Correio Braziliense
O bom governo depende dos serviços prestados à
população. E das mulheres, que foram a força decisiva para a eleição de Lula,
cuja presença na Esplanada não deve se restringir ao “lugar de fala”
É natural que todas as atenções estejam
voltadas para a montagem do governo Lula e suas relações com o Congresso, mas é
um equívoco tratar o presidente Jair Bolsonaro como cachorro morto, ainda que
ande chorando em solenidades militares, em silêncio depressivo e com uma
erisipela, um processo infeccioso da pele, que pode atingir a gordura do tecido
celular, causado por uma bactéria que se propaga pelos vasos linfáticos, comum
nos diabéticos, obesos e nos portadores de varizes.
Na sua primeira fala política após as eleições, na sexta-feira, Bolsonaro passou recibo da depressão, ao falar com apoiadores na saída do Palácio da Alvorada: “Estou há praticamente 40 dias calado. Dói, dói na alma. Sempre fui uma pessoa feliz no meio de vocês, mesmo arriscando a minha vida no meio do povo”, disse, numa alusão à facada que levou em Juiz de Fora (MG) em 2018. Sua postura é de derrotado, Bolsonaro já não reage como aquele lutador de boxe nocauteado que se levanta querendo lutar. Mas é um erro avaliar que não tem condições de se manter como o líder de direita com ampla base popular. A pesquisa do Ipec divulgada na quinta-feira mostra isso.
No início de outubro, 35% consideravam a
gestão Bolsonaro ótima ou boa. Depois, 38%, 37%, 36%, 37% e agora, 39%.
Regular: 22%, 19%, 23%, 24% e 23% em duas rodadas. Quarenta e dois por cento
avaliaram a administração Bolsonaro como ruim ou péssima. Depois, 41%, 39%,
40%, 40% e agora, 36%. Na primeira pesquisa de outubro, 40% aprovaram sua
maneira de governar. Depois, 43%, 44%, 43%, 44% e agora, 46%. Cinquenta e cinco
por cento desaprovavam a maneira como Bolsonaro conduz o país. Depois, 53%,
52%, 51%, 52% e agora, 50%.
A expectativa dos brasileiros em relação ao
governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, segundo a mesma
pesquisa, mostra que o novo governo tem margem de erro muito estreita. Dezoito
por cento consideram que Lula fará um ótimo governo, 32% acham que o governo
Lula será bom. Regular: 20%; ruim: 7%; péssimo: 18%; e 5% não souberam avaliar
ou não responderam. Quarenta e cinco por cento responderam que este mandato
será melhor que os governos anteriores de Lula; 22% afirmaram que será igual.
Pior: 26%; não sabem ou não responderam: 6%.
Entretanto, a forma como Lula está montando
o governo tem mais apoio hoje do que o que obteve na própria eleição. Cinquenta
e oito por cento responderam que Lula está no caminho certo; 33%, no caminho
errado; e 9% não sabem ou não responderam. O Ipec fez 2 mil entrevistas em 126
municípios entre os dias 1º e 5 de dezembro. A pesquisa não teve muita
repercussão porque os principais atores políticos de centro e a elite econômica
do país não querem mais marola em relação à posse de Lula.
Pelo contrário, as manifestações golpistas
contra o resultado da eleição, que pedem intervenção militar, estão sendo
esvaziadas e viraram um problema para os novos comandantes militares, que terão
que pôr esse gênio de novo na garrafa. De certa forma, a agitação dentro e fora
dos quartéis foi uma variável “dialética”, digamos assim, para que Lula
escolhesse como novo ministro da Defesa o político moderado José Múcio
Monteiro, um legítimo representante da velha oligarquia pernambucana. Além
disso, critério de escolha por antiguidade fez do general de Engenharia Júlio
César Arruda — próximo a Bolsonaro, mas legalista —, o futuro comandante do
Exército. Foi decisão acertada, pois distensiona as relações com os militares e
abre caminho para a reconstrução de pontes entre as Forças Armadas e o
presidente eleito.
Mais mulheres
Outra frente de distensão é a relação com o
empresariado. A escolha de Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda não
agradou o mercado, que gostaria de ver no posto um economista com passagem pelo
mundo financeiro. Essa escolha, porém, já estava precificada. A tripartição do
atual Ministério da Economia em três pastas, com a recriação dos ministérios do
Planejamento e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, permitirá um arranjo
político com os setores produtivos, inclusive o agronegócio, e pode até zerar os
descontentamentos com as grandes bancas.
As pesquisas mostram que isolar a
extrema-direita e seu líder carismático, o “mito” Jair Bolsonaro, não será nada
fácil. Passa também por uma disputa moral na sociedade, na qual a bandeira da
democracia está nas mãos de Lula, mas a da ética na política continua com a
extrema-direita. O que pode desequilibrar esse jogo é um bom governo. Lula
precisa alterar a correlação de forças no mundo dos interesses; os da cultura e
do trabalho estão firmes com o PT, desde o primeiro turno. A montagem de um
governo com uma área meio empoderada, com Rui Costa na Casa Civil e Flávio Dino
na Justiça, ex-governadores da Bahia e Maranhão, respectivamente, mostra que
Lula pretende cuidar mais da política, auxiliado pelo vice-presidente Geraldo
Alckmin, do que da gestão administrativa.
O sucesso do governo, porém, depende dos
serviços efetivamente prestados à população. E das mulheres, que foram a força
decisiva para a eleição de Lula. Sua presença na equipe ministerial não deve se
restringir ao “lugar de fala” das pastas “identitárias”. Por exemplo, a volta
do embaixador na Croácia, Mauro Vieira, ao comando do Ministério das Relações
Exteriores empurrou a fila para trás. Como chanceler, a embaixadora Maria Luiza
Ribeiro Viotti, a diplomata brasileira de maior prestígio internacional,
ex-chefe de gabinete do secretário-geral da ONU António Guterres e
ex-presidente Conselho de Segurança da ONU, representaria as mulheres no centro
do poder, sem embargo da crescente influência da primeira-dama Rosângela Lula
da Silva, a Janja, nas decisões do presidente eleito, como a escolha da cantora
baiana Margareth Menezes para o Ministério da Cultura.
2 comentários:
Primeira pisada da bola de Janja, se me permite a manjada expressão, oportuna nesse vexame copal e no agora cultural.
O máximo que Margaret Menezes entende de administração pública e de política cultural deve ser fazer um 'ó' com um copo, e olhe lá, já seria muito.
Axé não é erudito nem existencial.
É, ceteris paribus, como o fenómeno do 'Mito', do Bozo. Começa como uma coceira, vai virando moda, faz um mal danado, e termina repetitivo, deprimido, podre e erisipelado.
Erra não, Lula!
Dizer que a bandeira da ética está com a extrema-direita é no mínimo...
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