Votação de Medida Provisória que altera regras do Carf será primeiro desafio. Novo arcabouço fiscal e reforma tributária estão entre as prioridades
Por Manoel Ventura / O Globo
A posse dos novos deputados e senadores e
as eleições para as Mesas Diretoras das duas Casas do Congresso, nesta semana,
marcam também o começo das negociações intensas para a pauta econômica
conduzida pelo ministro da
Fazenda, Fernando Haddad. Com uma agenda prioritária definida para este
ano, o governo usará como primeiro teste da sua base aliada e da capacidade de
articulação a votação da medida
provisória (MP) que alterou regras do Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (Carf).
Um dos principais pontos do plano fiscal de
Haddad, a MP restabeleceu a regra alterada em 2020 que prevê vantagem do Fisco
em caso de empate nos julgamentos do tribunal administrativo da Receita
Federal. Polêmica, a medida é criticada por empresários e tributaristas e deve
enfrentar resistências no Congresso. O governo calcula impacto de cerca de R$
60 bilhões com ela.
— Faltou um pouco de sensibilidade para
entender que foi uma legislação aprovada amplamente pelo Congresso. A reação do
setor produtivo e também de outros segmentos da sociedade nos dá confiança de
que conseguiremos reverter este equívoco — disse o deputado Marco Bertaiolli
(PSD-SP), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, numa fala que
dá o tom do desafio que o governo enfrentará com relação ao tema.
Para integrantes do governo, será o momento de testar a base, que ainda está sendo construída pelo presidente Lula. Haddad também propôs um programa de refinanciamento de dívidas tributárias, o chamado Litígio Zero.
Parcelamento
Dívidas de pessoas físicas, micro e
pequenas empresas, por exemplo, terão desconto de até 50% e poderão ser
parceladas em até 12 vezes. As regras valem para quem recebe até 60 salários
mínimos.
Neste caso, o risco detectado pelo governo
não é de rejeição da MP, mas de ampliação excessiva do seu escopo. As medidas
provisórias irão inaugurar a agenda econômica no Congresso no governo Lula, mas
a pauta vai além.
O ministro pretende tocar simultaneamente a
criação de um novo arcabouço fiscal para o país e uma reforma tributária, que
será fatiada — primeiro com as mudanças sobre o consumo e depois sobre a renda.
O chefe da Fazenda já vem conduzindo as
conversas sobre a reforma tributária, considerada o maior desafio para a pasta.
É um assunto que se arrasta há anos no Congresso, mas que foi colocado como
prioritário pelo novo governo.
— O grande legado do presidente Lula será a
reforma tributária, um sistema menos regressivo, um modelo mais direto na
cobrança dos impostos. Um sistema mais simplificado. Um deslocamento da
tributação do consumo para renda e patrimônio. Sem justiça tributária vamos
continuar multiplicando os superpobres e produzindo os superricos — afirma o
deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que será vice-líder do governo na Câmara.
Haddad montou uma secretaria liderada pelo
economista Bernard Appy, um dos maiores especialistas sobre o assunto no país,
para conduzir o assunto. Há um time de técnicos que têm trabalhado em duas
propostas principais: rever os impostos sobre consumo e criar novas regras para
o Imposto de Renda (com cobrança maior sobre os mais ricos).
Com relação à primeira reforma, o governo
usará como base propostas que já estão em tramitação. Na Câmara, é a proposta
de emenda à Constituição (PEC) 45, de autoria do deputado federal Baleia Rossi
(MDB-SP), presidente nacional da legenda. A proposta unifica uma série de
tributos sobre o consumo, como PIS/Cofins e IPI e tem hoje a preferência de
Haddad nas discussões. Outra proposta, do Senado, a PEC 110, reúne mais
impostos. A ideia hoje é mesclar essas duas propostas.
Haddad já conversou com o presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre o assunto. Em jantar na quinta-feira, Lula
pediu ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o apoio para aprovação
de pautas econômicas. O PT apoia a recondução dos dois.
