Punir golpistas impõe desafio ímpar à Justiça
O Globo
Profusão de envolvidos, prazos de
prescrição e lentidão do Judiciário dificultam condenação dos criminosos
Não existem investigações nem processos
mais prioritários hoje no Brasil do que os ligados aos eventos do 8 de janeiro.
A democracia foi alvo de uma tentativa de golpe felizmente fracassada. Agora,
policiais, procuradores, juízes e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)
devem lembrar diuturnamente a relevância da obtenção criteriosa de provas, da
elaboração de denúncias robustas contra os acusados e, quando chegar o momento,
de decisões judiciais exemplares. “Foi uma ignomínia, um violentíssimo ataque à
honra e à imagem do nosso país, que deve ser punido com o rigor da nossa
Constituição e demais leis. Até para que não se repita jamais”, afirma o
ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto.
Todos os recursos financeiros e humanos precisam estar à disposição para que sejam punidos os responsáveis pela violência inaceitável. O desafio é gigantesco. Os detidos sob suspeita de participação nos ataques do 8 de janeiro somaram 1.406. Desse total, a Justiça manteve 942 em prisão preventiva. Ainda há perto de 200 câmeras de segurança cujas imagens precisam ser examinadas em detalhes pela polícia.
A Procuradoria-Geral da República (PGR)
havia denunciado ao longo da semana cinco participantes dos ataques contra o
prédio do Supremo e 39 da invasão ao Senado. Os procuradores trabalham com
quatro núcleos: os presos em flagrante, os agentes públicos que deveriam ter
adotado providências para evitar os atos, os financiadores e os autores
intelectuais. Cada um deles exige grande esforço nas fases de investigação e de
elaboração das denúncias. A missão é difícil: evitar atropelos e atrasos, dois
erros que poderiam livrar golpistas de pagar por seus crimes.
Quando tiverem início os julgamentos,
haverá centenas de testemunhas a ouvir. É, portanto, urgente acelerar o
planejamento para enfrentar o desafio, de modo a garantir o direito de defesa a
todos os acusados. O Judiciário deverá estar pronto para que criminosos, muitos
deles confessos, não se beneficiem da prescrição dos processos. A notória
lentidão da Justiça brasileira e a legislação penal complacente com os
criminosos dão motivo para preocupação. No ranking que mede a rapidez e a
eficácia de processos criminais do World Justice Program, o Brasil ocupa a 132ª
posição em uma lista de 140 países.
Uma das primeiras questões que a presidente
do STF, Rosa Weber, precisará analisar é se os casos serão unificados e
centralizados no Supremo ou desmembrados e enviados a outros tribunais. A
primeira opção não é necessariamente a mais lenta. Em julgamentos anteriores
com muitos réus, como o do mensalão, o STF designou juízes auxiliares para
acelerar a tramitação.
Os suspeitos serão acusados por diferentes
crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe
de Estado, incitação ao crime, associação criminosa, dano ao patrimônio
público, lesão corporal, roubo, furto e atos preparatórios de terrorismo. A lei
prevê uma pena máxima e um prazo prescricional para cada um. Será necessário
prestar atenção para que todos os processos corram no ritmo adequado. A
democracia brasileira sobreviveu ao ataque de 8 de janeiro graças à obediência
das instituições à Constituição. Para evitar que novos ataques se repitam, é
imprescindível punir de forma exemplar todos os criminosos.
É preciso dar urgência à aplicação das
novas vacinas contra Covid
O Globo
Depois de criticar Bolsonaro por demora
para vacinar, governo deixa milhões de doses paradas no estoque
Muito se cobrou do governo anterior a
compra das vacinas de nova geração contra a Covid-19, conhecidas como vacinas
bivalentes. Elas protegem não só contra a cepa original do coronavírus, mas
também contra a variante Ômicron e suas sublinhagens. Agora, o problema é
outro. Como mostrou reportagem do GLOBO, há doses em estoque, mas o Ministério
da Saúde ainda não informou quando estarão disponíveis nos postos nem a que
público serão destinadas.
