Isenções e subsídios no setor elétrico têm de ser suspensos
O Globo
Senado precisa rever projeto aprovado na
Câmara mantendo benefícios a pequenas centrais e painéis solares
Com o fim de ano — e todas as atenções do
mundo político voltadas para a tramitação da PEC da Transição e para a formação
do próximo governo —, criou-se o ambiente ideal para o Congresso aprovar sem
alarde projetos controversos. Foi o que aconteceu na última terça-feira, quando
passou na Câmara a proposta que prorroga por mais seis meses subsídios à
instalação de painéis de energia solar e ainda estende isenções a pequenas centrais
hidrelétricas (PCHs) construídas no Centro-Oeste.
Não sairá barato para a população. Pelos cálculos da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), a manobra custará R$ 118 bilhões até 2045, incluídos na conta de luz de cada consumidor de energia. A prorrogação das isenções foi embutida no Projeto de Lei relatado por Beto Pereira (PSDB-MS), que adia por seis meses a entrada em vigor do Marco Legal da Geração Distribuída, nome dado à geração feita pelo próprio consumidor, que oferece à rede o excedente que produz e recebe créditos em troca.
O setor elétrico, nos quatro anos do
governo Jair Bolsonaro, virou um território livre para trânsito dos mais
variados grupos de interesse. Parte das PCHs da lei aprovada na surdina pela
Câmara tem como justificativa produzir parcela da energia que seria gerada no
Centro-Oeste pelas termelétricas a gás incluídas na lei de privatização da
Eletrobras. Não há na região produção de gás, nem consumo de energia que
justifique o investimento.
As termelétricas contrabandeadas na
privatização da Eletrobras não estão previstas só para o Centro-Oeste. Serão
distribuídas também por Norte, Nordeste e Sudeste. A contratação pela
Eletrobras será compulsória a partir de 2026, quando os autores do jabuti
supõem que já estejam em operação.
Só as pequenas usinas aprovadas na Câmara
na terça-feira custarão ao consumidor R$ 23 bilhões em subsídios. Outras PCHs,
embutidas na privatização da Eletrobras, acrescentarão à conta R$ 56 bilhões.
Para chegar aos R$ 118 bilhões transferidos ao consumidor, somam-se os R$ 39
bilhões da prorrogação por seis meses de todos esses incentivos e subsídios,
num momento em que o Brasil já sofre os efeitos da vertigem do abismo fiscal.
As cifras são também vertiginosas nos
cálculos do grupo de trabalho de Minas e Energia na equipe de transição,
coordenado por Mauricio Tolmasquim. É hoje de R$ 500 bilhões o rombo no setor
elétrico que o consumidor terá de cobrir nos próximos anos. Desse total, R$ 368
bilhões referem-se às termelétricas compulsórias e à malha de gasodutos
destinados a abastecê-las. Tolmasquim espera que o Senado derrube o projeto
aprovado na Câmara. Quanto à energia solar, afirma que ela não precisa mais de
subsídios. É fato.
O consumidor não pôde contar com a ação da
Aneel, a agência nacional de energia elétrica, capturada pelo bolsonarismo. Nos
últimos quatro anos, ela ficou inerte, sem acompanhar um sistema complexo que
exige investimentos elevados e constantes.
Decisões que deveriam ser técnicas migraram
para o Congresso, instituição política por natureza. O resultado final não
poderia ser outro. Restará ao novo governo negociar com o Legislativo a
suspensão de investimentos inviáveis. Por mais que os petistas não gostem de
transferir poder às agências reguladoras, será preciso resgatar o papel essencial
da Aneel. Não será fácil, mas é a única saída.