Regra fiscal
No calendário da Fazenda, a nova regra para
as contas públicas será enviada ao Congresso até abril. Essa regra irá
substituir o teto de gastos, que hoje é a principal referência fiscal do país
ao travar o crescimento dos gastos.
Nesse caso, a estratégia do governo será
buscar discutir o assunto com o mercado e especialistas de fora do Executivo
antes de enviar o texto ao Congresso. A ideia é haver uma “validação social” da
proposta, a fim de facilitar a tramitação do texto na Câmara e no Senado. O
governo precisa do texto aprovado neste ano sob pena de voltar ao teto de
gastos e ter de reduzir drasticamente as despesas em 2024.
Como um aceno ao Congresso, o governo
avalia prever na nova regra fiscal que não haja mais bloqueio de gastos ou que
isso seja bastante limitado. O bloqueio de despesas, especialmente das emendas
parlamentares, é uma das principais reclamações de deputados e senadores a
diferentes governos.
Bruno Carazza, professor da Fundação Dom
Cabral, avalia que a agenda econômica é ambiciosa, mas lembra que o primeiro
ano de um governo é tradicionalmente uma janela para avançar em pautas
complexas, como essas. Para ele, a grande batalha será a reforma tributária,
por envolver diversos interesses, de estados, municípios e dos empresários.
— Esse tipo de negociação vai ter que ser
extra-Congresso também, de convencimento da liderança dos setores, das
confederações setoriais, empresariais. Não é algo simples.
Dentro da questão da tributação, o governo
Lula quer atualizar a tabela do IR e promete isentar do pagamento do tributo
quem ganha até R$ 5 mil. Carazza afirma que, embora necessária, a reforma do IR
tem elementos de impopularidade, por afetar setores da classe média, como
profissionais liberais.
A pauta do Congresso não será restrita à
agenda econômica. Na semana passada, por exemplo, o ministro da Justiça
apresentou um pacote de medidas contra atos golpistas. Demandas de outras
áreas, como a social, vão dividir as atenções.
— Vai exigir muita habilidade do Haddad, do
Lula, da Casa Civil. É algo muito difícil de ser conduzido e tudo isso ser
aprovado em um só ano.
Confira principais pautas
Mudanças no Conselho de
Recursos Fiscais (Carf)
No pacote de medidas para reduzir o déficit
público anunciado neste ano, houve mudança na forma de julgamento dos recursos
em questões fiscais. Até então, em caso de empate no Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais (Carf), o resultado era favorável ao contribuinte,
entendimento criado em 2020. Medida Provisória prevê agora que, nos empates, a
vantagem irá para o Fisco.
Refinanciamento de dívidas
para empresas e famílias
Um programa de refinanciamento de dívidas é
outro caminho para aumentar as receitas da União, prevê o plano do ministro da
Fazenda, Fernando Haddad. Batizado de Litígio Zero, haverá desconto de 40% a
50% do débito para pessoas físicas, micro e pequenas empresas, e de 100% das
multas e juros para pessoas jurídicas. O governo teme que o Congresso aumente o
alcance da medida.
Arcabouço fiscal para mostrar
como será o controle do gasto
O governo quer enviar a proposta do novo
arcabouço fiscal, que deve substituir o teto de gastos (limite ao crescimento
de despesas à inflação do ano anterior) até abril. A âncora fiscal em vigor se
esgotou, afirmam especialistas, o que demanda novo conjunto de medidas. Revisão
de gastos, fim dos bloqueios às despesas e metas mais flexíveis são alguns
pontos que o governo pretende propor.
Reforma tributária é
prioridade nesse início de mandato
O governo já anunciou que a reforma tributária será prioridade. Haddad trouxe para a sua equipe o economista Bernard Appy, autor da proposta que tramita na Câmara de unificação de impostos. Além de rever impostos sobre consumo, a reforma também prevê criar novas regras para o Imposto de Renda. Há décadas, tenta-se simplificar a estrutura tributária brasileira e torná-la menos desigual.
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