam um golpe militar, Arthur Lira já trata com integrantes da equipe de Lula sobre o encaminhamento de medidas prometidas pelo petista durante a campanha. Ciro Nogueira, por sua vez, foi quem deu início oficial à transição de governo. Por fim, Valdemar Costa Neto pode até ter prometido pagar as contas de Bolsonaro – de olho, é claro, no robusto capital eleitoral do presidente –, mas é inimaginável ver o prócer do Centrão cerrando fileiras com a oposição ao petista a partir de janeiro. Gilberto Kassab, presidente do PSD, e Marcos Pereira, do Republicanos, são outras lideranças políticas experientes que dificilmente não comporão de alguma forma com a nova administração federal.
Lula tem plena consciência de que sua
vitória não foi uma chancela da maioria dos eleitores à agenda do PT. O petista
sabe que precisará negociar com todas essas forças políticas não ligadas ao
bolsonarismo mais radical, no Congresso e fora dele, se quiser realizar um
governo minimamente funcional. Nesse sentido, foi providencial a nomeação de
Geraldo Alckmin, um vistoso não petista, como coordenador da equipe de
transição de governo. Seria natural, até esperado, que algum “companheiro”
petista ocupasse o posto. Mas, ao nomear Alckmin, Lula tenta sinalizar que fala
sério quando diz que o futuro governo não será do PT – algo que ainda não é
muito fácil de acreditar. Seja como for, a imagem de moderação e de boa
articulação de Alckmin na transição é um claro contraste com os conflitos
estimulados por Bolsonaro ao longo de todo o seu tenebroso mandato.
Manda a prudência que o País se abstenha de
grandes expectativas sobre o próximo governo, sobretudo quando se recorda da
má-fé de Lula, que, na sua primeira passagem pelo poder, desqualificou todos os
governos anteriores e dividiu a sociedade em “nós” e “eles” – semente, aliás,
do ressentimento que cevou o bolsonarismo. Mas é fato que, em seus primeiros
passos, o time do petista indica que está sendo gestado um governo “normal” – o
que seria um estrondoso avanço.
A eleição do petista Lula da Silva se
descortina como uma volta à política dita tradicional, aqui entendida como a
negociação de espaços de poder e agenda baseada em consensos mínimos. Que assim
seja, pois são enormes os desafios sociais, fiscais e políticos que o governo
que se avizinha terá de enfrentar. E só a boa política será capaz de oferecer a
estabilidade que o País tanto precisa para superá-los.
A hora da verdade para a direita
O Estado de S. Paulo
O PT conquistou o governo, mas a direita se fortaleceu. Conservadores e liberais precisam se livrar de suas perversões: os reacionários extremistas
Muito se fala de uma nova “onda rosa”,
comparável à da primeira década do século na América Latina. A eleição do jovem
“socialista libertário” Gabriel Boric no Chile seria seu maior marco, e o
retorno de Lula da Silva no Brasil, sua apoteose. Em favor dessa tese, se se
pintasse o mapa das Américas, ele seria vermelho. Com exceção de meia dúzia de
pequenos países, a esquerda (ou seus equivalentes brandos) governa o Canadá e
os EUA, passando por México e Colômbia e chegando à Argentina. Mas há razões
para questionar a tese, seja pelas causas desse movimento, seja pela sua
identidade, seja por sua força.
Muitos desses governos foram eleitos menos
por aderência à esquerda e mais por sentimentos anti-establishment, que puniram
incumbentes de direita desgastados (sobretudo com a pandemia), os quais haviam
ascendido pelo desgaste da “onda rosa” original. Depois, entre os esquerdistas
há mais diferenças que similaridades. Como argumentou o ex-chanceler mexicano
Jorge Castañeda, há ao menos duas esquerdas na região: uma “moderna, aberta,
reformista e internacionalista” e outra “nacionalista, estridente e fechada”.
Entre ambas há muitas variações e divergências. Além disso, há sinais de que as
mesmas mazelas socioeconômicas que desacreditaram incumbentes direitistas estão
agora desacreditando os esquerdistas, caracterizando um movimento mais pendular
que ondular. Nos EUA, por exemplo, há uma propensão à retomada do Congresso
pelos Republicanos nas eleições de novembro. No Chile, a popularidade de Boric
está em queda, e a população repudiou uma proposta constitucional
ultraprogressista.