Lei sobre casamento gay nos EUA é resposta
correta a ativismo judicial
O Globo
Congresso — e não Suprema Corte — é o foro
adequado para consolidar avanços na pauta de costumes
A Câmara dos Representantes dos Estados
Unidos aprovou nesta semana, por 258 votos a 169, uma lei que protege o
casamento inter-racial e entre parceiros do mesmo sexo. A Lei de Respeito ao
Casamento já havia sido chancelada no Senado por 61 votos a 36. Num país
rachado ao meio, o texto propiciou um momento de raríssima convergência
bipartidária e contou com apoio de 12 senadores e 39 representantes
republicanos. Seguirá agora para o presidente Joe Biden, que prometeu
sancioná-lo “rapidamente e com orgulho”. “Amor é amor, e os americanos devem
ter o direito de se casar com a pessoa que amam”, disse Biden.
É verdade que o casamento gay já era
garantido por uma decisão histórica da Suprema Corte (Obergefell v. Hodges). Em
2015, ela considerou inconstitucional qualquer tentativa de legislação estadual
para bani-lo. Na época, as redes sociais foram tomadas pelo tópico #LoveWins
(#AmorVence). Depois do furacão Donald Trump, porém, os ventos mudaram. A
maioria conservadora na Corte levou a comunidade LGBTQIA+ a temer a perda de
direitos conquistados, a exemplo do que aconteceu com o aborto.
Não se trata de receio infundado. Quando a
Suprema Corte anulou a proteção ao aborto legal, há seis meses, o juiz
conservador Clarence Thomas escreveu em seu voto que estava na hora de
reconsiderar outras decisões, entre elas Obergefell e Griswold v. Connecticut,
de 1965, que assegurou o direito à contracepção. “Como já vimos neste ano, o
que o tribunal decidiu no passado pode ser facilmente retirado no futuro”,
afirmou o líder democrata no Senado, Chuck Schumer.
A decisão do Congresso sepulta a obsoleta
Lei de Defesa do Casamento, de 1996, que define o matrimônio como união entre
um homem e uma mulher e nega direitos federais a casais do mesmo sexo. A adesão
de republicanos mostra como a sociedade americana mudou em três décadas. Em
1996, apenas 27% dos americanos diziam apoiar o casamento gay, segundo pesquisa
Gallup. Em junho deste ano, 71%.
Nas negociações entre democratas e
republicanos para aprovar a lei, ficou estabelecido que entidades religiosas
conservadoras não serão obrigadas a celebrar cerimônias matrimoniais para
casais do mesmo sexo, nem perderão benefícios fiscais do governo caso se
recusem a reconhecê-los. Os estados também não serão obrigados a realizar
casamentos gays, apenas reconhecê-los.
Apesar dessas restrições, a nova lei é sem dúvida um avanço diante do risco de retrocesso vindo de uma Suprema Corte dominada por conservadores ávidos por reescrever a História. Ela também traz a resposta correta ao ativismo judicial. O Legislativo é sempre o melhor caminho para que a sociedade se adapte às mudanças de costumes. Pelo menos em regimes democráticos. Para o Brasil, a lei recém-aprovada pelos americanos mostra que o foro adequado para resolver questões sensíveis que dividem a opinião pública é o Congresso. O Supremo não pode resolver tudo — nem deve.
Copa cruel
Folha de S. Paulo
Brasil, favorito por méritos, cai por
detalhes que tornam o torneio emocionante
Pela quinta vez seguida, o Brasil cai
na Copa do Mundo ao enfrentar um time europeu em fase decisiva. Foi
possivelmente o mais inexplicável dessa série de reveses, mas o Mundial de
seleções não é célebre por fazer justiça a competidores.
Na partida desta sexta-feira (9)contra a
Croácia, assim como no restante do torneio, os atletas brasileiros mostraram as
qualidades que alçaram a equipe à condição de favorita ao título. Ninguém, numa
análise racional e equilibrada, poderá negar o nível elevado dos jogadores nem
o bom trabalho desenvolvido pelo técnico Tite.
Entretanto uma das belezas do futebol é
permitir que adversários tidos como mais fracos adotem estratégias capazes de
minimizar suas desvantagens e surpreender os poderosos —e a Copa é tão cruel
quanto emocionante ao punir os menores momentos de má sorte e desatenção
individual ou coletiva.
