sexta-feira, 4 de novembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

O mundo político virou a chave

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro grita e a caravana passa. Lideranças políticas se mobilizam para isolar espasmos golpistas e já se movimentam orientadas pela mudança do centro gravitacional do poder

Os irresignáveis à derrota do presidente Jair Bolsonaro podem continuar esperneando por tempo indeterminado. O próprio mandatário pode seguir lançando suspeitas sobre a lisura da eleição e estimulando à sua maneira a insurgência de seus camisas pardas. O fato é que Bolsonaro grita e a caravana passa. À luz do dia, o mundo político se mobiliza para isolar os últimos espasmos golpistas e já se movimenta orientado pela mudança do centro gravitacional do poder. Em Brasília, Bolsonaro representa o passado; o petista Luiz Inácio Lula da Silva, o futuro.

Evidentemente, ainda é muito cedo para saber como será o terceiro mandato de Lula como presidente da República. Há, no entanto, sinais de que a política, como a arte da negociação de interesses e prioridades por vezes conflitantes, pode ser resgatada depois desse longo inverno da antipolítica bolsonarista. Nos últimos quatro anos, Bolsonaro subverteu as regras mais comezinhas do diálogo institucional e republicano entre políticos e entre instituições, o que resultou em retrocessos sociais e econômicos de tal ordem que custaram a sua reeleição.

Traquejados negociadores políticos, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, todos bolsonaristas empedernidos até pouquíssimos dias atrás, já abriram canais de diálogo com emissários do futuro governo. A nenhum desses atores políticos interessa a instabilidade gerada pelas birras golpistas de Bolsonaro.

Enquanto o presidente continua a considerar legítimas as manifestações dos delinquentes que demandam um golpe militar, Arthur Lira já trata com integrantes da equipe de Lula sobre o encaminhamento de medidas prometidas pelo petista durante a campanha. Ciro Nogueira, por sua vez, foi quem deu início oficial à transição de governo. Por fim, Valdemar Costa Neto pode até ter prometido pagar as contas de Bolsonaro – de olho, é claro, no robusto capital eleitoral do presidente –, mas é inimaginável ver o prócer do Centrão cerrando fileiras com a oposição ao petista a partir de janeiro. Gilberto Kassab, presidente do PSD, e Marcos Pereira, do Republicanos, são outras lideranças políticas experientes que dificilmente não comporão de alguma forma com a nova administração federal.

Lula tem plena consciência de que sua vitória não foi uma chancela da maioria dos eleitores à agenda do PT. O petista sabe que precisará negociar com todas essas forças políticas não ligadas ao bolsonarismo mais radical, no Congresso e fora dele, se quiser realizar um governo minimamente funcional. Nesse sentido, foi providencial a nomeação de Geraldo Alckmin, um vistoso não petista, como coordenador da equipe de transição de governo. Seria natural, até esperado, que algum “companheiro” petista ocupasse o posto. Mas, ao nomear Alckmin, Lula tenta sinalizar que fala sério quando diz que o futuro governo não será do PT – algo que ainda não é muito fácil de acreditar. Seja como for, a imagem de moderação e de boa articulação de Alckmin na transição é um claro contraste com os conflitos estimulados por Bolsonaro ao longo de todo o seu tenebroso mandato.

Manda a prudência que o País se abstenha de grandes expectativas sobre o próximo governo, sobretudo quando se recorda da má-fé de Lula, que, na sua primeira passagem pelo poder, desqualificou todos os governos anteriores e dividiu a sociedade em “nós” e “eles” – semente, aliás, do ressentimento que cevou o bolsonarismo. Mas é fato que, em seus primeiros passos, o time do petista indica que está sendo gestado um governo “normal” – o que seria um estrondoso avanço.

