O Globo
Embaixador do orçamento secreto no
Planalto, senador fazendo as vezes de ministro, Ciro Nogueira, bolsonarista
recente, habituou-se a publicar mensagens cifradas com referências ao correr do
tempo, sugerindo um prazo — tique-taque, tique-taque, tique-taque. Mas será ele
a ter de se aviar. O governo Bolsonaro acabou. Seu partido, o PP, quer voar.
Voar significa independência. Liberdade
para ouvir o canto do novo esquema de poder. O novo esquema é velho. As turmas
se conhecem e já comerciaram. Ciro Nogueira esteve lá. Não agindo o Supremo
Tribunal Federal (STF), e não agindo para acomodar, o novo esquema de poder —
velhos, os vícios — terá por base de governabilidade o já assentado esquema do
orçamento secreto.
As negociações pela aprovação da PEC da Transição, que são tratativas também pela permanência do vício, oferecem muitas possibilidades. As transações pelo tamanho do corpo da PEC, operações também pela reeleição do deputado Arthur Lira à presidência da Câmara, convidam a muitos bailes. A turma gosta de dançar.
O mundo real se impõe. Rei morto, rei
posto. Reis postos. Lula, presidente eleito, e Lira, o “imperador do Japão”,
senhor maior da modalidade de emenda cuja distribuição de natureza autoritária
anabolizou a fachada do relator. Aliás: atenção ao relator-geral do Orçamento
da vez. Já cuidarei dele.
O Japão tem nada com isso. Arthur Lira
impera no Brasil mesmo, uma República. Não que Nogueira não seja poderoso. É
proprietário do partido de Lira, cuja presidência logo reaverá, e esteve no
centro de controle concentrado de poder a partir da gestão do orçamento secreto
conforme a perversão inaugurada em 2020. Ocorre que o arranjo circunstancial
não lhe é confortável.
Terá sido o único, entre os poucos donos do
Orçamento da União, derrotado em 2022. Muito comprado em ações de Bolsonaro,
precisará administrar a adesão acelerada de parte robusta de seu partido — Lira
assim deseja — ao governo Lula; isso enquanto testa o ritmo com que poderá ele
próprio, Nogueira, compor. São marchas diferentes. Levará mais tempo, mas
encontrará o caminho. Sempre encontrou.
Até lá, pagará com significativa exclusão
das fluências orçamentárias. A começar pelo Orçamento de 2023. Minguará — é a
tendência. O relator, subimperador do ano, é o senador Marcelo Castro. Do
Piauí. Do MDB. Ingênuo seria pensar que não aproveitará a situação. A do poder
que ora detém — para privilegiar seus feudos eleitorais — diante do raro
esvaziamento potencial do conterrâneo.
Castro é um dos personagens que ascenderam
neste período de transição. Entendeu perfeitamente onde está — viu como
procederam Domingos Neto, Marcio Bittar e Hugo Leal, seus antecessores — e a
que alcance de influência regional pode almejar, derrotados Bolsonaro e
Nogueira. Daí por que não se vexou em dar a letra: não haveria tempo agora —
afirmou — para o Congresso alterar as regras sobre a administração das emendas
do relator. Como consequência, claro, o orçamento secreto estaria — estará,
Supremo? — no Orçamento que relatará. Serão cerca de R$ 19 bilhões.
Por que o sistema mudaria logo na sua vez,
né, senador?
Foco na aprovação da PEC da Transação.
Certo? A tessitura, a partir do Senado, também colabora para a reeleição de
Rodrigo Pacheco. Está tudo amarrado ou em via de amarração. Lula, que conversa
com Lira, já não maldiz o orçamento secreto. Mexer no complexo das emendas de
relator será mexer no equilíbrio das forças parlamentares. O Congresso jamais o
faria. Terá coragem — coragem de ser Corte constitucional — o STF?
Lula também conversa — tem conversado — com
ministros do Supremo. Seria ingênuo pensar que o STF não modulará o julgamento
das ações de inconstitucionalidade para que o bicho inconstitucional sobreviva
de alguma forma. Qual?
Lula já conversou com Davi Alcolumbre. Sabe
o que o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado quer. Sabe
também que o homem é capaz — lembremos o que fez até votar a indicação de André
Mendonça ao STF — de criar dificuldades. Que não lhe cortem os fluxos e as
superfícies. Lula quer que a PEC passe rapidamente pela comissão. O presidente
eleito falou igualmente com Elmar Nascimento. Sabe o que o deputado controla.
Lula quer que a PEC tenha apoio maciço do União Brasil, partido de ambos — que
deseja em sua base de sustentação legislativa.
Para o caso de as conversas não serem tão
persuasivas, o governo de transição jogou iscas. Plantou que pretende limitar a
extensão da Codevasf, campo preferencial à materialização dos dinheiros do
orçamento secreto, companhia cujo presidente é apadrinhado de Nascimento,
empresa cuja zona de cobertura transbordou dos rios São Francisco e Parnaíba
até cobrir o Amapá de Alcolumbre.
Tutor atual do FNDE e duque na máquina
federal, Ciro Nogueira também tem patrocinados na Codevasf. Tique-taque,
tique-taque, tique-taque.
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