Os croatas, representando uma pequena nação
de apenas 3,9 milhões de habitantes, merecem aplausos por suas virtudes
técnicas, fibra e força mental, já demonstradas com a segunda colocação no
certame de quatro anos atrás.
A frustração brasileira tende a ser maior
quanto mais difícil de entender o malogro. Em 2006, por exemplo, eram evidentes
a preparação desorganizada e a má forma de boa parte de um elenco estelar; em
2014, os 7 a 1 para
Alemanha expuseram o colapso tático e psicológico de um time desbalanceado.
Desta vez havia um ótimo grupo de
selecionados, visivelmente motivados e bem treinados, e desempenhos em campo
elogiados por analistas de todo o mundo. Não faltarão números para mostrar o
domínio do time ao longo do confronto por fim decidido nos pênaltis.
A paixão nacional produzirá uma pletora de
críticas inflamadas e diagnósticos dramáticos nos próximos dias. Dos
responsáveis pela seleção brasileira —uma marca globalmente reconhecida do
esporte nacional— espera-se que mantenham o profissionalismo e a coerência que
marcaram positivamente a gestão recente da equipe.
O desfecho amargo não pode obscurecer os
muitos acertos dos últimos anos, ainda que falhas devam ser investigadas e
corrigidas. A Copa, embora longe de representar uma medida precisa de méritos,
permanecerá como objetivo principal. Não pode ser o único.
Há que definir um novo técnico,
experimentar diferentes modelos de jogo, substituir atletas cujas carreiras
chegam ao fim e descobrir talentos. O Brasil de dimensões continentais, onde o
futebol é meio de ascensão social, mantém capacidade única de renovação.
Cristina condenada
Folha de S. Paulo
Julgamento da vice-presidente argentina
alimenta a crise política e econômica
Em mais um lance de uma crise que se
alastra na política e na economia, a
vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, foi condenada a seis anos de
prisão por corrupção, pena que não será cumprida de imediato. A
acusação se refere aos períodos em que ela e seu marido, Néstor Kirchner, morto
em 2010, governaram o país.
Segundo promotores, o casal desviou verbas
para uma empreiteira na província de Santa Cruz. A defesa alega que a então
chefe de Estado não poderia ser responsabilizada pelas licitações e que o
Congresso aprovou o investimento.
Cristina
Kirchner se comparou ao presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), ao se dizer vítima de "lawfare" —uma perseguição do
sistema de Justiça.
Por aqui, tanto Lula como a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) prestaram
solidariedade à argentina, em mais um movimento politicamente temerário de
identificação ideológica.
Restam cinco processos contra a
vice-presidente, e outros três foram arquivados. Ela pode recorrer da
condenação e tem direito a foro especial até o final de 2023. Seu discurso de
defesa, à moda populista, inclui ataques à imprensa.
O governo do país vizinho segue em
turbulência —a vice e o presidente, Alberto Fernández, colecionam não poucos
atritos. A primeira contribuiu com críticas ácidas para a queda de um ministro
da Economia, Martín Guzmán, que tentava alcançar o equilíbrio das contas
públicas a partir de negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Epítome atual do peronismo, o arcaico
populismo desenvolvimentista argentino, Cristina
chegou a dizer que "o déficit fiscal não é responsável pela inflação".
Estima-se que a variação acumulada dos preços neste ano chegue aos 100%.
Políticas econômicas baseadas em
protecionismo comercial excessivo, emissão de moeda, aumento descontrolado de
gastos públicos e intervencionismo estatal produzem os resultados conhecidos:
perda contínua do poder de compra da população e retração dos investimentos necessários
para a expansão da atividade.
O mesmo se consegue com a imprevisibilidade
política, e no caso argentino o que se vê é uma coisa alimentando a outra, num
círculo vicioso sem solução à vista.
A vice-presidente declara que não será candidata à sucessão de Fernández nas eleições presidenciais do próximo ano. A aparente demonstração de sensatez, mesmo se levada a cabo, não torna menos nebuloso o futuro da segunda maior economia do continente.