No Brasil, se há que falar em uma onda na
última década, é da direita. Ela começa em 2013, com multidões irritadas com os
desmandos lulopetistas. A oscilação das duas últimas legislaturas à direita foi
consolidada nestas eleições. Se a esquerda conquistou o Executivo federal,
eleitores de Estados decisivos como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Rio Grande do Sul optaram por governos à direita. A própria campanha de Lula é
sintomática. Por cálculo ou convicção – o futuro dirá –, Lula mobilizou um
amplo movimento ao centro, com toques de direita.
Jair Bolsonaro optou pela radicalização. Se
venceu em todas as regiões, exceto o Nordeste, é mais pela rejeição do
eleitorado conservador e liberal à agenda de esquerda. Se perdeu a maioria
geral, foi menos pela força de uma “onda” progressista e mais pela aversão ao
seu extremismo reacionário. Sua concepção da política como uma luta entre
amigos e inimigos, seus prismas conspiratórios, seu autoritarismo ou seu culto
à personalidade se opõem ao ideário religioso de amor ao próximo e a valores
políticos conservadores e liberais, como reformas ao invés de rupturas; a
negociação ao invés de eliminação; a separação dos Poderes e sua
descentralização ao invés da concentração e do atrito; a independência das
instituições ao invés de sua submissão ao governo; ou o livre mercado ao invés
do intervencionismo estatal.
Muitos à direita sentem a vitória de Lula
como uma derrota. Mas Lula precisará transigir com a direita para governar. A
derrota de Bolsonaro pode ser uma vitória da direita civilizada, se for capaz
de expurgar da “onda” direitista seus corpos estranhos mais perniciosos, seja o
neorreacionarismo – que, de início, em meio à atmosfera sectarista promovida
pelos radicais petistas, lhe deu tração, mas depois se provou tão
autodestrutivo –, seja o clientelismo das velhas oligarquias – que se travestem
com o manto “conservador” apenas para conservar seus privilégios.
Sem implicar uma rejeição aos objetivos
mais valiosos da esquerda, como a justiça social e a inclusão das minorias, há
um revigoramento na sociedade de ideais caros ao conservadorismo e ao
liberalismo, vistos como meios mais eficazes de atingir esses objetivos, como a
rejeição ao Estado patrimonialista e paternalista e a valorização da família,
da igualdade de oportunidades, da livre-iniciativa, do mérito pessoal e da
produtividade econômica. O que está em falta são lideranças capazes de encarnar
esses ideais e materializá-los em ações.
O mundo acuado pela alta de juros
O Estado de S. Paulo
Maior aperto financeiro, após novas altas de juros nos EUA e na Europa, poderá afetar início do próximo governo
Mais um aperto está sendo imposto aos
mercados com o novo aumento dos juros americanos, e o arrocho financeiro tende
a complicar, em 2023, as tarefas iniciais do governo do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. O arrocho internacional deve continuar e ainda poderá ficar bem
mais severo, se a inflação for enfrentada na zona do euro com maior restrição
monetária. A inflação ao consumidor nos Estados Unidos atingiu 8,2% nos 12
meses até setembro, taxa pouco menor que a acumulada até o mês anterior, 8,3%.
Diante da persistência da alta de preços, o Federal Reserve (Fed, o banco
central americano) pela quarta vez adicionou 0,75 ponto porcentual aos juros
básicos, elevando-os para a faixa de 3,75% a 4%. O próximo aumento deverá ser
mais moderado, mas o teto será maior que o esperado pelo mercado, adiantou o
presidente da instituição, Jerome Powell. Sem surpresa, as ações despencaram
nas bolsas na manhã de quinta-feira, dia seguinte ao do anúncio do Fed.
O Banco Central Europeu (BCE), responsável
pela gestão do euro, já havia elevado os juros básicos, na semana anterior,
para 1,5%, a taxa mais alta desde 2009. Conhecido o novo aumento dos juros
americanos, a presidente do BCE, Christine Lagarde, admitiu a importância de
observar todas as consequências atentamente, mas sem acompanhar,
necessariamente, a decisão americana. “Não somos iguais e não podemos progredir
no mesmo ritmo e sob o mesmo diagnóstico de nossas economias”, disse Lagarde.
Na quinta-feira, no entanto, o Banco da Inglaterra ajustou os juros básicos de
2,25% para 3%, na maior alta em 33 anos.