A eleição do petista Lula da Silva se descortina como uma volta à política dita tradicional, aqui entendida como a negociação de espaços de poder e agenda baseada em consensos mínimos. Que assim seja, pois são enormes os desafios sociais, fiscais e políticos que o governo que se avizinha terá de enfrentar. E só a boa política será capaz de oferecer a estabilidade que o País tanto precisa para superá-los.

A hora da verdade para a direita

O Estado de S. Paulo

O PT conquistou o governo, mas a direita se fortaleceu. Conservadores e liberais precisam se livrar de suas perversões: os reacionários extremistas

Muito se fala de uma nova “onda rosa”, comparável à da primeira década do século na América Latina. A eleição do jovem “socialista libertário” Gabriel Boric no Chile seria seu maior marco, e o retorno de Lula da Silva no Brasil, sua apoteose. Em favor dessa tese, se se pintasse o mapa das Américas, ele seria vermelho. Com exceção de meia dúzia de pequenos países, a esquerda (ou seus equivalentes brandos) governa o Canadá e os EUA, passando por México e Colômbia e chegando à Argentina. Mas há razões para questionar a tese, seja pelas causas desse movimento, seja pela sua identidade, seja por sua força.

Muitos desses governos foram eleitos menos por aderência à esquerda e mais por sentimentos anti-establishment, que puniram incumbentes de direita desgastados (sobretudo com a pandemia), os quais haviam ascendido pelo desgaste da “onda rosa” original. Depois, entre os esquerdistas há mais diferenças que similaridades. Como argumentou o ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda, há ao menos duas esquerdas na região: uma “moderna, aberta, reformista e internacionalista” e outra “nacionalista, estridente e fechada”. Entre ambas há muitas variações e divergências. Além disso, há sinais de que as mesmas mazelas socioeconômicas que desacreditaram incumbentes direitistas estão agora desacreditando os esquerdistas, caracterizando um movimento mais pendular que ondular. Nos EUA, por exemplo, há uma propensão à retomada do Congresso pelos Republicanos nas eleições de novembro. No Chile, a popularidade de Boric está em queda, e a população repudiou uma proposta constitucional ultraprogressista.

No Brasil, se há que falar em uma onda na última década, é da direita. Ela começa em 2013, com multidões irritadas com os desmandos lulopetistas. A oscilação das duas últimas legislaturas à direita foi consolidada nestas eleições. Se a esquerda conquistou o Executivo federal, eleitores de Estados decisivos como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul optaram por governos à direita. A própria campanha de Lula é sintomática. Por cálculo ou convicção – o futuro dirá –, Lula mobilizou um amplo movimento ao centro, com toques de direita.

Jair Bolsonaro optou pela radicalização. Se venceu em todas as regiões, exceto o Nordeste, é mais pela rejeição do eleitorado conservador e liberal à agenda de esquerda. Se perdeu a maioria geral, foi menos pela força de uma “onda” progressista e mais pela aversão ao seu extremismo reacionário. Sua concepção da política como uma luta entre amigos e inimigos, seus prismas conspiratórios, seu autoritarismo ou seu culto à personalidade se opõem ao ideário religioso de amor ao próximo e a valores políticos conservadores e liberais, como reformas ao invés de rupturas; a negociação ao invés de eliminação; a separação dos Poderes e sua descentralização ao invés da concentração e do atrito; a independência das instituições ao invés de sua submissão ao governo; ou o livre mercado ao invés do intervencionismo estatal.

Muitos à direita sentem a vitória de Lula como uma derrota. Mas Lula precisará transigir com a direita para governar. A derrota de Bolsonaro pode ser uma vitória da direita civilizada, se for capaz de expurgar da “onda” direitista seus corpos estranhos mais perniciosos, seja o neorreacionarismo – que, de início, em meio à atmosfera sectarista promovida pelos radicais petistas, lhe deu tração, mas depois se provou tão autodestrutivo –, seja o clientelismo das velhas oligarquias – que se travestem com o manto “conservador” apenas para conservar seus privilégios.

