O Estado de S. Paulo
O caminhar planetário desajeitado despreza
não apenas riscos e passos já efetivados, mas também oportunidades
Se o caminho se faz no caminhar, com
roteiros tortuosos o mundo está deixando um rastro em desalinho com a
emergência climática. A COP-27, recentemente realizada no Egito, é evidência
desse passo a passo irresoluto.
Pela primeira vez, incluiu-se no texto final a autorização para criação de um fundo de perdas e danos, antigo pleito de países em desenvolvimento, especialmente costeiros e insulares, que já sofrem com o aumento do nível do mar. O esgotamento do meio ambiente aprofunda as já enormes desigualdades sociais. Eventos naturais extremos causam impactos socioeconômicos maiores justamente em países mais vulneráveis. Mesmo com este sinal, o fundo ainda carece de detalhamento operacional.
Na rota dos descompassos, a 27.ª edição da
Conferência do Clima deixou a desejar em encaminhamentos fundamentais. O
financiamento climático, presente na agenda das COPS desde Paris, mais uma vez
deixou de ser viabilizado. A previsão era a de que a partir de 2020 países do
norte desembolsassem US$ 100 bilhões por ano para o auxílio de nações com menor
poder econômico. O objetivo é mitigar as emissões de gases de efeito estufa e
estimular a adaptação, da qual a transição energética para uso de fontes limpas
é um exemplo.
O mercado regulado de créditos de carbono
tampouco alcançou avanços significativos desde sua aprovação em Glasgow. A
questão energética foi contemplada timidamente na redação final, sem demonstrar
a ambição necessária para reduzir o uso de combustíveis fósseis. A invasão
russa na Ucrânia, inclusive, produziu retrocessos nessa questão.
Este caminhar planetário desajeitado
despreza não apenas riscos e passos já efetivados, mas também oportunidades. O
Brasil, por exemplo, tem experiências que podem se colocar como soluções para o
mundo, com especial atenção para segurança alimentar e fornecimento de energia
limpa.
A Amazônia é uma das referências para
soluções planetárias. Por óbvio, lá também estão as marcas do que deve ser
combatido, como desmatamento, garimpo, grilagem, queimadas, entre outros
crimes. Também é importante destacar que, numa vastidão incalculável de
riquezas, boa parte dos 25 milhões de brasileiros que vivem na região estão
relegados à pobreza.
Mas a rica terra de impositivos desafios é
também uma seara de soluções para a existência sustentável. A floresta em pé é
uma das rotas para o desenvolvimento. A Amazônia, por exemplo, é responsável
por regular o regime de chuvas do País, viabilizando até três safras agrícolas
anuais e permitindo que o Brasil alimente 10% da população mundial. Além disso,
investimentos em ciência e tecnologia poderiam posicionar o País como polo
global de inovação verde. Trata-se de possibilidade real de geração de emprego
e renda.
Fora do bioma Amazônia, o País tem modelos
bem-sucedidos, baseados na bioeconomia em larga escala, que trazem benefícios
no multidisciplinar conceito ESG. A Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), em
parceria com o IBRE/FGV, está lançando o relatório anual 2022 do setor de
árvores cultivadas, que demonstra ser possível fazer uso inteligente da terra,
cuidar das pessoas e respeitar a natureza, gerando e compartilhando valor. O
material pode ser acessado em www.iba.org.
O setor totaliza 9,93 milhões de hectares
de cultivo comercial, em que árvores produtivas são plantadas, colhidas e
replantadas, comumente em terras antes degradadas. Essas mesmas fazendas
abrigam áreas de conservação que somam 6,05 milhões de hectares, indo além do
que prevê a legislação. Em técnica de manejo chamada mosaico florestal, essas
áreas são conectadas criando corredores ecológicos, ajudando a preservar a
biodiversidade e auxiliando em serviços ecossistêmicos.
O processo fabril do setor produz 74,6% da
energia elétrica que consome. Os excedentes gerados em diversas unidades são
colocados a disposição no grid. Presente em mais de mil municípios,
principalmente em regiões afastadas dos grandes centros, o setor cria 553 mil
empregos diretos e registrou receita recorde de R$ 244,6 bilhões no ano de
2021.
As companhias de base florestal estudam e
desenvolvem novos usos para a madeira. A celulose solúvel é uma realidade na
confecção de viscose, mostrando-se alternativa ao poliéster. A partir da
nanocelulose, a produção de fios têxteis utilizará menos água e químicos. A
lignina, usada na geração de energia renovável, tem mostrado potencial para
substituir matéria-prima de origem fóssil em bio-óleos, resinas, entre outros
itens.
O Brasil tem potencialidade para integrar a
vanguarda da necessária revolução verde. Trata-se de valiosa oportunidade para
o País, finalmente, posicionar-se como uma das soluções para a questão
climática.
Como são os passos que fazem a caminhada, é
imperativa a ação de todo o planeta para superar este desafio ambiental. Os
compromissos assumidos por cada país estão à mesa. Que o mundo tenha a
capacidade de sair do campo da retórica, pois discursos e intenções não evitam
as catástrofes. O preço da omissão pode ser alto demais para a sobrevivência de
nossa civilização.
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