A presidente do BCE pode ter razões para
defender uma política própria, mas deve esforçar-se para conter uma inflação de
9,9% nos 12 meses até setembro. No mês anterior a taxa acumulada havia batido
em 9,1%. No Reino Unido, a taxa acumulada em um ano subiu de 8,6% para 8,8%
entre aqueles meses.
Não há como menosprezar a inflação, porque
os números permanecem acima dos padrões habituais mesmo com a exclusão de
alimentos e energia. Na média das sete maiores economias capitalistas, a taxa
acumulada cai de 7,7% para 5,4% quando esses dois itens são
desconsiderados. Na média dos 38 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), a redução é de 10,5% para 7,6%. As pressões
são difusas e atingem outros bens e também o setor de serviços.
A difusão é evidente também no Brasil, onde os desajustes de preços foram disfarçados, durante alguns meses, pela redução de impostos sobre combustíveis. Essa intervenção política, de efeito passageiro, derrubou de imediato alguns custos, sem eliminar as causas principais de elevação do custo de vida. O mercado brasileiro continua exposto ao comércio internacional, às pressões causadas pelas oscilações do câmbio e, naturalmente, aos problemas derivados da gestão voluntarista das contas públicas. Por esses fatores internos e também pelas condições internacionais, qualquer redução dos juros básicos no País deverá ser lenta e muito cautelosa no próximo ano.
O Globo
Eleição não foi uma autorização para criar
despesas sem limite nem para aumentar a carga tributária
Ainda candidato, Luiz Inácio Lula da Silva
fez inúmeras promessas: manter o Auxílio Brasil em R$ 600 e dar um benefício
adicional de R$ 150 por criança; reajustar o salário mínimo acima da inflação;
corrigir a tabela do Imposto de Renda isentando quem ganha até R$ 5 mil;
reajustar o salário do funcionalismo; zerar a fila de atendimento no SUS e por
aí afora. Numa campanha em que o debate foi sufocado pela guerra suja,
conseguiu se esquivar de explicar de onde tiraria o dinheiro para tudo. Uma vez
eleito, não dá para se esquivar da realidade.
As cifras sobre os gastos prometidos que não cabem no Orçamento são colossais. O relator da peça orçamentária, senador Marcelo Castro (MDB-PI), vinha articulando a aprovação de gastos adicionais de R$ 100 bilhões antes da eleição. Agora, há quem fale em R$ 175 bilhões, outros já querem R$ 200 bilhões. Depois de reunião ontem com o coordenador da transição, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, parece ter ficado acertada uma autorização emergencial para gastar no início do governo além dos limites fiscais ou, no jargão do mercado, um waiver.
É legítimo que se tente acomodar no
Orçamento de 2023 parte dos gastos prometidos. Mas Lula precisa lembrar que a
eleição não significou uma licença para gastar sem limites. Só a manutenção do
Auxílio Brasil custa R$ 52 bilhões. Levando em conta a gravidade da crise
social, é uma despesa que faz sentido. Qualquer waiver, contudo, precisa ser
emergencial. É inaceitável uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que
exclua definitivamente tal gasto do teto. A situação fiscal não muda
magicamente ao chamar uma despesa de investimento social.
A discussão sobre outras promessas deveria
ficar para o ano que vem. O aumento das despesas exige contrapartida em
arrecadação de impostos. Nenhum candidato fez campanha falando em aumentar a
carga tributária, e o Congresso tem driblado o tema. Em vez disso, aprofundou a
crise fiscal com PECs que furaram o teto de gastos e adiaram pagamentos,
fingindo que o problema não existe. No ano que vem, se quer mesmo acabar com o
teto, Lula tem de discutir com os congressistas como cumprir suas promessas de
campanha mediante um novo mecanismo de restrição às despesas públicas e
manutenção da saúde fiscal.
Para o economista Fabio Giambiagi, da
Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e colunista do GLOBO, tal debate deve ser
feito com base na realidade e sem pressa — o contrário do que aconteceu com as
PECs dos Precatórios e a Eleitoral, que minaram a credibilidade do arcabouço de
controle fiscal. Não custa lembrar que o desemprego caiu a 8,5%, a inflação
continua acima da meta, e os juros terão de ficar altos por um bom tempo para
segurá-la. Mais uma onda de expansão fiscal só contribuirá para manter o
aquecimento e a pressão sobre os preços.