Sem implicar uma rejeição aos objetivos mais valiosos da esquerda, como a justiça social e a inclusão das minorias, há um revigoramento na sociedade de ideais caros ao conservadorismo e ao liberalismo, vistos como meios mais eficazes de atingir esses objetivos, como a rejeição ao Estado patrimonialista e paternalista e a valorização da família, da igualdade de oportunidades, da livre-iniciativa, do mérito pessoal e da produtividade econômica. O que está em falta são lideranças capazes de encarnar esses ideais e materializá-los em ações.

O mundo acuado pela alta de juros

O Estado de S. Paulo

Maior aperto financeiro, após novas altas de juros nos EUA e na Europa, poderá afetar início do próximo governo

Mais um aperto está sendo imposto aos mercados com o novo aumento dos juros americanos, e o arrocho financeiro tende a complicar, em 2023, as tarefas iniciais do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O arrocho internacional deve continuar e ainda poderá ficar bem mais severo, se a inflação for enfrentada na zona do euro com maior restrição monetária. A inflação ao consumidor nos Estados Unidos atingiu 8,2% nos 12 meses até setembro, taxa pouco menor que a acumulada até o mês anterior, 8,3%. Diante da persistência da alta de preços, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) pela quarta vez adicionou 0,75 ponto porcentual aos juros básicos, elevando-os para a faixa de 3,75% a 4%. O próximo aumento deverá ser mais moderado, mas o teto será maior que o esperado pelo mercado, adiantou o presidente da instituição, Jerome Powell. Sem surpresa, as ações despencaram nas bolsas na manhã de quinta-feira, dia seguinte ao do anúncio do Fed.

O Banco Central Europeu (BCE), responsável pela gestão do euro, já havia elevado os juros básicos, na semana anterior, para 1,5%, a taxa mais alta desde 2009. Conhecido o novo aumento dos juros americanos, a presidente do BCE, Christine Lagarde, admitiu a importância de observar todas as consequências atentamente, mas sem acompanhar, necessariamente, a decisão americana. “Não somos iguais e não podemos progredir no mesmo ritmo e sob o mesmo diagnóstico de nossas economias”, disse Lagarde. Na quinta-feira, no entanto, o Banco da Inglaterra ajustou os juros básicos de 2,25% para 3%, na maior alta em 33 anos.

A presidente do BCE pode ter razões para defender uma política própria, mas deve esforçar-se para conter uma inflação de 9,9% nos 12 meses até setembro. No mês anterior a taxa acumulada havia batido em 9,1%. No Reino Unido, a taxa acumulada em um ano subiu de 8,6% para 8,8% entre aqueles meses.

Não há como menosprezar a inflação, porque os números permanecem acima dos padrões habituais mesmo com a exclusão de alimentos e energia. Na média das sete maiores economias capitalistas, a taxa acumulada cai de 7,7% para 5,4% quando esses dois itens são desconsiderados. Na média dos 38 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a redução é de 10,5% para 7,6%. As pressões são difusas e atingem outros bens e também o setor de serviços.

A difusão é evidente também no Brasil, onde os desajustes de preços foram disfarçados, durante alguns meses, pela redução de impostos sobre combustíveis. Essa intervenção política, de efeito passageiro, derrubou de imediato alguns custos, sem eliminar as causas principais de elevação do custo de vida. O mercado brasileiro continua exposto ao comércio internacional, às pressões causadas pelas oscilações do câmbio e, naturalmente, aos problemas derivados da gestão voluntarista das contas públicas. Por esses fatores internos e também pelas condições internacionais, qualquer redução dos juros básicos no País deverá ser lenta e muito cautelosa no próximo ano. 

