O Estado de S. Paulo
O novo governo será quase certamente melhor que o atual, mas será muito melhor se for pragmático e sem as velhas limitações ideológicas do petismo tradicional
Qualquer coisa será melhor que Jair Bolsonaro na Presidência, mas o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva com certeza pretende ser mais que simplesmente melhor que o antecessor. Seu primeiro trabalho será reconstruir o governo, como entidade e como conceito. Bolsonaro foi chefe de governo e jamais governou. Confundiu governar com mandar, acabou dominado pelo Centrão e só usou seu poder para cuidar de interesses pessoais, familiares e de aliados ocasionais. Seus auxiliares estiveram, quase sempre, à sua altura. Ajudaram a devastar a educação e a frear os programas de pesquisa. Combateram a cultura. Aceitaram o morticínio de centenas de milhares de pessoas, na pandemia, negligenciando a prevenção e a assistência. Foram incapazes de formular programas de crescimento, de modernização econômica, de recuperação da indústria e de integração internacional. Apoiaram a devastação do ambiente, rejeitaram a cooperação global e transformaram o Brasil em pária.
O desastre dos últimos quatro anos definiu
parte de uma grande pauta para o próximo governo. Será preciso tratar da
recuperação da indústria e de sua modernização, revalorizar o Mercosul e
convertê-lo em base de integração global, reconstruir a política educacional,
cuidar da qualidade da mão de obra, promover e incentivar a pesquisa, mobilizar
capitais para infraestrutura e levar adiante um conjunto de reformas
essenciais. Será necessário, por exemplo, tornar o sistema tributário mais
funcional, mais compatível com uma economia aberta e socialmente mais justo. Também
será importante aumentar a eficiência do setor público, um objetivo pouco
valorizado – e até renegado, em algumas ocasiões – quando o PT comandou a
administração federal.
Para governar, será preciso, no entanto,
algo mais que inverter o sinal das políticas bolsonarianas. Também será
insuficiente criar ou recriar ministérios e secretarias. Será preciso pensar na
limitação de recursos, especialmente num ano de juros altos, inflação
persistente e economia em marcha lenta, como indicam as projeções para 2023.
Confiança do mercado será relevante, e isso dependerá, em boa parte, de um
compromisso claro com a responsabilidade fiscal. Algum desajuste das contas
públicas poderá ser tolerado, mas de forma temporária. Incerteza sobre as
finanças do governo pode resultar em fuga de capitais e instabilidade cambial,
indesejáveis para qualquer governo.
O presidente eleito deixou clara sua
disposição de dar a palavra final sobre todo assunto importante, mas subordinar
dessa forma o ministro da Fazenda poderá ser um erro muito grave. Sem se
apresentar como um Posto Ipiranga, o principal gestor das finanças públicas
deve ser um ponto de referência quando se tratar da orientação da política
fiscal. Essa figura deve ter, é claro, competência técnica e administrativa, mas
isso é um pressuposto e nem vale a pena discutir esse ponto. O futuro
presidente já se mostrou, mais de uma vez, capaz de valorizar esses predicados.
Isso explica seu convite ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos
Neto, para um segundo mandato. O atual mandato de Campos Neto deverá terminar
em 2024, no meio, portanto, do período previsto para o novo governo.
Para formar seu governo, com um número de
ministérios maior que o da atual administração, o presidente eleito precisará
negociar politicamente com as legendas aliadas ao PT. Combinar esse critério
com o da competência será, sem dúvida, um desafio importante. Em outros
mandatos petistas, a distribuição política de postos importantes, especialmente
em diretorias de grandes estatais, acabou resultando em custos enormes para
Lula e para o partido.
Repensar as funções das estatais poderá ser
muito útil para o futuro governo. Estatais podem ser importantes, por exemplo,
para estratégias de desenvolvimento ou, de modo geral, para atividades social ou
economicamente relevantes e pouco atraentes para o capital privado. Mas funções
estratégicas podem ter duração limitada. Além disso, empresas controladas
inicialmente pelo governo podem tornar-se, com o tempo, interessantes para
investidores particulares. A privatização de grandes companhias, nas últimas
quatro décadas, foi vantajosa para a administração pública e para a economia
nacional.
Se o presidente eleito e sua equipe forem
capazes de pensar sobre isso de forma pragmática, sem barreiras ideológicas,
poderão melhorar tanto a estrutura do aparelho federal quanto a eficiência
econômica do País. Mais experiente e maduro, o presidente eleito talvez se
mostre mais disposto a pensar a gestão pública segundo padrões mais técnicos e
menos partidários. Mas essa possibilidade, por enquanto, é apenas uma hipótese
otimista. Se o futuro ministro da Fazenda também se mostrar menos limitado
pelas velhas bandeiras petistas, as opções pragmáticas serão mais fáceis. Mas
haverá, com certeza, forte resistência entre líderes petistas. A tradição
partidária poderá ser, afinal, o maior obstáculo a uma atuação moderna, aberta
e eficiente do novo governo.
*Jornalista
2 comentários:
"O novo governo será quase certamente melhor que o atual,"
CERTAMENTE. Claro! Ululantememte óbvio.
A ideologia dos autores sempre aparece depois do "mas", quando o preconceito, não o argumento, fala mais alto:
"mas será muito melhor se for pragmático e sem as velhas limitações ideológicas do petismo tradicional"
O autor não cita nenhuma velha limitação petista. E nenhum ponto sem pragmatismo do governos eleito.
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