A demora para levar as vacinas aos braços
dos brasileiros é inadmissível, mesmo considerando a troca de governo. A
despeito do caos sanitário que imperou na gestão anterior, houve um mínimo de
planejamento para vacinar a população. Além disso, a transição existe
justamente para reduzir o impacto da descontinuidade administrativa. A equipe
coordenada pelo vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo
Alckmin, era suficientemente ampla para esquadrinhar as demandas mais urgentes.
Vacinas da Pfizer e da Moderna adaptadas às
variantes que circulam atualmente já são aplicadas nos Estados Unidos e em
países da Europa desde o ano passado. No Brasil, a burocracia e morosidade das
decisões se tornaram aliadas do coronavírus. O pedido da Pfizer para usar a
nova vacina chegou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em
agosto, mas só foi aprovado em fins de novembro. A compra não chegou a ser um
entrave, porque o contrato do Ministério da Saúde previa a possibilidade de
incorporar vacinas atualizadas. Mesmo assim, os primeiros lotes só
desembarcaram no Brasil no mês passado.
Há nos estoques do ministério 18,7 milhões
de doses da nova vacina da Pfizer. Outros 19,4 milhões deverão chegar até o fim
de janeiro, somando 38,1 milhões. Pode não ser um número expressivo para o
tamanho da população brasileira, mas ela é indicada apenas como reforço e
provavelmente será destinada aos grupos mais vulneráveis. As outras vacinas em
uso continuam eficazes, nas doses recomendadas pelas autoridades sanitárias,
contra hospitalizações e mortes.
Apesar das ondas causadas pelas novas
variantes, como a mais recente, o panorama da Covid-19 melhorou
significativamente em relação aos dois primeiros anos da pandemia. Mas a doença
ainda mata mais de cem pessoas por dia no Brasil. Reduzir esse número é tarefa
do novo governo, que tanto criticou o anterior pela condução da política
sanitária. As novas vacinas podem ajudar, amentando a proteção de
imunossuprimidos e idosos, grupos mais vulneráveis às formas graves.
O Ministério da Saúde promete para fevereiro uma grande campanha de vacinação, mas não há tempo a perder quando brasileiros morrem. É preciso divulgar logo o calendário e começar a aplicar as vacinas, antes que elas precisem ser jogadas no lixo porque a validade expirou.
Lula e os militares
Folha de S. Paulo
Se presidente faz bem em dialogar, Forças
devem superar aviltamento bolsonarista
Dentre os inúmeros problemas institucionais
criados pelo governo Jair Bolsonaro (PL), um dos mais espinhosos foi a
cooptação de setores das Forças Armadas e da área de segurança para apoiar seu
projeto político de feições autoritárias.
O ex-presidente estimulou a politização da
caserna e nomeou para cargos federais uma quantidade inédita e descabida de
policiais e militares, entre eles oficiais de alta patente na ativa —o que
deveria ser vedado pela legislação.
Ressalte-se que as investidas para
instrumentalizar as forças e alimentar fantasias golpistas não atingiram essas
instituições como um todo. Foram, contudo, acolhidas por círculos influentes,
representados em postos de comando, e aplaudidas pela horda fanatizada a pedir
intervenção militar.
Trata-se, sem dúvida, de uma herança
difícil para Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para piorar, no oitavo dia do novo
governo, assistiu-se ao ignóbil ataque contra a sede dos Poderes na capital
federal, que ocorreu após
a instalação de acampamentos em portas de quartéis, arruaças em
vias públicas e a tentativa de explosão de uma bomba num caminhão de
combustível.
É evidente que barbáries desse quilate não
ocorreriam sem falha ou negligência grave por parte de autoridades federais e
locais, o que ainda está por ser devidamente apurado. Fato é que Lula tem pela
frente a tarefa de desmilitarizar o Planalto e desfazer o aparelhamento
bolsonarista do Estado.