O mais importante — agora e sempre — é
evitar a armadilha de gastar de forma desenfreada. Já vimos isso várias vezes
no passado. O que é teto vira piso e, com isso, a dívida sobe como proporção do
tamanho da economia. Em seguida, acontece o óbvio: os investidores põem em
dúvida a capacidade de o país honrar seus compromissos; o governo se vê
obrigado a elevar ainda mais os juros, reduzindo os recursos disponíveis para
investimentos — inclusive os sociais —; e o país segue no atoleiro. Esse
caminho já aprendemos que não leva a lugar nenhum.
Autoridades precisam investigar e punir
quem incentiva atos golpistas
O Globo
É urgente descobrir os responsáveis por
coordenar e patrocinar bloqueios e protestos que tumultuam o país
É preocupante que, depois de uma campanha
eleitoral marcada por uma guerra suja sem precedentes e de uma votação
acirrada, o país seja perturbado por manifestações golpistas de quem se recusa
a aceitar o resultado das urnas. Situação inaceitável num Estado Democrático.
Embora tenham diminuindo significativamente
desde segunda-feira, após ação mais enérgica da Polícia Rodoviária Federal
(PRF) e das Polícias Militares (PMs), os bloqueios ilegais de caminhoneiros,
que chegaram a interditar estradas em 22 das 27 unidades da Federação, ainda
atrapalham a vida dos brasileiros. Os transtornos e prejuízos são inestimáveis.
A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) informou que mais de
30 linhas de produção foram afetadas. Já falta combustível em vários postos. A
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alertou sobre o risco de
desabastecimento de remédios. O presidente Jair Bolsonaro pediu explicitamente
que os caminhoneiros liberem as estradas, mas ainda havia ontem pontos de
interdição.
Paralelamente, surgiram movimentos
coordenados no país todo contra o resultado legítimo das urnas. No feriado de
Finados, milhares de eleitores foram para a frente de unidades do Exército
pedir intervenção militar. As manifestações, expressivas em cidades como Rio e
São Paulo, foram convocadas pelas redes sociais da noite para o dia.
Manifestantes prometem não arredar pé.
É urgente investigar se tais atos são
patrocinados, o que configura crime. O procurador-geral de Justiça de São
Paulo, Mario Sarrubbo, afirmou que as apurações preliminares sugerem que
empresários financiaram os bloqueios em rodovias que cortam o estado. Chama a
atenção que os grupos de baderneiros resistam mesmo após a aplicação de multas
pesadas — a PRF informou que elas já somam mais de R$ 18 milhões.
Mais do que nunca, as autoridades precisam
ter serenidade ao lidar com as manifestações golpistas. É evidente que os
bloqueios nas estradas precisam ser desarticulados, pois ninguém pode cercear o
direito de ir e vir. A questão deve ser tratada como caso de polícia. Quanto às
aglomerações em frente aos quartéis, é preciso investigar se há ilegalidades. A
Lei do Estado Democrático de Direito felizmente não criminalizou manifestações,
mas há limites. A nova legislação considera crime incitar “a animosidade entre
as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições
civis ou a sociedade”.
Uma coisa é protestar contra a derrota, mesmo num cenário de eleições limpas e transparentes. É do jogo. Outra, bem diferente, é fechar estradas ou promover atos flagrantemente ilegais que atentam contra as instituições democráticas e flertam com a barbárie — num dos protestos, manifestantes fizeram a saudação nazista. Devem-se preservar as liberdades de opinião e manifestação, desde que se respeitem a lei e a Constituição. E investigar e punir quem as viola.
A ordem dos fatores
Folha de S. Paulo
Ajuste do Orçamento é 1ª missão de Lula;
depois há regras para impostos e gastos
Como é natural, a transição
para um novo governo começa com prioridades concorrentes, em
especial na gestão do Orçamento e na área tributária. Diante da fragilidade das
contas públicas e do desafio de restaurar a credibilidade da política
econômica, o sequenciamento das medidas precisa ser especialmente cuidadoso.
O fundamental deve ser a revisão do projeto
de lei orçamentária para 2023, enviado ao Congresso pela administração de Jair
Bolsonaro (PL) sem a inclusão de despesas que se tornaram inevitáveis. O
relator da peça, senador Marcelo Castro (MDB-PI) estimou em entrevista à Folha
que haja ajustes de ao
menos R$ 100 bilhões a fazer.
A manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600
mensais é um imperativo, mas há outros, como a recomposição de verbas para custeio
e investimento, além da concessão de uma modesta correção real para o salário
mínimo —todas promessas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A questão é como viabilizar as mudanças. Um
caminho ventilado por membros da equipe de transição petista —retirar rubricas
do teto constitucional para gasto da União— é temerário, pois abriria caminho
para aumentos permanentes sem fontes de financiamento.
