terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Bernard Appy* - Seletividade na tributação

O Estado de S. Paulo

Para melhorar a distribuição de renda, o ideal é focar em políticas de transferência para os mais pobres

A Constituição federal dispõe que o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) “será seletivo, em função da essencialidade do produto”, e que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”.

Segundo o princípio da seletividade, bens e serviços “essenciais” deveriam ser menos tributados, de modo a beneficiar as famílias de menor renda, que, proporcionalmente, consomem mais itens básicos que as pessoas de maior renda. A realidade, no entanto, é que a seletividade tributária é muito pouco eficaz como instrumento de política distributiva.

Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o consumo de alimentos da cesta básica do Pis/cofins pelas famílias com renda superior a 25 salários mínimos é, em reais, cerca de três vezes superior ao das famílias com renda inferior a dois salários mínimos. Em termos absolutos, portanto, a desoneração da cesta básica beneficia mais os ricos que os pobres. Se o objetivo é melhorar a distribuição de renda, seria melhor tributar a cesta básica e transferir o montante arrecadado para as famílias pobres, ou mesmo um valor igual para todas as famílias.

Para piorar, a menor tributação de serviços – sujeitos ao Imposto sobre Serviços (ISS) – que de bens – sujeitos ao ICMS – é absolutamente inconsistente com o princípio da seletividade, pois ricos consomem muito mais serviços que pobres. Não por acaso, todos os estudos disponíveis mostram que, mesmo com o fim da desoneração da cesta básica, a adoção de um imposto sobre o valor adicionado de base ampla e alíquota uniforme para todos os bens e serviços reduziria a tributação do consumo das famílias pobres e elevaria a tributação das famílias mais abastadas.

Por fim, há o problema da subjetividade na definição do que é “essencial”. Mais de 30 anos após a promulgação da Constituição, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que energia elétrica e telecomunicações são essenciais e, portanto, não podem ser tributadas com alíquotas de ICMS superiores à alíquota padrão – decisão que tem grande impacto sobre as finanças dos Estados e municípios. Se o objetivo era desonerar o que os pobres consomem, teria sido melhor estabelecer que perfume é essencial, pois, segundo a POF, além de os pobres gastarem mais com perfume que com telefonia, a proporção entre os gastos com perfume e os gastos com eletricidade e telefonia é muito maior nas famílias pobres que nas famílias ricas.

Para melhorar a distribuição de renda, o ideal é abandonar o conceito de seletividade e focar em políticas de transferência para as famílias mais pobres.

*Diretor do Centro de Cidadania Fiscal

 

 

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