Governo Lula não deve ter uma nova licença para gastar

O Globo

Eleição não foi uma autorização para criar despesas sem limite nem para aumentar a carga tributária

Ainda candidato, Luiz Inácio Lula da Silva fez inúmeras promessas: manter o Auxílio Brasil em R$ 600 e dar um benefício adicional de R$ 150 por criança; reajustar o salário mínimo acima da inflação; corrigir a tabela do Imposto de Renda isentando quem ganha até R$ 5 mil; reajustar o salário do funcionalismo; zerar a fila de atendimento no SUS e por aí afora. Numa campanha em que o debate foi sufocado pela guerra suja, conseguiu se esquivar de explicar de onde tiraria o dinheiro para tudo. Uma vez eleito, não dá para se esquivar da realidade.

As cifras sobre os gastos prometidos que não cabem no Orçamento são colossais. O relator da peça orçamentária, senador Marcelo Castro (MDB-PI), vinha articulando a aprovação de gastos adicionais de R$ 100 bilhões antes da eleição. Agora, há quem fale em R$ 175 bilhões, outros já querem R$ 200 bilhões. Depois de reunião ontem com o coordenador da transição, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, parece ter ficado acertada uma autorização emergencial para gastar no início do governo além dos limites fiscais ou, no jargão do mercado, um waiver.

É legítimo que se tente acomodar no Orçamento de 2023 parte dos gastos prometidos. Mas Lula precisa lembrar que a eleição não significou uma licença para gastar sem limites. Só a manutenção do Auxílio Brasil custa R$ 52 bilhões. Levando em conta a gravidade da crise social, é uma despesa que faz sentido. Qualquer waiver, contudo, precisa ser emergencial. É inaceitável uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que exclua definitivamente tal gasto do teto. A situação fiscal não muda magicamente ao chamar uma despesa de investimento social.

A discussão sobre outras promessas deveria ficar para o ano que vem. O aumento das despesas exige contrapartida em arrecadação de impostos. Nenhum candidato fez campanha falando em aumentar a carga tributária, e o Congresso tem driblado o tema. Em vez disso, aprofundou a crise fiscal com PECs que furaram o teto de gastos e adiaram pagamentos, fingindo que o problema não existe. No ano que vem, se quer mesmo acabar com o teto, Lula tem de discutir com os congressistas como cumprir suas promessas de campanha mediante um novo mecanismo de restrição às despesas públicas e manutenção da saúde fiscal.

Para o economista Fabio Giambiagi, da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e colunista do GLOBO, tal debate deve ser feito com base na realidade e sem pressa — o contrário do que aconteceu com as PECs dos Precatórios e a Eleitoral, que minaram a credibilidade do arcabouço de controle fiscal. Não custa lembrar que o desemprego caiu a 8,5%, a inflação continua acima da meta, e os juros terão de ficar altos por um bom tempo para segurá-la. Mais uma onda de expansão fiscal só contribuirá para manter o aquecimento e a pressão sobre os preços.

O mais importante — agora e sempre — é evitar a armadilha de gastar de forma desenfreada. Já vimos isso várias vezes no passado. O que é teto vira piso e, com isso, a dívida sobe como proporção do tamanho da economia. Em seguida, acontece o óbvio: os investidores põem em dúvida a capacidade de o país honrar seus compromissos; o governo se vê obrigado a elevar ainda mais os juros, reduzindo os recursos disponíveis para investimentos — inclusive os sociais —; e o país segue no atoleiro. Esse caminho já aprendemos que não leva a lugar nenhum.

Autoridades precisam investigar e punir quem incentiva atos golpistas

O Globo

É urgente descobrir os responsáveis por coordenar e patrocinar bloqueios e protestos que tumultuam o país

É preocupante que, depois de uma campanha eleitoral marcada por uma guerra suja sem precedentes e de uma votação acirrada, o país seja perturbado por manifestações golpistas de quem se recusa a aceitar o resultado das urnas. Situação inaceitável num Estado Democrático.