Parece mais razoável permitir desembolsos
excepcionais, concentrados no próximo ano, circunscritos às prioridades e em
parte financiados pelas emendas de relator. O volume não deve ir além do já
calculado, de modo a evitar um déficit fiscal capaz de abalar a confiança na
dívida pública.
É preciso separar o tratamento da urgência
orçamentária da discussão mais estrutural, que não pode ser feita às pressas,
relativa à nova regra que substituirá o teto inscrito na Constituição.
Antes de qualquer decisão com impactos de
longo prazo, será necessário ter mais clara a dinâmica de receitas e despesas,
o que pressupõe rever programas sociais, avaliar cortes das excessivas
desonerações tributárias e considerar mudanças no Imposto de Renda.
A proposta de Lula de isentar da
cobrança vencimentos de até R$ 5.000 mensais, aliás, é péssima
—por privilegiar estratos com renda muito acima da média nacional, hoje em
torno de R$ 2.700.
A partir do início do próximo ano, pode-se
dar impulso à reforma tributária mais fundamental para o crescimento econômico
—a simplificação geral dos impostos incidentes sobre a produção e o consumo,
com a criação de uma cobrança sobre valor agregado.
A meta deve ser um Estado capaz de manter seu endividamento sob controle, que tribute com mais justiça e deixe de lado interesses setoriais para priorizar educação básica, saúde e proteção social.
Novo rumo no clima
Folha de S. Paulo
Promessas de Lula farão sucesso na COP27,
mas não tanto no front doméstico
Começa no domingo (6), no balneário egípcio
de Sharm el-Sheik, a 27ª conferência da ONU sobre mudanças climáticas, a COP27.
Três décadas após a assinatura do tratado que fundou o evento, o planeta ainda
aguarda medidas capazes de conter o aquecimento global.
O Brasil
retorna ao proscênio, agora não mais como vilão. Sai da ribalta Jair
Bolsonaro (PL), que presidiu um retrocesso inaudito na área ambiental,
relegando o país à condição de pária.
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), deu destaque a questões ambientais em seu discurso de vitória.
Indicou que irá empenhar-se em reduzir a zero o desmatamento, maior fonte
nacional de gases do efeito estufa, retomar a política indigenista e reprimir o
garimpo ilegal.
Depois do ataque bolsonarista contra o meio
ambiente, a mudança de governo soou como música a quem defende o valor da
floresta em pé, aqui ou no estrangeiro. Lula já
confirmou que irá ao Egito, para começar a devolver ao Brasil a
condição de parceiro e protagonista nesse esforço internacional.
De pronto, pouco poderá fazer além de
declarar boas intenções. Estará no meio da transição de governo, ainda sem o
comando da máquina pública e do Orçamento —cujas possibilidades, aliás,
continuarão restritas.
Belas promessas não serão capazes de
materializar o objetivo do Acordo de Paris (2015): conter o aquecimento médio
da atmosfera no limite seguro de 1,5ºC. Os compromissos nacionais ainda são
insuficientes e a trajetória
das emissões mundiais aponta para alta ameaçadora de 2,8ºC.
O carbono emitido pelo Brasil em 2021
cresceu 12,2%, maior avanço em dois decênios. Para agravar o saldo negativo, o
último inventário nacional de emissões revisou a linha de base de 2005 e, na
prática, deu ao país espaço para sacar a descoberto emissão adicional de
carbono comparável à do Japão.
Bolsonaro aumentou o descrédito de Brasília
ao lançar a bazófia de cortar em 50% o carbono aqui emitido até 2030. Um
objetivo irrealizável, em face do vale-tudo que instaurou no meio rural.
Lula precisará atualizar a meta nacional.
Mais que isso, deve delinear políticas públicas capazes de implementá-la no
campo, onde haverá forte resistência, e usar toda sua capacidade de negociação
para suplantar barreiras que serão erguidas por setores retrógrados do
agronegócio.
