O Estado de S. Paulo
Para melhorar a distribuição de renda, o ideal é focar em políticas de transferência para os mais pobres
A Constituição federal dispõe que o Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI) “será seletivo, em função da
essencialidade do produto”, e que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS) “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das
mercadorias e dos serviços”.
Segundo o princípio da seletividade, bens e
serviços “essenciais” deveriam ser menos tributados, de modo a beneficiar as
famílias de menor renda, que, proporcionalmente, consomem mais itens básicos
que as pessoas de maior renda. A realidade, no entanto, é que a seletividade
tributária é muito pouco eficaz como instrumento de política distributiva.
Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o consumo de alimentos da cesta básica do Pis/cofins pelas famílias com renda superior a 25 salários mínimos é, em reais, cerca de três vezes superior ao das famílias com renda inferior a dois salários mínimos. Em termos absolutos, portanto, a desoneração da cesta básica beneficia mais os ricos que os pobres. Se o objetivo é melhorar a distribuição de renda, seria melhor tributar a cesta básica e transferir o montante arrecadado para as famílias pobres, ou mesmo um valor igual para todas as famílias.
Para piorar, a menor tributação de serviços
– sujeitos ao Imposto sobre Serviços (ISS) – que de bens – sujeitos ao ICMS – é
absolutamente inconsistente com o princípio da seletividade, pois ricos
consomem muito mais serviços que pobres. Não por acaso, todos os estudos
disponíveis mostram que, mesmo com o fim da desoneração da cesta básica, a
adoção de um imposto sobre o valor adicionado de base ampla e alíquota uniforme
para todos os bens e serviços reduziria a tributação do consumo das famílias
pobres e elevaria a tributação das famílias mais abastadas.
Por fim, há o problema da subjetividade na
definição do que é “essencial”. Mais de 30 anos após a promulgação da
Constituição, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que energia elétrica e
telecomunicações são essenciais e, portanto, não podem ser tributadas com
alíquotas de ICMS superiores à alíquota padrão – decisão que tem grande impacto
sobre as finanças dos Estados e municípios. Se o objetivo era desonerar o que
os pobres consomem, teria sido melhor estabelecer que perfume é essencial,
pois, segundo a POF, além de os pobres gastarem mais com perfume que com
telefonia, a proporção entre os gastos com perfume e os gastos com eletricidade
e telefonia é muito maior nas famílias pobres que nas famílias ricas.
Para melhorar a distribuição de renda, o
ideal é abandonar o conceito de seletividade e focar em políticas de
transferência para as famílias mais pobres.
*Diretor do Centro de Cidadania Fiscal
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