terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Merval Pereira - A luta continua

O Globo

Relação de Lula com o Congresso eleito não será fácil.Ainda teremos vários embates

Tem razão de ser a desconfiança do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, de que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar inconstitucional o orçamento secreto tem a interferência política do presidente eleito, Lula. Como político calejado, a não ser que a “húbris” o tenha cegado, Lira deveria imaginar que um negociador como Lula, provado nas lides sindicais, não ficaria inerte vendo-se refém dele, que foi aumentando suas exigências enquanto parecia encurralá-lo nas cordas.

Afinal, Lula não é Bolsonaro e não começaria seu terceiro mandato nas mãos do Centrão sem pelo menos tentar desvencilhar-se. Tinha razão o senador Renan Calheiros quando avisou ao PT que não deveria depositar todas as suas fichas na PEC da Transição, pois ficaria nas mãos de Lira. As razões de Renan eram regionais, sua disputa de espaço com Lira em Alagoas, mas ele também tem a mesma expertise de seu adversário, sabe como se faz uma boa chantagem política.

Quando os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes impediram o fim do julgamento do orçamento secreto no STF, pedindo vista, parecia que queriam dar tempo ao Congresso para arranjar uma saída negociada. Talvez Lira tenha se achado mais esperto que a esperteza, tentando duas vezes a mesma jogada: fingir que mudava os critérios da distribuição do Orçamento entre os seus, mas mantendo o controle sobre as verbas.

Quebrava, com isso, a separação de Poderes, base da República, usurpando a competência natural do Executivo de planejar os investimentos do país dentro de um programa eleito pelo povo. Um tipo de coisa como o orçamento secreto só existe sem controvérsias se o sequestrado sofre de síndrome de Estocolmo e se apaixona pelo sequestrador. Foi o que aconteceu com Bolsonaro, que se entregou de corpo e alma ao Centrão e acabou gostando. É verdade que, surpreendentemente, o Centrão não o abandonou na campanha eleitoral, ao contrário.

Bolsonaro quase ganhou a eleição porque abusou do poder econômico e político da Presidência da República, mas o Centrão foi o principal beneficiário desses abusos, a começar pelo orçamento secreto. Tanto ele quanto seus aliados confiavam nas tramoias que armaram, tanto que avisavam sempre que surpreenderiam, o que de fato aconteceu.

“Não contavam com minha astúcia”, diria Lula, que fez tudo inicialmente para ter o apoio de Lira: prometeu que o PT não lançaria candidato à presidência da Câmara, deixando livre o caminho de Lira; avalizou a manobra, há muito tentada, de mudar a Lei das Estatais, implicitamente admitindo usar novamente as empresas do governo para fazer negociações políticas no Congresso.

A cada dia o presidente da Câmara aumentava o sarrafo de suas exigências, tentando encurralar um governo que nem começou. Agora, Lula tem duas boias constitucionais lançadas pelo Supremo: a permissão para tirar do teto de gastos em caráter excepcional a verba para o Bolsa Família e a inconstitucionalidade do orçamento secreto.

Não se pense que o presidente da Câmara aceitará perder o aditivo que lhe dava força política para se reeleger sem tentar uma nova manobra. De um lado, já há ameaça explícita de revide ao Supremo, o que seria uma afronta ao Estado de Direito. De outro, petistas e aliados anunciam que poderão lançar uma candidatura própria para disputar com Lira a presidência da Câmara. Desenha-se assim uma repetição do que aconteceu com Dilma, que se colocou em confronto com o deputado federal Eduardo Cunha e perdeu.

A ameaça de impeachment permaneceu sob sua cabeça como a espada de Dâmocles, que, afinal, a decapitou. O governo Lula terá de enfrentar um Congresso bem mais conservador que o atual, por isso, ao contrário do próprio Lira, que parece ter se inebriado com o poder que imagina ter, emissários do novo governo insistem que as negociações da PEC da Transição devem continuar, mesmo com as vitórias conseguidas no STF.

A enganosa sensação de predominância que parece ter dominado Lula após a eleição, que o faz esquecer o governo de frente ampla que prometeu, não o levou ao ponto de achar que tem bala na agulha para arrostar Lira e o Centrão. Lula apenas ganhou condições de sair das cordas, mas, se a PEC não for aprovada da maneira que veio do Senado, terá de voltar para lá e provavelmente só será votada pelo próximo Congresso, o que não é bom negócio para Lula. Enquanto isso, o governo ficará com verba para cumprir sua promessa em relação aos mais pobres, mas terá de abrir mão de outras verbas excepcionais. Ainda teremos muitos embates pela frente, e a relação do governo Lula com o Congresso não parece que será fácil. Lula tem de levar esses fatores em conta antes de abandonar os que o apoiaram para além da esquerda.

4 comentários:

Anônimo disse...

Bolsonaro e Centrão, os insignificantes atraem-se.

Anônimo disse...

"Lira deveria imaginar que um negociador como Lula, provado nas lides sindicais, não ficaria inerte vendo-se refém dele"
"A enganosa sensação de predominância que parece ter dominado Lula após a eleição, que o faz esquecer o governo de frente ampla que prometeu"

Um texto cheio de contradições. Exemplificando, num momento LULA é um político "negociador provado"; noutro, se deixa enganar por falsa sensação de poder. Compreendo. Escrever é muito difícil. Dilma sofreu golpe. O genocida, q disso se beneficiou, tentou golpear. Outros, como Trump lá, tentarão aqui. Terão q passar pelo melhor estadista vivo do mundo, LULA.

Anônimo disse...

E NO PASSARÁN, né, Lula?

ADEMAR AMANCIO disse...

E olha que o governo nem começou!