Durante a semana foram dispensados dezenas
de militares de postos na Presidência —sendo 38 deles do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), órgão antes ocupado pelo general Augusto Heleno, um dos
mais inflamados seguidores do mandatário anterior.
Também houve troca de comando da Polícia
Federal em 18 estados e afastamento de 26 superintendentes da Polícia
Rodoviária Federal, outras instituições que Bolsonaro operou para aviltar.
Com o propósito de estabelecer uma relação
mais estável e objetiva com o meio militar, Lula, num gesto correto de
aproximação e diálogo, reuniu-se com
os comandantes das Forças nesta sexta-feira (20).
Não pode restar dúvida de que, numa
democracia, Exército, Marinha e Aeronáutica estão a serviço do poder civil
consagrado nas urnas —a Constituição brasileira é cristalina a respeito. O que
se deve examinar é o meio mais eficaz de superar o aviltamento institucional
semeado por Bolsonaro.
À cúpula militar, que não cedeu à cantilena
golpista, cabe apurar e coibir os desvios que prejudicaram a credibilidade das
corporações.
Cérebro eletrônico
Folha de S. Paulo
Programas criadores de textos que imitam
humanos exigem atenção, não alarmismo
A inteligência artificial, mais exatamente
a IA generativa, surge como bode expiatório da vez na seara das novidades
tecnológicas. Há razões para temer desvios com programas capazes de gerar
textos que parecem escritos por humanos, não tanto, porém, para pânico.
Tecnologias inovadoras sempre despertaram
desconfiança. Foi assim com rádio e TV, transplantes de órgãos, computadores,
fertilização in vitro, telefones celulares, manipulação genética etc. Contudo,
a seu tempo, todas foram assimiladas —em alguns casos apoiadas sob
regulamentação necessária.
Com a velocidade crescente de disseminação,
a reação inicial costuma revestir-se de alarmismo.
No caso da IA em questão, a polêmica começou no final de 2022, quando a empresa
OpenAI —apoiada pela Microsoft— disponibilizou o acesso gratuito ao seu
programa ChatGPT, colocando assim um gerador de textos nas mãos de qualquer
pessoa conectada. Concorrentes já estariam em aquecimento para adentrar na
competição que se afigura bilionária.
Não demorou para o recurso ser empregado
por estudantes e pesquisadores na confecção fraudulenta de trabalhos intelectuais.
Trata-se de variedade sofisticada de plágio, afinal o programa se vale do que
já existe na rede mundial para articular conteúdos emulando de modo convincente
a linguagem humana natural.
Instituições
acadêmicas já providenciam formas de contenção dos desvios, como
novas modalidades de avaliação e algoritmos para detectar escritos de máquinas.
Nada tão diverso do desafio que já enfrentam com o copia e cola a partir de
mecanismos de busca.
Outra maneira
de encarar a IA direciona o foco para suas potencialidades. Ela
pode liberar mentes humanas de uma série de tarefas tediosas para dedicarem
mais tempo àquilo em que brilham: exame de particularidades para criar soluções
impensadas e tomar decisões adequadas a cada caso.
Entre as aplicações mais promissoras se
encontram diagnósticos e relatórios médicos, pareceres jurídicos, geração e
correção de códigos para softwares, compilação de dados e assim por diante. Não
haveria motivo para tolhê-las com interdições paternalistas.
Dito isso, é legítima a preocupação com
distorções da tecnologia, como facilitar a viralização de notícias falsas e a
difusão de programas para infectar computadores.
A prevenção de malefícios, como de hábito, se fará com controle social, autorregulamentação, regulação e responsabilização judicial dos abusos. Nada de novo sob o sol.
Defesa da democracia requer prudência
O Estado de S. Paulo.