O que se espera de Haddad e Lula
O Estado de S. Paulo.
Se ideia é enfrentar a herança maldita do
atual governo, Lula e Haddad não podem esquecer que foi a desastrosa gestão de
Dilma que abriu caminho para ascensão política de Bolsonaro
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da
Silva confirmou a indicação de Fernando Haddad para o cargo de ministro da
Fazenda. A escolha do ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação mantém
as incertezas sobre a condução da política econômica do terceiro mandato do
petista, mas deixa claro que Lula não tem a intenção de terceirizar as decisões
nessa área crucial. Afinal, se há algo que Haddad demonstrou ao longo de sua
carreira política é uma inequívoca fidelidade a Lula.
Depois que integrou a comitiva da
Conferência do Clima (COP-27) no Egito e representou o presidente eleito em um
evento da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Haddad se tornou um nome
mais do que esperado para assumir a função, de forma que ninguém pode se dizer
surpreso. Mas o anúncio do ministro provavelmente será incapaz de reduzir as
incertezas sobre os rumos da economia, haja vista o comportamento do dólar e
dos juros futuros logo após o anúncio.
Se há algo que parece ter pautado a
definição de Haddad e dos outros ministros por Lula neste momento, portanto,
não foram as preocupações do mercado financeiro, mas a necessidade de garantir
a pacificação política e aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da
Transição. Ainda que o nível de gastos proposto no texto tenha extrapolado
qualquer preocupação fiscal ou social, a PEC é fundamental para corrigir as
falhas do Orçamento de 2023 e construir a governabilidade de Lula diante de um
Congresso que se fortaleceu sob a Presidência de Jair Bolsonaro.
Nesse sentido, diante da evidente afinidade
entre o presidente eleito e o ministro, pesa a favor de Haddad o fato de que se
atribui a ele a retirada das referências a uma tal de “Teoria Monetária
Moderna” que constaram das primeiras versões do relatório da PEC. A principal
premissa dessa exótica corrente heterodoxa é que um governo nunca dará calote
em sua dívida porque emite a própria moeda para pagá-la – e isso abriria
caminho ao aumento de gastos via déficit público. O modelo de financiamento de
despesas via emissão de moeda, porém, já foi testado e reprovado pelo Brasil
inúmeras vezes nos últimos 70 anos.
Vale como primeiro passo, mas é preciso avançar
mais, pois o cenário econômico a ser enfrentado será desafiador. Reavaliar
políticas públicas, rever gastos e melhorar a gestão são missões que Haddad
sinalizou estarem entre suas prioridades, mas que claramente passaram ao largo
das discussões da PEC da Transição. É preciso nomear uma equipe de técnicos,
sobretudo em áreas como a Receita Federal e o Tesouro Nacional. É necessário
trabalhar pela aprovação de temas muito relevantes pelo Congresso, como uma
ampla reforma tributária e uma âncora fiscal crível e estável para substituir o
esburacado teto de gastos.
Contando com a plena confiança de Lula,
cabe a Haddad começar já a expor os planos do futuro governo e a impor limites
aos que defendem uma política fiscal irresponsável, até porque o País conta
hoje com um Banco Central formalmente autônomo e que não hesitará em elevar a
taxa básica de juros caso considere necessário. Será, portanto, do ministro da
Fazenda a difícil tarefa de dizer “não”, em nome de Lula, aos inúmeros pedidos
que virão de colegas da Esplanada dos Ministérios, do Legislativo, dos
empresários e da sociedade civil.
A partir da indicação de Haddad, é possível
interpretar os sinais que Lula tem deixado implícitos em seus atos e palavras.
