O Globo
Jair Bolsonaro ficou calado por cerca de 45
dias e esse silêncio foi um dos fatores da paz
Noves fora a Croácia, passada a eleição e
anunciada parte do Ministério de Lula, sente-se uma certa leveza na vida
nacional. Jair Bolsonaro ficou calado por cerca de 45 dias. Esse silêncio foi
um dos fatores da paz .
Para que se possa avaliar a importância do
ocaso de Bolsonaro, vale a pena revisitar o Brasil dos primeiros dias de
novembro ao início de dezembro do ano passado. Foram pelo menos dez encrencas,
todas inúteis. (No Rio, um açougue vendia ossos de boi a R$ 3,50 o quilo.)
No início de novembro, Bolsonaro estava em
Roma, onde havia terminado a reunião do G-20. Sua participação foi periférica,
salvo pela pisada que deu na então chanceler alemã Angela Merkel. Passeando
pela cidade, Bolsonaro teve um bate boca com o repórter Leonardo Monteiro. O
jornalista havia sido agredido por um segurança e reclamava:
— Presidente, presidente. O cara tá
empurrando, gente. Presidente, por que o senhor não foi de manhã ao encontro do
G-20?
Bolsonaro:
— É a Globo? Você não tem vergonha na
cara....
De volta ao Brasil, o presidente explicou
por que não havia comparecido à reunião da COP de Glasgow, atacando a ativista
Txai Suruí:
—Estão reclamando que eu não fui para Glasgow. Levaram uma índia para lá, para substituir o Raoni, para atacar o Brasil. Alguém viu algum alemão atacando a energia fóssil da Alemanha? Alguém já viu (alguém) atacando a França porque lá a legislação ambiental não é nada perto da nossa? Ninguém critica o próprio país. Alguém já viu o americano criticando as queimadas no estado da Califórnia?
Dias depois, acusou o Tribunal Superior
Eleitoral de ter praticado “um estupro” ao cassar o mandato de um deputado
estadual paranaense que divulgava notícias falsas sobre o desempenho das urnas
eletrônicas em 2018.
Mudando de agenda, anunciou que queria “se
livrar” da Petrobras e explicou por que havia se livrado do ministro Sergio
Moro:
—Ele sempre teve um propósito político,
nada contra, mas fazia aquilo de forma camuflada. E ele tinha intenção sim de
ir ao Supremo (Tribunal Federal). Num primeiro momento eu achei justa a
intenção dele, depois eu passei a conhecê-lo um pouquinho melhor.
Bolsonaro entrou para o PL de Valdemar
Costa Neto depois de um intercâmbio de palavrões com o cacique. Diante de uma
saia justa nas prévias do PSDB, encrencou com o processo eleitoral:
—Viu a confusão ontem? Não vou falar nisso
porque não tenho nada a ver com outro partido, mas deu uma confusão em São
Paulo ontem. É o tal do voto eletrônico, aí.
Com a filiação de Sergio Moro ao Podemos,
voltou a atacá-lo:
—Ele voltou à vida dele. Voltou a advogar
para empresas que praticamente quebraram por ações deles. Mas tudo bem. É um
direito de ele vir candidato.
No campo dos direitos, foi nomeado para a
direção do Arquivo Nacional o funcionário aposentado do Banco do Brasil Ricardo
Borda D'Água, ex- chefe da segurança da instituição.
No final de novembro soube-se que a visão
diplomática de Bolsonaro levou-o a um vexame. O Brasil retirou a indicação do
ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella para a embaixada do Brasil na África do Sul
depois de seis meses de silêncio da chancelaria daquele país. Coisa rara,
sinalizava que ele não era bem-vindo.
Bolsonaro tinha uma fixação em Moro e
voltou a atacá-lo:
—Não aguenta dez minutos de debate.
A pandemia já havia perdido fôlego, mas
Bolsonaro continuava na sua militância negacionista e arrumou mais uma encrenca
com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária:
—Estamos trabalhando com a Anvisa, que quer
fechar o espaço aéreo. De novo, p…? De novo vai começar esse negócio?
A Anvisa nunca havia proposto a medida.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga,
apoiava o negacionismo do chefe e deu-se a um momento filosófico:
—Às vezes é melhor perder a vida do que
perder a liberdade.(Tratava-se da liberdade de não tomar vacina.)
No dia 10 de novembro Bolsonaro retomou o
seu bordão do Apocalipse:
—Ou todos nós impomos limites para nós
mesmos ou pode-se ter crise no Brasil.
Revisitados, todos esses momentos de tensão
vinham do nada e iam para lugar algum. Em nenhum caso envolviam a sadia
discussão de políticas públicas. Serviam apenas para manter o país em clima de
tensão. A maior prova disso está no fato de que Sergio Moro e Jair Bolsonaro
reencontraram-se durante os debates da campanha com o ex-juiz, eleito senador,
no cercadinho dos bolsonaristas.
Há tempo, Chico Buarque cantou seu “Vai
Passar.”
Passará.
Os ministros de Lula
Lula anunciou os nomes de cinco ministros.
Dois são petistas (Haddad e Rui Costa). Um, Mauro Vieira, é mais do mesmo, pois
foi chanceler de Dilma Rousseff.
Faltam os demais. Por enquanto o presidente
eleito resolveu a parte fácil do quebra-cabeça. Atendeu (e desatendeu) desejos
de seu partido.
Só nas próximas semanas vai-se saber se
Lula está a caminho do terceiro mandato com a ideia de um governo formado pelo
arco das forças democráticas que barraram a reeleição de Bolsonaro ou o que se
passou a chamar de “frente ampla”. As duas coisas parecem ser a mesma coisa,
mas não são.
O arco foi simbolizado por Simone Tebet
quando ela anunciou, em junho, que no segundo turno estaria no palanque da
democracia. A chamada frente ampla formou-se depois e engordou até chegar à
obesidade da cena de amanhã, na cerimônia da diplomação.
O arco e a frente diferenciam-se pela
extensão da pluralidade. Tebet pensa diferente de Lula em muitas questões. Já
muitos dos matriculados na frente pensam cada vez mais como ele (e os seus
sucessores).
O arco permitiu a formação do ambiente que
derrotou Bolsonaro. Foi o alicerce da frente que elegeu Lula.
Como não se sabe quais serão os novos
nomes, tudo o que se pode querer é que passem por um teste. Basta tentar
lembrar a qualificação do novo ministro para o cargo em que será colocado.
Quando não houver explicação, virá o cheiro de queimado.
Piada pronta
A Câmara produziu uma triste piada.
Aprovou a prorrogação do incentivo dado a
quem instala painéis de energia solar. Um passo no estímulo à geração de
energia limpa.
No mesmo projeto, enfiaram um jabuti que
incentiva a instalação de usinas térmicas, fonte de poluição.
Nada em segredo, tudo às claras.
A promessa no muro
Durante a campanha eleitoral, Lula prometeu
várias vezes criar uma Autoridade Climática para tratar as várias questões do
meio ambiente. Seria um organismo que cuidaria do que se poderia chamar da
grande política climática, livre do varejo das licenças, garimpos e queimadas.
A ideia era boa, mas está subindo no muro,
pelos por motivos ruins e banais.
Um comentário:
Deixei passar o artigo,li hoje.
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