Manifestar-se em rede social sobre caso sob
sua jurisdição, como fez Alexandre de Moraes, não contribui para a prestação
jurisdicional, acirra ânimos e dá margem a nulidades
Para assegurar a necessária imparcialidade
do juiz, a Lei Orgânica da Magistratura (LOA) estabelece que “é vedado ao
magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo
pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre
despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos
autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério” (art. 36, III).
Importante proteção da magistratura, essa
proibição se aplica a todos os juízes, desde os de primeira instância até os
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A respeito de processo pendente de
julgamento, os magistrados devem falar apenas nos autos. A única exceção é a
manifestação no âmbito acadêmico, seja em obras técnicas ou na docência.
Diante disso, e tendo em vista o papel fundamental
que o ministro do STF Alexandre de Moraes teve e continua a ter na defesa da
democracia – é o relator de vários inquéritos sobre ataques e ameaças ao regime
democrático –, faz-se necessário lembrar a proibição do art. 36, III da LOA.
Desde o dia 8 de janeiro, Alexandre de
Moraes tem publicado alguns tuítes qualificando os atos de “terroristas”. No
próprio dia 8, escreveu: “Os desprezíveis ataques terroristas à democracia e às
instituições republicanas serão responsabilizados, assim como os financiadores,
instigadores, anteriores e atuais agentes públicos que continuam na ilícita
conduta dos atos antidemocráticos”. No dia 17, voltou ao assunto: “O STF foi
danificado por terroristas”.
No dia 10, na cerimônia de posse do novo
diretor-geral da Polícia Federal, Alexandre de Moraes rebateu as críticas dos
presos pelos atos de 8 de janeiro. “Não achem, esses terroristas, que até
domingo faziam baderna e crimes, e agora reclamam que estão presos, querendo
que a prisão seja uma colônia de férias, não achem que as instituições irão
fraquejar”, disse.
Ainda que a intenção de Alexandre de Moraes
com essas publicações e discursos provavelmente seja a de transmitir firmeza
num caso que chocou o Brasil e demanda dura responsabilização, um juiz fala
apenas nos autos. Não retruca em praça pública as críticas das pessoas que
estão sob sua jurisdição. Não promete punição. Não atribui em rede social a
qualificação jurídica de ações que ainda estão sob investigação.
Nada disso contribui para a efetividade da
prestação jurisdicional – da necessária e urgente responsabilização jurídica
dos autores, executores e mandantes, dos atos criminosos de 8 de janeiro. Ao
contrário, uma atuação assim, à revelia das disposições da LOA, acirra os
ânimos e facilita a ocorrência de um fenômeno extremamente perigoso para a
autoridade e o bom nome da Justiça: a visão de que, sob pretexto de aplicação
da lei, estaria havendo uma perseguição política contra determinadas pessoas e
grupos.
É certo que, muitas vezes, a Justiça
precisa se defender publicamente de ataques; por exemplo, corrigindo equívocos,
esclarecendo mal-entendidos e oferecendo informação segura e confiável perante
tanta desinformação. No entanto, nada disso é tarefa pessoal, e sim
institucional. O Regimento Interno do STF prevê, entre as primeiras atribuições
do presidente da Corte, “velar pelas prerrogativas do Tribunal” e
“representá-lo perante os demais poderes e autoridades”. Se é necessário falar
algo publicamente sobre os ataques do dia 8 de janeiro, é a presidente do
Supremo, ministra Rosa Weber, que tem competência para fazê-lo.
Essa previsão regimental é uma importante
defesa da unidade do STF. Imagine se cada um dos ministros se pusesse a
discorrer publicamente sobre os atos de 8 de janeiro, publicando cada um nas
redes sociais sua interpretação dos fatos, com as diferentes consequências
jurídicas. Tal situação não fortaleceria o Judiciário perante a sociedade.
