terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Maria Clara R. M. do Prado* - Não cabe segredo nas contas públicas

Valor Econômico

Pela Constituição, a emenda parlamentar não pode descaracterizar metas definidas pelo Executivo no PPA

No apagar das luzes do governo Bolsonaro começam a ser contabilizados os custos impingidos à sociedade ao longo dos últimos quatro anos. Os retrocessos comprometem não apenas o presente, mas as gerações futuras, em especial nas áreas da saúde, da educação e do meio ambiente.

Evidências, casos concretos e situações comprovadas têm sido divulgados com certa frequência desde o início de 2019, mas pouca pressão foi feita para abortar ou no mínimo mitigar os abusos acumulados pela omissão de um governo que não soube governar, abusos esses difíceis de contabilizar porque não estão contemplados nos modelos que buscam medir a eficiência da administração pública.

A carta divulgada no domingo pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com um apanhado de dados positivos a respeito do comportamento do setor público em 2022 - projeção de 74% do PIB para a dívida bruta do governo geral (DBGG) e superávit primário de R$ 23,4 bilhões - é uma comprovação da forma como o desempenho do governo vem sendo avaliado: interessa a apresentação dos números finais consolidados, não o destino da verba pública.

Ou seja, tudo vai bem se o objetivo numérico fiscal for atingido, ainda que a verba da merenda escolar ou que parte dos recursos destinados à educação tenham sido desviados para atender às chamadas emendas do “orçamento secreto” ou para cobrir gastos de campanha como o subsídio distribuído aos caminhoneiros.

O chamado “orçamento secreto” é, talvez, o mais emblemático exemplo da coalizão que sustentou politicamente o atual governo. De um lado, os partidos aglomerados no que se conhece como “centrão”, comandados pelo presidente da Câmara dos Deputados e, de outro, o sistema financeiro que tudo ratificou sob a orquestração do ministro da Economia.

Por isso mesmo, pelo caráter esdrúxulo da apropriação do orçamento pelo Legislativo, é que o evento mais importante dos próximos dias se concentra no voto da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e relatora da matéria, ministra Rosa Weber, sobre a constitucionalidade das emendas do relator da lei do orçamento da União - o tal orçamento secreto - e seus desdobramentos.

Como se sabe, as emendas do relator (parlamentar apontado pelo Congresso Nacional responsável pela apreciação da lei orçamentária federal), conforme manipuladas pelo Legislativo a partir de 2019, introduzem no orçamento verbas destinadas a projetos ou ações sociais descoladas das diretrizes e metas das políticas públicas definidas pelo poder Executivo no Plano Plurianual (PPA). Este plano traça a estratégia da gestão no início de cada administração de acordo com os objetivos apresentados durante a campanha pelo candidato eleito à Presidência da República e tem vigência por quatro anos.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), enviadas anualmente para aprovação do Congresso Nacional, devem seguir o PPA. A Constituição Federal em seu artigo 166 prevê a possibilidade de emendas parlamentares ao projeto de lei do orçamento desde que não descaracterizem as metas previamente definidas pelos representantes do presidente da República. Afinal, quem governa é o Executivo, não o Legislativo.

As características das emendas de relator apensadas à lei orçamentária apontam para a inconstitucionalidade. O parágrafo 3º do artigo 166 da Constituição diz que “As emendas ao projeto de lei do orçamento anual e aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso: 1 - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; 2 - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as dotações para pessoal e seus encargos; o serviço da dívida e transferências constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal ou 3 - sejam relacionadas com a correção de erros e omissões ou com dispositivos do texto do projeto de lei”.

Portanto, antecedente ao argumento da falta de transparência dos parlamentares contemplados com as emendas de relator e do destino do dinheiro, há o impeditivo constitucional da ausência de compatibilidade do chamado orçamento secreto com a essência das políticas públicas definidas pelo PPA. Não pode, por exemplo, o Legislativo mandar dinheiro para determinado município comprar dentaduras sem que isto esteja contemplado nas diretrizes programáticas do Executivo.

O fato daquelas emendas lidarem com práticas ocultas e secretas as tornam ainda mais extravagantes, com margem para manipulações políticas dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal seja como uso de moeda de troca para interesses políticos internos, das respectivas casas, ou para benefício dos parlamentares em seus redutos eleitorais. Por qualquer ângulo que se olhe, não há como contemporizar com as emendas de relator.

O tema remete a outra questão, de ordem mais geral. Tem a ver com a dificuldade de entendimento do orçamento por parte dos contribuintes brasileiros, uma vez que não se divulga o detalhamento das despesas de cada rubrica. O aumento do salário mínimo, por exemplo, precisaria explicitar não apenas quanto isso custaria aos cofres públicos, mas quem seria beneficiado e de onde o dinheiro sairia.

A transparência dos itens que compõem o orçamento público é fundamental para a conscientização do preceito de cidadania através da vinculação do ato de pagar imposto, direto ou indireto, ao direito de cobrar a forma como o dinheiro é gasto. Isso muito provavelmente frustraria qualquer tentativa de tornar secretas as contas públicas.

*Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro “A Real História do Real”.

Um comentário:

Anônimo disse...

Paulo Guedez é mesmo um pulha, um berdamerda