terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Luiz Schymura* - Um mercado de trabalho desafiador

Valor Econômico

Famílias unem baixa poupança com alto risco de perder renda

A taxa de desemprego no Brasil recuou para 8,3% no trimestre que se encerrou em outubro - menor patamar desde 2015 -, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC) divulgada em 30 de novembro. É importante notar que a melhora ocorreu em um contexto de elevação da população ocupada (PO), que atingiu o recorde da série iniciada em 2012: 99,7 milhões de pessoas. Sem dúvida, são números positivos que sugerem um mercado de trabalho dinâmico.

Contudo, embora seja uma estatística importante, a taxa de desemprego, por si só, não dá necessariamente um retrato fidedigno do desempenho do mercado de trabalho. Afinal, aspectos também relevantes para os trabalhadores, como renda e benefícios adicionais recebidos (plano de saúde, auxílio-creche, fundo de previdência etc.), assim como garantia de trabalho futuro, não são captados por esse indicador.

Por causa disso, é admissível um ambiente de taxa de desemprego relativamente baixa convivendo com uma percepção de mercado de trabalho pouco ativo. Aliás essa é a interpretação que muitos analistas têm dado sobre a situação do mercado de trabalho brasileiro atualmente.

Frente a esse quadro e diante da necessidade de compreender certas características do mercado de trabalho que, por sua natureza mais qualitativa, não estão no foco da PnadC, o FGV Ibre lançou nesta segunda-feira, 5, a Sondagem do Mercado de Trabalho (ver mais na página A4). A intenção com essa nova sondagem é trazer informações complementares à pesquisa do IBGE.

A Sondagem do Mercado de Trabalho aborda questões relacionadas à qualidade do emprego, como a de saber se os brasileiros estão satisfeitos ou não com seu trabalho, e os motivos da satisfação ou insatisfação; investigar se os trabalhadores por conta própria - cujo contingente aumentou muito nos últimos anos - estão nessa categoria porque querem ou porque precisam; levantar o contingente de informais que gostariam de estar na formalidade; apurar questões associadas às perspectivas de longo prazo, tais como sustentabilidade financeira no caso de perda da atividade laboral e percepção do risco de eliminação da principal fonte de renda.

Assim, o objetivo é realizar pesquisas mensais que ajudem na compreensão da dinâmica do mercado de trabalho nacional. Naturalmente, com o passar do tempo, a construção da série da sondagem poderá ser muito útil para entender nuances do mercado de trabalho, e, com isso, ajudar na confecção de políticas públicas.

Seja como for, ao se analisar os resultados da sondagem divulgada nesta segunda é possível constatar que 28% dos trabalhadores brasileiros estão insatisfeitos com sua ocupação atual. A remuneração baixa é apontada por cerca de dois terços desses trabalhadores como um dos motivos de sua insatisfação. A falta de benefícios fornecidos pelo empregador aparece em segundo lugar na lista de descontentamento.

Com base na pesquisa também é possível fazer um recorte analítico sobre os trabalhadores por conta própria. Um pouco mais de dos terços dos conta própria gostariam de se tornar empregados numa empresa privada ou pública (o um terço restante não gostaria). Quando perguntados sobre o principal motivo para querer sair da condição de conta própria, os entrevistados dão sinais claros de que gostariam de ter acesso aos benefícios de empregado em uma empresa formal ou a obtenção de rendimentos fixos (e não flutuantes, como tipicamente ocorre no trabalho por conta própria). Já os que querem permanecer na condição de conta própria citam a flexibilidade do trabalho ou o fato de auferirem maiores rendimentos como justificativa.

Dessa forma, o resultado sugere que grande parte do expressivo grupo dos trabalhadores por conta própria esteja nessa situação mais por necessidade do que por vontade, podendo mudar para a condição de empregado se tiver a opção.

Quando o foco são os trabalhadores informais, o desejo de formalização é de aproximadamente 88% do contingente como um todo, chegando a quase 90% entre os informais que ganham até dois salários mínimos, e 76% entre os que recebem mais de dois mínimos.

A pesquisa também traz levantamentos sobre as perspectivas futuras.

Cerca de dois terços dos brasileiros disseram estar muito preocupados com a sua situação financeira de longo prazo, num horizonte de cinco a dez anos. Um pouco mais de 50% revelam muita preocupação com a perspectiva de não terem acesso a cuidados de saúde de qualidade.

Ainda de olho no futuro, dentre a população ocupada que tem rendimentos mensais acima de dois salários mínimos, cerca de um terço acredita que conseguiria se sustentar financeiramente por um período máximo de três meses caso perdesse seu emprego e/ou principal fonte de renda. Quanto à probabilidade da perda do trabalho nos próximos 12 meses, esse segmento estima algo como 20%.

Dentre os que recebem até dois salários mínimos, o quadro é muito mais aterrador: quase três quartos das pessoas afirmam que só conseguem ter o sustento financeiro garantido por até três meses sem emprego. Com o agravante de que veem uma probabilidade de quase 50% de perder sua principal fonte de renda nos próximos 12 meses.

Como se vê, os primeiros resultados da Sondagem do Mercado de Trabalho do FGV Ibre apresentam uma realidade não muito animadora. Dentre os diversos dados levantados, dois saltam aos olhos. Um primeiro achado que merece atenção: mais de dois terços dos trabalhadores por conta própria confessaram preferir um emprego em uma empresa privada ou pública, renunciando ao que supostamente seria a razão da existência do modelo de trabalho por conta própria - flexibilidade de horário e renda variável - em prol de rendimentos fixos e acesso aos benefícios fornecidos pela empresa formal a seus empregados. Por causa desse resultado, parece fazer sentido uma reavaliação do modelo de trabalho por conta própria. Um segundo aspecto que parece bastante preocupante: o baixo nível de poupança conjugado à percepção do elevado risco de perda da sua principal fonte de renda deixa as famílias de menor poder aquisitivo extremamente expostas às intempéries.

*Luiz Schymura é pesquisador do FGV Ibre

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