Além dos efeitos institucionais, a
manifestação pública de um juiz sobre processo pendente de julgamento pode
significar quebra do dever de imparcialidade, pondo em risco todo o seu
trabalho.
A democracia deve ser exemplarmente
defendida, sem erros que possam vir a acarretar impunidade aos responsáveis. O
País merece esse cuidado.
A crise da indústria e da Fiesp
O Estado de S. Paulo.
A mais recente confusão na federação das
indústrias paulistas expõe mais que disputa política: ficou clara a
profundidade da crise em que o setor está mergulhado há décadas
Em uma assembleia realizada há poucos dias,
o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué
Gomes da Silva, foi destituído do cargo. Seu afastamento foi referendado pelo
voto de 47 industriais, em uma reunião extraordinária marcada por
controvérsias, quórum questionável e sem a presença do empresário, argumentos
que, por si sós, fortalecem a chance de reversão da medida na Justiça. Mas a
patacoada vai além. Como a ata da assembleia ainda não foi registrada em
cartório, Josué não apenas continua no comando da Fiesp, como foi convidado a
participar de uma reunião com as Forças Armadas pelo presidente Lula da Silva,
um ato de desagravo que evidencia o prestígio e o apoio ao empresário, filho do
ex-vice-presidente José Alencar.
É a primeira vez que a Fiesp destitui um
presidente em quase 100 anos de história, algo que diz muito sobre o tamanho da
crise da indústria brasileira. Josué assumiu a Fiesp em janeiro de 2022 para
cumprir um mandato de três anos, candidato único de uma chapa que sucedeu a
Paulo Skaf e seus 17 anos na chefia da entidade. O empresário é dono da
Coteminas, símbolo de uma indústria têxtil moderna e competitiva, líder no
mercado interno e com forte presença no exterior.
Na assembleia, ele foi alvo de 12
questionamentos, nenhum sobre violações do estatuto da Fiesp. Foi inquirido, no
entanto, sobre a quantidade de entrevistas que havia concedido e o número de
vezes em que esteve no Congresso para defender pautas setoriais. Era um teatro
para punir Josué por um ato imperdoável, na avaliação de seus pares: a
publicação da carta Em defesa da Democracia e da Justiça, logo após o
ex-presidente Jair Bolsonaro reunir embaixadores para atacar a lisura do
processo eleitoral.
Não é por acaso que a liderança da rebelião
é atribuída a Skaf. Os industriais, evidentemente, preferiam a postura
pusilânime da Fiesp de um ano antes. Em agosto de 2021, Skaf articulou o apoio
a um manifesto intitulado A Praça é dos Três Poderes, após o intimidatório
desfile das Forças Armadas na Esplanada dos Ministérios e no dia em que a
Câmara rejeitou o voto impresso. Ele desistiu da publicação após pressão do
governo, mas o documento ressuscitou depois do dia 7 de Setembro, quando
Bolsonaro fez ameaças públicas ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O episódio em si só traz à tona mais do que
uma mera disputa de poder pelo comando da Fiesp. Ele expõe a dificuldade de
alguns de seus associados de enxergar a profundidade da crise em que a
indústria brasileira está mergulhada. A desindustrialização é uma realidade
inegável desde a década de 1980. A proporção da indústria de transformação no
Produto Interno Bruto (PIB) é de 11%, a menor desde 1947. As causas desse
fracasso são múltiplas – crises internacionais, recessão econômica, falta de
investimento, baixa produtividade e custos elevados, entre outros –, mas
nenhuma delas tem qualquer conotação política.
Enfrentar esses desafios requer da
indústria realismo para distinguir problemas e oportunidades. Após a ineficaz
política de combate à covid-19 por parte da China, o País tem uma nova chance
de inserção nas cadeias produtivas globais. A guerra na Ucrânia e o consequente
aumento dos preços do petróleo proporcionaram competitividade à energia
brasileira – ela já era majoritariamente limpa e, agora, tornou-se relativamente
mais barata.