Embora tenham diminuindo significativamente desde segunda-feira, após ação mais enérgica da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e das Polícias Militares (PMs), os bloqueios ilegais de caminhoneiros, que chegaram a interditar estradas em 22 das 27 unidades da Federação, ainda atrapalham a vida dos brasileiros. Os transtornos e prejuízos são inestimáveis. A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) informou que mais de 30 linhas de produção foram afetadas. Já falta combustível em vários postos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alertou sobre o risco de desabastecimento de remédios. O presidente Jair Bolsonaro pediu explicitamente que os caminhoneiros liberem as estradas, mas ainda havia ontem pontos de interdição.

Paralelamente, surgiram movimentos coordenados no país todo contra o resultado legítimo das urnas. No feriado de Finados, milhares de eleitores foram para a frente de unidades do Exército pedir intervenção militar. As manifestações, expressivas em cidades como Rio e São Paulo, foram convocadas pelas redes sociais da noite para o dia. Manifestantes prometem não arredar pé.

É urgente investigar se tais atos são patrocinados, o que configura crime. O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo, afirmou que as apurações preliminares sugerem que empresários financiaram os bloqueios em rodovias que cortam o estado. Chama a atenção que os grupos de baderneiros resistam mesmo após a aplicação de multas pesadas — a PRF informou que elas já somam mais de R$ 18 milhões.

Mais do que nunca, as autoridades precisam ter serenidade ao lidar com as manifestações golpistas. É evidente que os bloqueios nas estradas precisam ser desarticulados, pois ninguém pode cercear o direito de ir e vir. A questão deve ser tratada como caso de polícia. Quanto às aglomerações em frente aos quartéis, é preciso investigar se há ilegalidades. A Lei do Estado Democrático de Direito felizmente não criminalizou manifestações, mas há limites. A nova legislação considera crime incitar “a animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”.

Uma coisa é protestar contra a derrota, mesmo num cenário de eleições limpas e transparentes. É do jogo. Outra, bem diferente, é fechar estradas ou promover atos flagrantemente ilegais que atentam contra as instituições democráticas e flertam com a barbárie — num dos protestos, manifestantes fizeram a saudação nazista. Devem-se preservar as liberdades de opinião e manifestação, desde que se respeitem a lei e a Constituição. E investigar e punir quem as viola.

A ordem dos fatores

Folha de S. Paulo

Ajuste do Orçamento é 1ª missão de Lula; depois há regras para impostos e gastos

Como é natural, a transição para um novo governo começa com prioridades concorrentes, em especial na gestão do Orçamento e na área tributária. Diante da fragilidade das contas públicas e do desafio de restaurar a credibilidade da política econômica, o sequenciamento das medidas precisa ser especialmente cuidadoso.

O fundamental deve ser a revisão do projeto de lei orçamentária para 2023, enviado ao Congresso pela administração de Jair Bolsonaro (PL) sem a inclusão de despesas que se tornaram inevitáveis. O relator da peça, senador Marcelo Castro (MDB-PI) estimou em entrevista à Folha que haja ajustes de ao menos R$ 100 bilhões a fazer.

A manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 mensais é um imperativo, mas há outros, como a recomposição de verbas para custeio e investimento, além da concessão de uma modesta correção real para o salário mínimo —todas promessas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A questão é como viabilizar as mudanças. Um caminho ventilado por membros da equipe de transição petista —retirar rubricas do teto constitucional para gasto da União— é temerário, pois abriria caminho para aumentos permanentes sem fontes de financiamento.

Parece mais razoável permitir desembolsos excepcionais, concentrados no próximo ano, circunscritos às prioridades e em parte financiados pelas emendas de relator. O volume não deve ir além do já calculado, de modo a evitar um déficit fiscal capaz de abalar a confiança na dívida pública.

É preciso separar o tratamento da urgência orçamentária da discussão mais estrutural, que não pode ser feita às pressas, relativa à nova regra que substituirá o teto inscrito na Constituição.

Antes de qualquer decisão com impactos de longo prazo, será necessário ter mais clara a dinâmica de receitas e despesas, o que pressupõe rever programas sociais, avaliar cortes das excessivas desonerações tributárias e considerar mudanças no Imposto de Renda.