Valor Econômico
Taxas restritivas de juros poderão
permanecer por mais tempo no horizonte
Aumentos da taxa de juros de 0,75 ponto
percentual tornaram-se a cadência usual do aperto da política monetária nos
países desenvolvidos, uma situação completamente anormal provocada por inflação
próxima a dois dígitos nos Estados Unidos e superior a 10% na zona do euro e no
Reino Unido. Banco Central Europeu, Banco da Inglaterra e o Federal Reserve
americano fizeram aumentos desta magnitude em suas mais recentes reuniões. Até
quando este ritmo anômalo vai durar não se sabe, mas o Fed, o mais avançado na rota
restritiva, deve moderar os ajustes na próxima reunião, ou na subsequente,
indicou Jerome Powell, presidente do banco.
A taxa básica de juros atingiu 3,75 a 4%
nos EUA, 1,5% na zona do euro e 3% no Reino Unido. A definição dos próximos
passos de política monetária é dependente do estágio do ciclo de alta e da
resposta inflacionária obtida até agora. O BCE, o retardatário nesta corrida,
não pretende mudar de instância tão cedo, disse Christine Lagarde, presidente
do banco, nem mesmo diante da perspectiva de uma “recessão suave” que, para
ela, será insuficiente para domar a inflação.
Em pior situação, e sob escrutínio dos
mercados, o Banco da Inglaterra, em sua reunião de ontem, ainda que elevando a
taxa em seu maior percentual em 30 anos, sinalizou que provavelmente os juros
não irão tão longe quanto os investidores acreditam que irão. Mesmo assim, as
perspectivas são desanimadoras. O banco fez dois cenários e neles, ou há uma
recessão por cinco trimestres, no caso de os juros permanecerem em 3%, ou por oito
trimestres - a mais longa retração desde a II Guerra Mundial -, com juros em
5,5%.
O Federal Reserve, porém, anunciou que a
partir de agora, para os próximos ajustes, levará em conta a magnitude dos
aumentos já realizados e a defasagem com que a política monetária age sobre a
economia e a inflação. “Eu disse que em determinado momento seria apropriado
desacelerar o ritmo de aumentos”, afirmou Powell em entrevista na quarta-feira.
“Este momento está chegando e pode chegar já a partir do próxima reunião ou da
seguinte”.
Desde que se implantou um ritmo intenso de
restrição monetária, os mercados duvidaram que o Fed o mantivesse, diante da
perspectiva de uma recessão. No entanto, os números da economia americana
praticamente ratificaram a corrida do Fed em direção a um juro restritivo,
acima do neutro. O principal alvo do Fed, o mercado de trabalho, não deu sinais
evidentes de fraqueza. Em setembro, o número de vagas abertas chegou a 437 mil,
superior ao de agosto, mantendo a relação entre vagas abertas e pessoas que
buscam emprego em uma relação de dois para um.
O nível de atividade se recuperou no
terceiro trimestre, impulsionado pelas exportações e pelos gastos de consumo.
Depois dos dois trimestres iniciais com leve contração, uma recessão técnica, o
PIB do terceiro trimestre cresceu 2,6%. A inflação, por seu lado, resiste a
cair. Mesmo com a redução dos preços de energia, o índice de preços ao
consumidor (CPI) em doze meses diminuiu de 8,3% em agosto, para 8,2% em
setembro. Pior, o núcleo dos preços, que retira os itens voláteis, como
alimentos e energia, subiu na comparação anual de 6,3% para 6,6%.
Powell, portanto, indicou que haverá mais
aumentos de juros para levar a inflação à meta de 2%, ainda que eles venham em
doses menores, uma indicação de que o banco acredita que pelo menos a maior
parte do caminho do aperto já foi percorrido. No entanto, o Fed não deu o menor
sinal de que esteja sequer próximo do ponto em que os ajustes serão
interrompidos. A mensagem positiva da menor dosagem, que impulsionou na quarta
os mercados financeiros, deu lugar ao pessimismo, logo após a entrevista de
Powell.
O presidente do Fed indicou que o nível da
taxa de juros ao fim do ciclo “será maior que o esperado”. Sua afirmação de que
não será um par de meses com inflação em queda que fará o banco abrir a guarda
pode soar como um sinal de que taxas restritivas de juros poderão permanecer
por mais tempo no horizonte.
Ontem, os títulos do Tesouro de 2 anos
chegaram a 4,75%, nível máximo apontado pela mediana das projeções dos membros
do Fed projetava para dezembro de 2023. É assim mais que provável que a taxa
terminal ultrapasse os 5%. O mercado futuro de fed funds estimava ontem um pico
de 5,15% (juro de 5% a 5,25%) em junho do ano que vem. Será então cada vez mais
difícil evitar a recessão nos EUA.
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