“Espero que Haddad fale sobre mercado, mas também fale sobre as necessidades do
povo, dos problemas sociais”, disse ontem o presidente eleito. Já não há
qualquer dúvida de que o governo pretende gastar mais, mas também é verdade que
a política fiscal é apenas uma parte da política econômica. O que se espera de
Lula – e de Haddad – é que se inspire nas diretrizes que guiaram o petista em
seus dois mandatos até 2008. Se a intenção é resolver a herança maldita que o
atual governo legou ao País, Lula e Haddad não podem esquecer que a ascensão de
Jair Bolsonaro começou a partir da desastrosa administração da presidente Dilma
Rousseff, aquela que considerava que “gasto é vida”.
Fraco, Mercosul expõe suas fraturas
O Estado de S. Paulo
Decisão do Uruguai de aderir a outros
acordos comerciais mostra a divisão do bloco, cuja sobrevivência talvez exija
mudança de suas regras, hoje praticamente fictícias
Apalavra mais branda utilizada na reunião
do Conselho do Mercado Comum do Mercosul para se referir à situação atual do
bloco talvez tenha sido “problema”. Expressões como “ruptura” e “extinção”
também foram empregadas no encontro realizado há pouco em Montevidéu. São
reveladoras da condição em que se encontra o bloco que reúne Brasil, Argentina,
Paraguai e Uruguai numa união aduaneira apenas formal. Vítima de um longo
processo de enfraquecimento, provocado por sucessivas concessões que tornaram
fictícias as regras de uma união aduaneira – aplicação de uma tarifa externa
comum aos produtos originários de fora do bloco e livre circulação de bens
entre seus membros –, o Mercosul agora está às voltas com a decisão do Uruguai
de aderir a outro bloco comercial sem o consentimento de seus parceiros. Parece
fraturado, cindido, prestes a entrar em regime de hibernação. Precisa ser
repensado.
A reunião antecedeu à cúpula dos chefes de
Estado dos países fundadores do bloco, novamente sem a presença do brasileiro
Jair Bolsonaro. Ausente na cúpula anterior, em junho, Bolsonaro faltou, como
tem faltado a outros atos de governo, também a este que talvez fosse seu último
compromisso internacional. Como previsto, a cúpula escolheu o presidente da
Argentina, Alberto Fernández, como presidente temporário do bloco, em
substituição ao uruguaio Luis Lacalle Pou.
Em Montevidéu, o ministro das Relações
Exteriores do Brasil, Carlos França, disse que Brasil, Argentina e Paraguai
estão preocupados “com problemas que inevitavelmente resultariam das
negociações individuais, problemas jurídicos e comerciais”. O chanceler
brasileiro fazia referência à decisão do governo de Lacalle Pou de solicitar o
ingresso do Uruguai no tratado de parceria dos países do Pacífico, conhecido
como Tratado Transpacífico. O Uruguai negocia também um tratado de livre
comércio com a China.
O chanceler argentino, Santiago Cafiero, de
sua parte, disse que o caminho seguido pelo Uruguai “muito provavelmente
poderia levar à ruptura” do Mercosul. Em resposta, o ministro das Relações
Exteriores do Uruguai, Francisco Bustillo, disse que essa não é a intenção de
seu governo, mas advertiu que o imobilismo do bloco o aproxima da “extinção”.
Dias antes, os três países que se opõem à
iniciativa uruguaia haviam divulgado nota conjunta na qual afirmam que “se
reservam o direito de adotar as medidas necessárias para defender seus
interesses no campo jurídico e comercial”. O Tratado de Assunção, que criou o
Mercosul em 1991, limita a autonomia de cada país para firmar acordos
comerciais isoladamente.
O comércio entre os países da região
floresceu nos últimos anos, mas a falta de acordos com outros blocos e países
praticamente isolou o Mercosul. “Não temos acordo com nenhuma das dez
principais potências econômicas e comerciais no mundo”, lembrou o chanceler
uruguaio. O acordo entre o Mercosul e a União Europeia, cujos termos já foram
negociados no nível técnico, ainda necessita da aprovação formal pelos
Parlamentos de cada um dos países-membros dos dois blocos. “Um dado não
desprezível é que, desde 2010 até hoje, a Organização Mundial do Comércio
registra 172 acordos de livre comércio, nenhum do Mercosul”, completou
Francisco Bustillo.
