O Globo
Renúncias fiscais na educação também devem
ser observadas com lupa para melhorar a eficiência do gasto público
A conjunção de um cenário econômico e fiscal desafiador com a urgente necessidade de recompor o orçamento público em áreas fundamentais vai exigir dos gestores públicos um esforço ainda maior para melhoria da eficiência e qualidade do investimento estatal. Além de olhar para os gastos diretos do governo, é fundamental também investigar com lupa os efeitos das renúncias fiscais. Na educação, por exemplo, há muito a fazer.
A prática de transferir recursos públicos
via renúncia fiscal para entes privados não é nova, nem restrita à educação.
São vários os exemplos ao longo de nossa história de leis e programas que
permitiam que o setor privado fosse incluído no orçamento estatal, em geral
mediante alguma contrapartida, beneficiando os estudantes que mais precisam. O
ProUni é um caso positivo recente e emblemático. No entanto, não faltam também
casos de políticas pouco transparentes ou ineficazes. Além de situações limites
que resultaram em fraudes como, por exemplo, os recursos do salário-educação
durante a ditadura militar, entre outros.
Este é um problema tão recorrente que, em
2019, foi criado, no âmbito do Conselho de Monitoramento e Avaliação de
Políticas Públicas (CMAP), o Comitê de Monitoramento e Avaliação dos Subsídios
da União (CMAS), objetivando monitorar e avaliar as políticas públicas
financiadas por subsídios do governo federal. No mesmo ano, a União renunciou a
R$ 4,8 bilhões com entidades autorizadas pelo MEC por meio da CEBAS
(Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social). Para efeito de
comparação, este valor foi próximo ao do Programa Nacional de Alimentação
Escolar (R$ 4,4 bilhões) e muito superior ao do Programa Nacional do Livro
Didático (R$ 1,1 bilhão) no mesmo ano.
Por lei, os estabelecimentos certificados
pela CEBAS devem conceder bolsas de estudos integrais ou de 50% em proporção
mínima de bolsas equivalentes que varia de 17% a 20% de bolsistas. Acontece que
a CGU (Controladoria-Geral da União) concluiu, em relatório de 2019, que há
indícios de que 92% das bolsas concedidas estavam irregulares. Constatação
semelhante fora feita pelo TCU (Tribunal de Contas da União), conforme Acórdão 822/2018 TCU-P, que identificou bolsistas
sócios de empresas, proprietários de embarcações, de aeronaves e até de carros
de luxo.
Em avaliação publicada em 2020, o CMAP apontou uma série de
deficiências no desenho, na implementação e nos resultados da CEBAS Educação.
No desenho, os critérios de elegibilidade para bolsas de estudo apresentam
fragilidade na focalização do público-alvo. O limite de elegibilidade por
pessoa é de até três salários mínimos para a bolsa parcial de 50%, implicando
uma renda per capita de até R$ 3.636 (com base no salário mínimo de 2021). É evidente
que este valor não representa a parcela da população mais vulnerável, posto que
a renda per capita média do brasileiro em 2021 foi de R$ 1.353.
Quanto à implementação, a CEBAS admite
entidades filantrópicas, que prestam serviços gratuitos, e entidades atuantes
no mercado privado, que vendem os serviços prestados (cobram mensalidades de
seus estudantes), permitindo que grandes corporações se beneficiem da política.
Ademais, não há impedimento legal para que a entidade usufrua da isenção
tributária mesmo que sua atividade principal não esteja relacionada com
educação. A extensão irrestrita de isenções a quaisquer atividades econômicas
gera o distanciamento da finalidade da política, bem como vantagem indevida no
mercado de bens e serviços.
Por fim, a avaliação estima que o custo
médio de um bolsista CEBAS é sete vezes o custo de um estudante financiando
pelo FUNDEB. São recursos relevantes desperdiçados que, se bem equacionados,
poderiam contribuir para o melhor financiamento e redução de desigualdades, a
um custo menor.
A formulação de políticas públicas baseadas
em evidências deve ser um compromisso incontornável para o aperfeiçoamento da
gestão pública no Brasil, em consonância com as economias do primeiro mundo. O
monitoramento e a avaliação são instrumentos cruciais para isso, mas
insuficientes se não gerarem consequências. Diante de tantas demandas sociais
face ao histórico atraso no setor e do descaso recente do governo anterior, não
podemos deixar que os escassos recursos públicos sejam desperdiçados via
isenções fiscais em detrimento dos que mais precisam.
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