O Estado de S. Paulo.
Se golpe não houve, isso se deve a três generais democratas que exerceram um efetivo protagonismo, embora pouco tenha aparecido na imprensa
O Brasil esteve à beira de uma ruptura
institucional, com o golpe espreitando a Nação. E não se trata apenas da
violência bolsonarista do dia 8 de janeiro, com a destruição dos símbolos
mesmos da República, mas da divisão reinante nas Forças Armadas e, em
particular, no Exército. E isso data dos últimos meses do governo anterior e
dos primeiros dias do novo. Uma vez que a política penetrou nos quartéis, a
cisão interna se fez entre militares constitucionalistas e golpistas, alguns
desses da reserva, com forte influência junto ao ex-presidente Jair Bolsonaro,
de quem eram próximos.
Se golpe não houve, isso se deve, entre outros, a três generais democratas que exerceram um efetivo protagonismo, embora pouco ou nada tenha transparecido na imprensa senão recentemente. Agiram nos bastidores, entre outras razões, para resguardar a imagem do Exército enquanto força coesa, embora a realidade fosse diferente. São eles: general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, agora comandante do Exército, general Valério Stumpf, chefe do Estadomaior do Exército, general Richard Fernandez Nunes, comandante do Comando Militar do Nordeste.
Foram eles considerados, nas redes sociais
militares de extrema direita, generais “melancias”, verdes por fora, vermelhos
por dentro, apesar de seu “vermelho” significar simplesmente a defesa da
democracia e da Constituição. Outros epítetos foram “traíras”, “comunistas” e
por aí afora. Conheço-os pessoalmente, dois deles são amigos próximos, e posso
testemunhar sua alta capacitação, seu amor aos valores da liberdade e da
democracia, além de nosso apreço comum pelos livros.
A vida deles foi nada fácil nas últimas
semanas. Além das calúnias que se tornaram corriqueiras, foram também atingidos
em suas respectivas famílias, objeto de ameaças, e isso tão somente por se
posicionarem no respeito à Constituição. O presidente Lula da Silva errou, em
suas primeiras manifestações, ao não fazer a necessária distinção entre
generais democratas e golpistas, considerando-os em bloco como avessos à
democracia. Essa foi, inclusive, a percepção militar. Agora, corrigiu em boa
hora a sua orientação inicial, escolhendo o general Tomás como novo comandante
do Exército. Acertou e deve ser parabenizado por isso.
Na quarta-feira, dia 18, diante da tropa
reunida no Comando Militar do Sudeste, o general Tomás fez um contundente
discurso, não lido, em defesa da democracia, do voto, da alternância de poder,
do respeito à Constituição e da obediência à vontade popular, ou seja, à
escolha do novo presidente. Uma coisa é o militar votar no candidato que melhor
corresponder às suas convicções, outra muita diferente é, enquanto militar
precisamente, prestar continência ao novo presidente da República. E isso vale
para qualquer eleito, de esquerda ou de direita. Não lhe cabe fazer opções
ideológicas, mas estritamente constitucionais.
Note-se que o general Tomás tomou três
atitudes, vitais para a superação da crise atual: 1) dirigiu-se à tropa,
exercendo efetivamente a sua função de comandante e não se restringindo a uma
reunião de gabinete com seus pares; 2) gravou toda a sua manifestação,
conferindo-lhe depois um caráter público, expondo para toda a população
brasileira o compromisso do Exército com a democracia, apesar dos recentes
percalços; 3) enviou uma mensagem aos seus pares, inclusive aos seus
detratores, de que os valores militares e os compromissos democráticos seriam
mantidos.
Sua coragem foi exemplar. Mostrou,
inclusive, aos petistas recalcitrantes como as Forças Armadas possuem um
compromisso inarredável com a Constituição, dela não se afastando apesar de
alguns grupos militares desgarrados. E aprenderam isso nas escolas militares,
seguindo os currículos que são tão menosprezados pelos petistas, como se fossem
necessárias grandes alterações neles. Deveriam aprender que foi graças a esses
currículos que comportamentos exemplares como os desses generais foram
possíveis.
Embora pouco tenha sido noticiado, o
Exército foi igualmente exemplar na validação das urnas eletrônicas graças a
conversas de bastidores que contribuíram decisivamente para a harmonização
entre os Poderes. Muita verborreia foi gasta em público e em lutas supostamente
ideológicas, enquanto o verdadeiro trabalho foi feito na aproximação entre
importantes atores políticos. O discurso da fraude eletrônica foi esvaziado,
sendo somente sustentado pelos bolsonaristas radicais que viviam – e vivem – em
suas próprias bolhas, alheias à realidade. Foi, portanto, graças a alguns
desses generais que a eleição transcorreu normalmente e os seus resultados
foram acatados, sem nenhum atropelo institucional. O Exército e o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) agiram em sintonia, cada um cedendo em nome do bem
maior que é o Brasil.
Está na hora de ser reconhecido o importante
papel desses militares na defesa da democracia. O momento é de distensão e de
pacificação nacional. O Brasil só poderá crescer no respeito às instituições
democráticas. Conflitos não devem ser acirrados, sob pena de retrocedermos ao
passado recente.
*Professor de filosofia na Ufrgs.
6 comentários:
Se fosse verdade a frase do colunista "as Forças Armadas possuem um compromisso inarredável com a Constituição", ele não precisaria ter escrito este texto.
O fato de ele ter decidido escrevê-lo (ocultando verdades necessárias: por exemplo, COMO a política penetrou nos quartéis?) e destacar seus 2 amigos generais demonstra que tal frase NÃO é verdadeira! Porém, ficamos sabendo que o colunista parece possuir fontes de informações privilegiadas dentro das forças armadas...
Mourão, Cid, Arruda, Paulo Nogueira, Luiz Ramos, Heleno, Braga Netto e muitos outros oficiais do lado golpista.
Explica então pro leigo:
Existem dois exércitos.
Um é o "meu" exército. Horroroso.
Outro é o outro. Legalzinho.
E eles brigam entre si.
É isso?
"Se golpe não houve, isso se deve a três generais democratas que exerceram um efetivo protagonismo, embora pouco tenha aparecido na imprensa"
Alvíssaras pros 3 generais. Mas Rosenfield, eles são minoria, pelo q cê fala. Poderosos, bem intencionados, mas ... minoria.
O fato de o Brasil dever tanto a tão poucos é prova de q o exército é parte do problema.
De minha parte, fico preocupado por sermos "salvos" por 3 generais - sabemos q o EB tem muito mais generais do q estes três.
DE Q LADO ESTÃO OS DEMAIS? Bem, se estivessem do lado da DEMOCRACIA, NÃO PRECISARÍAMOS DESSES 3 HERÓIS.
ALVÍSSARAS!
Puxa, ... então... o EB... é golpista!
Se não fossem esses três, o Brasil seria, mais uma vez, uma ditadura?
LULA PRECISA INTERVIR NESSA BAGAÇA chamada EB com urgência.
Afinal, não podemos depender de heróis.
O paradoxo de Rosenfield:
A democracia brasileira foi salva por 3 generais...
E foi salva de um exército com compromisso inarredável com a constituição!
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