A proposta de Lula de isentar da cobrança vencimentos de até R$ 5.000 mensais, aliás, é péssima —por privilegiar estratos com renda muito acima da média nacional, hoje em torno de R$ 2.700.

A partir do início do próximo ano, pode-se dar impulso à reforma tributária mais fundamental para o crescimento econômico —a simplificação geral dos impostos incidentes sobre a produção e o consumo, com a criação de uma cobrança sobre valor agregado.

A meta deve ser um Estado capaz de manter seu endividamento sob controle, que tribute com mais justiça e deixe de lado interesses setoriais para priorizar educação básica, saúde e proteção social.

Novo rumo no clima

Folha de S. Paulo

Promessas de Lula farão sucesso na COP27, mas não tanto no front doméstico

Começa no domingo (6), no balneário egípcio de Sharm el-Sheik, a 27ª conferência da ONU sobre mudanças climáticas, a COP27. Três décadas após a assinatura do tratado que fundou o evento, o planeta ainda aguarda medidas capazes de conter o aquecimento global.

O Brasil retorna ao proscênio, agora não mais como vilão. Sai da ribalta Jair Bolsonaro (PL), que presidiu um retrocesso inaudito na área ambiental, relegando o país à condição de pária.

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deu destaque a questões ambientais em seu discurso de vitória. Indicou que irá empenhar-se em reduzir a zero o desmatamento, maior fonte nacional de gases do efeito estufa, retomar a política indigenista e reprimir o garimpo ilegal.

Depois do ataque bolsonarista contra o meio ambiente, a mudança de governo soou como música a quem defende o valor da floresta em pé, aqui ou no estrangeiro. Lula já confirmou que irá ao Egito, para começar a devolver ao Brasil a condição de parceiro e protagonista nesse esforço internacional.

De pronto, pouco poderá fazer além de declarar boas intenções. Estará no meio da transição de governo, ainda sem o comando da máquina pública e do Orçamento —cujas possibilidades, aliás, continuarão restritas.

Belas promessas não serão capazes de materializar o objetivo do Acordo de Paris (2015): conter o aquecimento médio da atmosfera no limite seguro de 1,5ºC. Os compromissos nacionais ainda são insuficientes e a trajetória das emissões mundiais aponta para alta ameaçadora de 2,8ºC.

O carbono emitido pelo Brasil em 2021 cresceu 12,2%, maior avanço em dois decênios. Para agravar o saldo negativo, o último inventário nacional de emissões revisou a linha de base de 2005 e, na prática, deu ao país espaço para sacar a descoberto emissão adicional de carbono comparável à do Japão.

Bolsonaro aumentou o descrédito de Brasília ao lançar a bazófia de cortar em 50% o carbono aqui emitido até 2030. Um objetivo irrealizável, em face do vale-tudo que instaurou no meio rural.

Lula precisará atualizar a meta nacional. Mais que isso, deve delinear políticas públicas capazes de implementá-la no campo, onde haverá forte resistência, e usar toda sua capacidade de negociação para suplantar barreiras que serão erguidas por setores retrógrados do agronegócio.

 Fed indica juro acima do previsto no fim do ciclo

Valor Econômico

Taxas restritivas de juros poderão permanecer por mais tempo no horizonte

Aumentos da taxa de juros de 0,75 ponto percentual tornaram-se a cadência usual do aperto da política monetária nos países desenvolvidos, uma situação completamente anormal provocada por inflação próxima a dois dígitos nos Estados Unidos e superior a 10% na zona do euro e no Reino Unido. Banco Central Europeu, Banco da Inglaterra e o Federal Reserve americano fizeram aumentos desta magnitude em suas mais recentes reuniões. Até quando este ritmo anômalo vai durar não se sabe, mas o Fed, o mais avançado na rota restritiva, deve moderar os ajustes na próxima reunião, ou na subsequente, indicou Jerome Powell, presidente do banco.