Incompatibilidades políticas entre os
atuais presidentes dos dois principais países do bloco, Brasil e Argentina,
podem ter acentuado um processo de esvaziamento que o Mercosul vinha sofrendo.
Em várias ocasiões o ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, manifestou
pouco interesse em fortalecer o bloco, que não considerava “prioritário”.
Corretamente, Guedes classificou o grupo como restritivo demais, o que deixou o
Brasil preso numa armadilha que o impediu de avançar em acordos com outros
países e blocos. Guedes defendeu, por isso, a flexibilização das regras e a
modernização do bloco, para permitir que seus membros se integrem mais
intensamente à economia global.
Esta é uma discussão que o Mercosul terá de
travar com urgência para garantir sua sobrevivência.
Dengue exige ação coletiva
O Estado de S. Paulo
Alta de casos é inaceitável diante de uma
doença que já deveria ter sido controlada há muito tempo
A explosão do número de mortes por dengue
no Brasil, neste ano, é um tapa na cara das autoridades e da sociedade
brasileira. Como noticiou o Estadão, até o mês de novembro 975 pessoas perderam
a vida para essa doença que, na verdade, já deveria estar sob controle há muito
tempo. O ano nem terminou e o total de óbitos, até aqui, já é quase quatro
vezes maior do que o registrado nos 12 meses de 2021, quando foram
contabilizadas 246 mortes. Nas próximas semanas, infelizmente, não será
surpresa se o País ultrapassar o triste recorde de 986 óbitos registrados em
2015 − a pior marca desde que a dengue ressurgiu na década de 1980.
Não há segredo sobre o que fazer para
prevenir a dengue, e essa constatação só faz aumentar o espanto diante da
escalada do número de mortes e de casos da doença. O último balanço do
Ministério da Saúde, divulgado em 19 de novembro, mostrou que 1,39 milhão de
pessoas já foram infectadas neste ano, um crescimento de 175% em relação ao
mesmo período de 2021. Como se sabe, a enfermidade é transmitida pelo mosquito
Aedes aegypti, um velho conhecido da população brasileira. E o mosquito,
infelizmente, tem levado a melhor.
As medidas para combater o mosquito são
simples e começam pelos próprios cidadãos. Considerando que a reprodução do
inseto depende do acesso à água, caixas d’água devem estar devidamente tampadas
e não pode haver lixo jogado em ruas e terrenos baldios, sob o risco de haver
acúmulo de água. Vasos com plantas também merecem atenção especial, e é
bastante conhecida a recomendação para que se ponha areia nos recipientes, de
modo a impedir que sirvam de criadouros para o Aedes aegypti.
O grande desafio da dengue, no entanto, é
que a solução vai muito além das ações individuais. De nada adianta que os
moradores de uma rua ou de um bairro sigam as recomendações à risca se seus
vizinhos não o fizerem. O mosquito não respeita muros nem pede licença. Ou seja,
a complexidade está no caráter coletivo das ações. E aí o poder público, em
todos os níveis, falha gritantemente. Não basta enviar agentes para espalhar
inseticida ou promover vistorias nas residências nos períodos de pico de
transmissão da doença. De novo, é preciso articular ações coletivas, realizar
campanhas de comunicação e mobilizar lideranças comunitárias ao longo do ano, e
não somente durante os surtos.
A persistência da dengue no País fala alto
também sobre problemas no uso e na ocupação desordenada dos territórios. E
reflete, em alguma medida, as mudanças climáticas: como informou o Estadão ,a
doença não se restringe às regiões de clima mais quente, a ponto de que os três
Estados do Sul − Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul − estão entre os cinco
primeiros em maior número de óbitos. Alarmada, a Sociedade Brasileira de
Infectologia divulgou alerta nacional com ênfase nas ações preventivas. É hora
de prefeituras, governos estaduais e a União, juntamente com a sociedade,
somarem esforços contra a dengue. Ninguém sozinho resolverá o problema.
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