A transição para uma economia de baixo
carbono pode dar ao País um protagonismo mundial. Para isso, é preciso que a
indústria tenha uma compreensão mais moderna e menos dependente sobre seu papel
no desenvolvimento do País. Passou da hora de o setor caminhar com as próprias
pernas. Uma parte dos industriais brasileiros continua a apostar no retorno a
um tempo em que desonerações, subsídios, protecionismo e favores políticos
garantiam a prosperidade de seus donos em detrimento do crescimento econômico e
da geração de empregos. A crise no comando da Fiesp não é causa, mas sintoma
desse embate entre um passado que se recusa a ficar para trás e um futuro que
ainda não chegou.
O PT não falha
O Estado de S. Paulo.
Bastaram alguns dias para que os canais do
Estado fossem usados para disseminar a ‘verdade’ do partido
Ao anunciar a nova diretoria da Empresa
Brasileira de Comunicação (EBC), o site oficial do governo comunicou que “o
ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), Paulo Pimenta,
indicou Rita Freire, presidente do Conselho Curador da EBC cassada após o golpe
de 2016”, para um cargo de gerência da estatal.
O PT não falha. Bastaram alguns dias no
poder para que o lulopetismo se assenhoreasse dos canais oficiais do Estado com
o objetivo de transformá-los em portavozes do partido – e, por meio deles,
espalhar sua “verdade oficial”. E nessa “verdade oficial” figura com destaque a
versão segundo a qual o impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016 foi um
“golpe”.
O PT tem direito de fazer a interpretação
que quiser do processo constitucional que levou à cassação de Dilma por suas
manobras contábeis criativas, digamos assim, com o propósito de ocultar da
sociedade o real estado das finanças do País. O que o partido e seus membros
com cargos no Executivo federal não podem fazer é usar canais oficiais de
comunicação para impor a todos os brasileiros sua visão particular dos
acontecimentos como revanche.
Um dos princípios da administração pública
consagrados no artigo 37 da Constituição é o princípio da impessoalidade. Isso
significa, na prática, que aos administradores públicos é vedado desempenhar
suas funções privilegiando interesses privados de indivíduos ou grupos. Um
partido político, naturalmente, é uma entidade privada. Portanto, a comunicação
oficial do governo federal não se confunde nem remotamente com a comunicação do
PT – ou de qualquer partido político –, ainda que a legenda tenha logrado
ascender novamente ao Executivo federal. Triunfos eleitorais, circunstanciais
por natureza, não autorizam reescrever a história.
Evidentemente, não é surpresa para ninguém
essa interpretação que os petistas e seus aliados fazem do processo de cassação
de Dilma. Pouco importa para o partido que, objetivamente, o impedimento da
ex-presidente tenha seguido rigorosamente todos os ritos previstos na
Constituição e na Lei 1.079/1950 – e sob a supervisão do então presidente do
Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski. Ao PT, interessa a
versão, não os fatos.
O presidente Lula da Silva, contudo, já
disse algumas vezes que seu terceiro mandato presidencial será o “mandato de
sua vida”, e que deseja trabalhar para reunir famílias e reconciliar amigos que
se afastaram por divergências políticas. Pois o presidente será tão
bem-sucedido em seu desiderato auspicioso se, de fato, transformar suas
intenções em gestos concretos no sentido da pacificação. Um bom começo é
dissociar o interesse público dos interesses de seu partido.
Poucos hão de discordar: para poder avançar
e levar o País de volta ao trilho do desenvolvimento político, econômico e
social, a sociedade precisa, o quanto antes, cicatrizar as feridas abertas por
ressentimentos cultivados entre os cidadãos pela polarização política
extremada. Quando um canal oficial do governo chama o impeachment de Dilma de
“golpe”, politiza a comunicação estatal, dissemina uma patranha e atiça a cizânia.
Ou seja, nada de bom.
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