A taxa básica de juros atingiu 3,75 a 4% nos EUA, 1,5% na zona do euro e 3% no Reino Unido. A definição dos próximos passos de política monetária é dependente do estágio do ciclo de alta e da resposta inflacionária obtida até agora. O BCE, o retardatário nesta corrida, não pretende mudar de instância tão cedo, disse Christine Lagarde, presidente do banco, nem mesmo diante da perspectiva de uma “recessão suave” que, para ela, será insuficiente para domar a inflação.

Em pior situação, e sob escrutínio dos mercados, o Banco da Inglaterra, em sua reunião de ontem, ainda que elevando a taxa em seu maior percentual em 30 anos, sinalizou que provavelmente os juros não irão tão longe quanto os investidores acreditam que irão. Mesmo assim, as perspectivas são desanimadoras. O banco fez dois cenários e neles, ou há uma recessão por cinco trimestres, no caso de os juros permanecerem em 3%, ou por oito trimestres - a mais longa retração desde a II Guerra Mundial -, com juros em 5,5%.

O Federal Reserve, porém, anunciou que a partir de agora, para os próximos ajustes, levará em conta a magnitude dos aumentos já realizados e a defasagem com que a política monetária age sobre a economia e a inflação. “Eu disse que em determinado momento seria apropriado desacelerar o ritmo de aumentos”, afirmou Powell em entrevista na quarta-feira. “Este momento está chegando e pode chegar já a partir do próxima reunião ou da seguinte”.

Desde que se implantou um ritmo intenso de restrição monetária, os mercados duvidaram que o Fed o mantivesse, diante da perspectiva de uma recessão. No entanto, os números da economia americana praticamente ratificaram a corrida do Fed em direção a um juro restritivo, acima do neutro. O principal alvo do Fed, o mercado de trabalho, não deu sinais evidentes de fraqueza. Em setembro, o número de vagas abertas chegou a 437 mil, superior ao de agosto, mantendo a relação entre vagas abertas e pessoas que buscam emprego em uma relação de dois para um.

O nível de atividade se recuperou no terceiro trimestre, impulsionado pelas exportações e pelos gastos de consumo. Depois dos dois trimestres iniciais com leve contração, uma recessão técnica, o PIB do terceiro trimestre cresceu 2,6%. A inflação, por seu lado, resiste a cair. Mesmo com a redução dos preços de energia, o índice de preços ao consumidor (CPI) em doze meses diminuiu de 8,3% em agosto, para 8,2% em setembro. Pior, o núcleo dos preços, que retira os itens voláteis, como alimentos e energia, subiu na comparação anual de 6,3% para 6,6%.

Powell, portanto, indicou que haverá mais aumentos de juros para levar a inflação à meta de 2%, ainda que eles venham em doses menores, uma indicação de que o banco acredita que pelo menos a maior parte do caminho do aperto já foi percorrido. No entanto, o Fed não deu o menor sinal de que esteja sequer próximo do ponto em que os ajustes serão interrompidos. A mensagem positiva da menor dosagem, que impulsionou na quarta os mercados financeiros, deu lugar ao pessimismo, logo após a entrevista de Powell.

O presidente do Fed indicou que o nível da taxa de juros ao fim do ciclo “será maior que o esperado”. Sua afirmação de que não será um par de meses com inflação em queda que fará o banco abrir a guarda pode soar como um sinal de que taxas restritivas de juros poderão permanecer por mais tempo no horizonte.

Ontem, os títulos do Tesouro de 2 anos chegaram a 4,75%, nível máximo apontado pela mediana das projeções dos membros do Fed projetava para dezembro de 2023. É assim mais que provável que a taxa terminal ultrapasse os 5%. O mercado futuro de fed funds estimava ontem um pico de 5,15% (juro de 5% a 5,25%) em junho do ano que vem. Será então cada vez mais difícil evitar a recessão nos EUA.

 

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