Correio Braziliense
Depois dos turnos eleitorais para escolher
o presidente, investidores e consumidores ficam na expectativa de como o eleito
vai conduzir a economia
Poucos lembram da importância que tem a
cultura no progresso em qualquer país, em qualquer momento, especialmente no
Brasil, nos próximos anos. A primazia da renda e dos preços no dia a dia de
cada pessoa e no futuro do país coloca a economia como o setor de maior
preocupação na formação e nos rumos do próximo governo.
Depois dos turnos eleitorais para escolher
o presidente, investidores e consumidores ficam na expectativa de como o eleito
vai conduzir a economia. Poucos se preocupam com os rumos a serem adotados pelo
Ministério da Cultura e com quem vai ocupar a pasta.
Entre esses poucos, a preocupação mais comum é em saber quem vai cuidar dos órgãos de promoção e financiamento das atividades artísticas. Quase todos esquecem que vai caber a esse ministério coordenar a grande luta pela recuperação da mente brasileira, comprometida nos últimos quatro anos pela visão obscurantista, preconceituosa, censora, promovida pelo ainda presidente e seus asseclas mentais.
Depende da cultura vencer o próximo turno
para eleger uma mente brasileira capaz de sair das visões preconceituosas
contra nordestinos, homossexuais, mulheres, pobres, negros, para um sentimento
de unidade nacional com respeito à diversidade. É preciso deixar o
obscurantismo e as mentiras do mito e assumir o compromisso com a verdade e a
ciência.
É preciso uma mente que sinta indignação
diante da desigualdade e tenha compromisso com a superação da pobreza e do
analfabetismo. É preciso superarmos o ódio pela política e desenvolvermos o
gosto pelo debate entre opiniões e preferências; buscarmos um Brasil não apenas
mais rico para todos de hoje, mas também melhor e mais belo para as futuras
gerações.
Para isso, a cultura deverá superar a
criminalização do mundo artístico que o discurso bolsonarista promoveu. E
também acabar com a censura, explícita ou implícita, exercida contra as linhas
de pensamento que não afinam com os credos oficiais do governante e seus
auxiliares obscurantistas; sobretudo, retomar o gosto pelo diálogo entre os que
pensam diferentemente e promover o debate livre para mergulhar na alma
brasileira e captar os sonhos de utopia que ela mantém para o futuro, no
momento de perplexidade, desencanto e frustrações.
Todos sabem que o bolsonarismo foi
responsável pela morte precoce de centenas de milhares de pessoas, vitimadas
pela covid-19. Precisamos despertar para outro genocídio, cometido sobre a
mente do Brasil. A educação de base será a vacina fundamental para superarmos
esse "mentecídio" do desencanto obscurantista. Mas são as artes
plásticas, a literatura, a fotografia, o cinema, teatro, museus, festivais que
reencantarão o Brasil: promovendo o entendimento e retomando os sonhos
coletivos do povo. São os ensaios científicos que explicam a realidade, mas é
arte que forma a maneira como o povo sente o mundo.
A poesia de João Cabral com a música de
Chico Buarque, o romance de Graciliano Ramos, os filmes de Glauber Rocha
despertam o sentimento de injustiça social, cuja lógica dos textos de Josué de
Castro e Celso Furtado explicam. As fotografias de Sebastião Salgado abrem mais
nossos olhos do que os livros sobre a Amazônia. Mas é, sobretudo, a
disseminação das ideias que as artes promovem, criando um sentimento coletivo
de como um povo percebe sua realidade, seu passado, seu destino. Os textos
acadêmicos explicam para quem os lê, e a cultura aglutina as ideias de pessoas
no sentimento do povo.
Nos próximos anos, os técnicos serão
fundamentais para recuperarmos nossas finanças, evitarmos inflação, promovermos
crescimento, emprego, renda, mas serão os artistas que nos encantarão,
promovendo a beleza e os valores para um Brasil melhor e mais belo. A economia
é a base material, mas só a cultura permitirá imaginar e desejar o Brasil de
todos e para todos, formular sonhos utópicos, respeitar o papel da ciência e da
beleza, o gosto pela verdade e pela tolerância, o repúdio aos preconceitos.
A economia e as finanças são fundamentais
para caminharmos no presente, mas é a cultura que assegura sustentabilidade ao
tecido social e justifica o destino para onde caminharmos juntos. Como disse o
poeta, "sonhos sonhados juntos viram realidade".
*Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
3 comentários:
Com Margareth Menezes?
Du-vi-de-o-dó!
Dá não, santa...
É... Também fiquei decepcionado!
Verdade, achei um equívoco
Postar um comentário